Capicua e Pedro Geraldes apresentam este domingo na Casa da Música no Porto o projeto 'Mão Verde'
Uma rapper e um guitarrista rock a fazer música para crianças é, à partida, pouco provável. Como é que isto começou?
Capicua – É verdade, a nossa junção foi de facto um pouco inesperada. Tudo isto começou em dezembro de 2015, quando o teatro S. Luiz me convidou para fazer uma temporada de concertos, sendo que metade deles teriam de ser para crianças. Como não tinha repertório infantil tive de montar um concerto de raiz. Daí, fiz as letras e convidei o Pedro para fazer as músicas. As coisas correram tão bem que depois tivemos vontade de gravar um disco.
Pedro Geraldes – Nunca imaginei fazer um disco para crianças. A Ana já tinha comentado comigo que tinha essa vontade, mas eu nunca pensei. Só acreditei quando esse convite surgiu e as coisas se começaram a compor. Para mim foi um enorme desafio, foi sair da zona de conforto. Hoje, estou muito satisfeito com o resultado e sinto que as pessoas dão muito valor ao que fizemos.
E vocês não se ficaram apenas por um disco, ainda decidiram fazer um livro!
Capicua – Sim. Achámos que um disco era pouco (risos). Acabámos por optar também por um livro para honrar o objeto. Além do mais, o livro foi uma forma que encontrámos para juntar ilustrações, notas informativas e para dar um conteúdo didático ao trabalho artístico.
Como é que foi entrar nesse território infantil e criar canções propositadamente a pensar em crianças?
Capicua – Foi engraçado, porque foi uma espécie de resgate do meu Peter Pan interior (risos). Sinto que quanto mais me vou tornando experiente naquilo que faço, mais cerebral, racional e filtrada vai ficando a minha escrita. E isto foi um regresso à escrita mais leve, intuitiva e espontânea. Foi engraçado brincar com o formato lengalenga, de que gosto muito desde criança. Em miúda já era apaixonada por rimas, jogos de palavras, repetições e aliterações. Foi isso que me despertou para a minha vocação, para a escrita. Antes de saber escrever já gostava de lengalengas.
Mas a brincadeira deste projeto vai também para lá das palavras. Há aqui também muita brincadeira com a própria música.
PG – A minha preocupação foi fazer música alegre e isso levou-me a um processo de experimentação muito grande sabendo que o lado festivo seria essencial. Não me podia atirar para a música visceral ou melancólica. Houve a preocupação sim de possibilitar que as crianças ouvissem vários estilos musicais. Tudo foi feito de forma descomprometida, sem filtros, tal como as crianças.
Capicua – Aqui também brincamos aos estilos musicais: o afro-beat, o rap, o rock, a música havaiana...
Quais foram as dificuldades que a Capicua sentiu ao ter de virar a sua escrita para um público bem mais novo do que o habitual?
Até que ponto tiveram de ir ao baú das memórias de infância?
PG – Acho que isso não aconteceu muito comigo. É verdade que há ali uma música que pode soar a Ace of Base dos anos 90 e há por ali uns teclados que se calhar estavam nas minhas memórias, mas acho que não me apoiei assim tanto quanto isso nas minhas recordações.
Capicua – Eu acabei por resgatar muitas personagens da minha infância. Quando era miúda adorava, por exemplo, uma história que a minha mãe me contava que acabava numa lengalenga com um macaco. E esse macaco tinha de aparecer obviamente no ‘Mão Verde’. Outras das coisas interessantes neste trabalho foi poder falar de temas que me interessam muito enquanto adulta e que acho que devem interessar às crianças. A questão da natureza e da ecologia, dos insetos e dos animais interessa intuitivamente às crianças. Nunca conheci uma criança que não gostasse de brincar com a terra , de olhar para as minhocas ou para os caracóis, de colocar um feijão num algodão molhado e ver como é que ele rebenta num plantinha.
Houve muito essa preocupação pela pedagogia além do entretenimento?
Capicua – Sim, acredito muito na música como uma ferramenta para mudar mentalidades e espalhar mensagens. Não é por fazer um disco para crianças que seria diferente. Interesso-me por agricultura e até tenho uma horta, gosto de árvores e de ervas aromáticas e preocupo-me com as questões ecológicas. Essas coisas até hoje ainda não tinham tido o devido protagonismo na minha música e esta foi uma boa oportunidade, ainda para mais para um público que não vê isto como um discurso moralista ou panfletário, muito pelo contrário. Eles divertem-se muito.
Chega a ir à questão da alimentação, um dos problemas das nossas crianças!
Capicua – A maioria das pessoas não tem noção de que a indústria que tem mais impacto ecológico no Mundo é a agroalimentar. Aquilo que produzimos para comer é, por exemplo, determinante nas questões climáticas. O consumo quotidiano de carne é uma das coisas que tem mais impactos na emissão de gases com efeito estufa. Acho que devemos falar às crianças sobre isto, porque mais tarde ou mais cedo esta questão vai ter de ser debatida. Acho que elas devem crescer com estas questões muito presentes. As pessoas não têm noção que se, por exemplo, reduzíssemos o consumo de carne para uma ou duas vezes por semana, estaríamos a fazer uma enorme diferença. Mas neste disco também falo na importância dos insetos nas hortas. A maior parte das pessoas não sabe, por exemplo, que se todas as abelhas desaparecesse do Mundo a nossa alimentação seria fortemente condicionada. E a verdade é que as abelhas já entraram para a lista dos animais em vias de extinção na América do Norte. Há conta disto eu acho que fiz a primeira música de rap no Mundo sobre insetos auxiliares (risos).
A Capicua fala como entendida e expert nestes assuntos. Este trabalho obrigou-a a fazer algum tipo de pesquisa?
É por isso que diz que este também é um projeto para adultos?
Capicua – Sim. É também porque toda a gente sabe que os pais são as principais vítimas de música para crianças (risos), porque têm de ouvir sempre os mesmos discos. Por isso, também quisemos fazer este disco para os pais e deixar algumas ‘private jokes’.
MEMÓRIAS DE INFÂNCIA
Já que falamos de crianças, como é que foi a vossa infância?
PG – A minha infância foi muito feliz. Ainda sou do tempo de brincar muito na rua, de sair de manhã e voltar ao final do dia, naquela onda da vadiagem (risos).
Capicua – Toda a gente que ouve o ‘Vayorken’, que é a música onde conto as minhas aventuras de infância, percebe que fui uma criança muito argumentativa e resmungona, mas ao mesmo tempo muito divertida. Era um bocadinho ‘Mafaldinha’. Nunca aceitava um ‘não’ como resposta e tinha sempre alguma coisa a dizer. Era muito curiosa e interessava-me muito por ouvir as conversas dos adultos. Em criança era uma personagem.
E a música apareceu logo aí?
PG – A música apareceu muito por influência da família. Nas festas em casa havia sempre muita música. Ainda por cima tinha um tio que tocava e cantava e que me deu a minha primeira guitarra. Lembro-me de que nos juntávamos depois das refeições a cantar. Tudo andava muito à volta da música tradicional. Só mais tarde surgiu o punk rock na minha adolescência, e essa foi uma das minhas grandes influências.
Capicua – Os meus pais ouviam muita música e a minha infância ficou marcada por Sérgio Godinho, Zeca Afonso, Zé Mário Branco ou Fausto, por exemplo. Hoje percebo porque é que a palavra e a música estiveram sempre associadas. Para mim nunca foi estranho que a música servisse como veículo de mensagem e como ferramenta para a mudança do Mundo, porque essa foi a primeira música que ouvi.
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