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Crítica de cinema: Foge

Foge "é uma poderosa sátira, sob a capa do thriller de terror, à condição racial contemporânea na América".

04 de março de 2018 às 23:12

Um dos filmes norte-americanos política e socialmente mais importantes dos últimos anos, Foge é uma poderosa sátira, sob a capa do thriller de terror, à condição racial contemporânea na América. 

Após um prólogo assustador, onde um homem mascarado, num carro desportivo branco, assassina um transeunte negro numa rua deserta, a primeira coisa que Chris, afro-americano, (Daniel Kaluuya) pergunta a Rose, caucasiana (Allison Williams, da série 

Após um prólogo assustador, onde um homem mascarado, num carro desportivo branco, assassina um transeunte negro numa rua deserta, a primeira coisa que Chris, afro-americano, (Daniel Kaluuya) pergunta a Rose, caucasiana (Allison Williams, da série Girls, na sua estreia no cinema), é: "Os teus pais sabem que eu sou negro?" Os dois namoram há cinco meses nos EUA de 2016, prestes a tornar-se a nação de Trump, preparando- -se para um fim-de-semana nos subúrbios abastados da Nova Inglaterra, onde Chris será apresentado à família de Rose. 

Mas o mecanismo não é simplista: os papás dela, Dean e Missy Armitage (Bradley Whitford e a sempre bem-vinda Catherine Keener), não são 

Mas o mecanismo não é simplista: os papás dela, Dean e Missy Armitage (Bradley Whitford e a sempre bem-vinda Catherine Keener), não são rednecks racistas apoiantes de Trump, mas liberais WASP, que votam no Partido Democrata e gostariam de ver Obama num terceiro mandato na Casa Branca. 

Pouco depois de chegar, entre o suave paternalismo de Dean e a simpatia respeitosa de Missy, Chris começa a perceber que há algo de errado. Walter e Georgina, jardineiro e cozinheira da mansão, são ambos negros e assumem comportamentos estranhos, automatizados (pensa-se logo em 

Pouco depois de chegar, entre o suave paternalismo de Dean e a simpatia respeitosa de Missy, Chris começa a perceber que há algo de errado. Walter e Georgina, jardineiro e cozinheira da mansão, são ambos negros e assumem comportamentos estranhos, automatizados (pensa-se logo em Mulheres Perfeitas, o thriller de 1975 onde as mulheres eram substituídas por robotspara satisfazer as vontades do patriarcado machista). Numa sequência, poderosa na inesperada imagética, que Chris - e nós - não percebe ser ou não real, Missy, psiquiatra, hipnotiza Chris sob o pretexto de lhe remover o vício do tabaco.

De uma grande ambição, vinda de um actor e guionista cómico que passou os últimos anos na TV a desmontar os mecanismos do preconceito de raça, Foge surpreende pelo cruzamento de géneros (o terror, a acção de série B, a ficção política, o huis-clos, o humor de raiz no fantástico, o thriller psicológico, com influências de John Carpenter, H.P. Lovecraft e do The Wicker Man de Robin Hardy/Anthony Shaffer), mas também pela coragem, por via da parábola sarcástica, de enfiar uma estaca no peito do politicamente correcto, dessa hipocrisia de certa classe média-alta e da violência policial que os smartphones, de Los Angeles a Nova Jérsia, não param de captar.

Crítica de: Pedro Marta Santos

Nota: 4 estrelas

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