“Mais português do que muitos portugueses”. É desta forma que Tozé Brito se refere ao maestro Shegundo Galarza, nas suas palavras “um homem que sempre deu tudo o que tinha para dar” e cuja morte “constitui uma perda irreparável para a música portuguesa”.
Aliás, “ele costumava dizer que Portugal era a sua segunda pátria”. Galarza tinha 78 anos e faleceu ontem em Lisboa, vítima de doença prolongada.
Nascido a 7 de Setembro de 1924 em Guipuzcoa, na região basca espanhola, Shegundo Ramón Galarza, viajou para Portugal em 1949, com apenas 25 anos, a convite do Casino Estoril, tendo construído passo-a-passo uma das mais importantes carreiras na música portuguesa. “Na década de 60, sobretudo, Galarza fez a diferença. Todos lhe ficamos a dever muito”, diz Tozé Brito que com o maestro gravou, em 1980, aquele que considera o seu mais importante trabalho de sempre, “Cantar de Amigos”. “Ele teve um papel fundamental nesse disco porque assumiu a autoria de todos os arranjos”, recorda.
Consta que a sua infância não foi fácil mas que ele a recordava com a maior saudade. “Contava muitas histórias e geralmente muitas piadas. Era um homem muito engraçado e sempre muito bem disposto”, diz Tozé Brito.
PELOTA BASCA: O SEGREDO
Filho único de um comerciante, Shegundo Galarza foi educado por três mulheres, a mãe e duas tias, a quem dizem se ficou a dever a sua sensibilidade para a música.
Fez o conservatório de Bilbau, onde estudou piano, harmonia e composição, e dizia que a agilidade que tinha se devia a andar quilómetros e ter jogado muita pelota basca.
Em 1942, com apenas 18 anos e após ter ganho um prémio de piano, deixou Espanha e começou a percorrer a Europa em concertos, tendo-se, inicialmente, fixado em San Sebastian onde actuava em clubes de luxo.
Estreou-se em Portugal no Natal de 1948 precisamente no Casino Estoril, tendo começado a criar uma relação irreversível com o nosso País. Classificava o público português de “tímido e reservado” mas o facto é que foi por ele e em nome da música que não mais deixou o nosso País.
UMA CARREIRA CHEIA
Shegundo Galarza foi solista, maestro, arranjador, compositor, gravou mais de 200 programas para a RTP, criou a banda sonora de algumas longas-metragens e de centenas de documentários. Ao longo dos anos trabalhou com Max, Tony de Matos, Lara Li, José Cid, Paulo de Carvalho, Tozé Brito, Marco Paulo e Carlos Paião, entre muitos outros. Em 1981, dirigiu a orquestra da Eurovisão, em Dublin, representando Portugal ao lado de Carlos Paião que interpretou “Playback”.
No total gravou mais de 40 discos, destacando-se, no seu trabalho, a criação de fundos musicais para filmes, entre eles mais de seis longas- -metragens e mais de 20 documentários. Entre os seus trabalhos para televisões norte-americanas, destaca--se a sua participação nos espectáculos de Edmund Ross e Xavier Cugat.
SOTAQUE: IMAGEM DE MARCA
Com o sentido de humor sempre à flor da pele gostava de se apresentar como “basco de boa cepa” e talvez por isso nunca tenha perdido o sotaque, mesmo depois de 50 anos de permanência em Portugal. Sotaque que já era, aliás, uma das sua imagens de marca.
Em 1996, Shegundo Galarza gravou um disco da iniciativa de Maria de Lourdes Carvalho e Cidália Meireles em que interpretava, ao piano, temas como “Lisboa Antiga”, “Madeira”, “Açores”, “Moçambique” e “Aldeia da Roupa Branca”.
Tendo colaborado com os mais variados nomes da música portuguesa, terá surpreendido tudo e todos quando emprestou os seus serviços aos Ena Pá 2000, quando estes gravaram o álbum “Corações de Atum”.
'TROUXE ALGO QUE NÃO EXISTIA'
Diz quem sabe que em determinado período da sua carreira, “o maestro Shegundo Galarza, embora não sendo português, foi o homem que mais qualidade conferiu à música portuguesa e que mais a dignificou”.
As palavras pertencem ao também maestro José Atalaya, o homem que na década de 50 foi o responsável por ter levado Galarza a trabalhar para a RTP, onde formaria a sua Grande Orquestra.
“Ele tinha formação clássica mas abordava qualquer tema ligeiro”, explica José Atalaya, que não se esquece, no entanto, de enaltecer as qualidades humanas do maestro que, segundo refere, se pautava por “uma seriedade exemplar e por um trato extraordinário. Isto para além de ser um modelo como pai e como chefe de família”.
Por seu turno o pianista de jazz Bernardo Sassetti afirma que Galarza trouxe para Portugal “um conhecimento em termos pianísticos que não existiam no nosso País”.
“Ele deixou uma marca muito grande na nossa música porque trouxe elementos novos que ajudaram aqueles com quem trabalhou a criarem uma música muito mais interessante”, rematou o músico português.
JÚLIO ISIDRO - APRESENTADOR
“A última grande entrevista que deu foi no meu programa, há cerca de dois meses, e na altura disse-me que estava cheio de saúde. Estou chocado. Perdemos um homem com muita alegria de viver. Conheci-o ainda miúdo. Lembro-me que ele tinha um programa na televisão de meia hora e que nós, lá em casa, nos sentávamos à mesa a ouvi-lo. Um dia fui jantar ao restaurante Mónaco com uma amiga. Ele tocava lá e foi a primeira vez que dancei ao som da sua música. Devia ter os meus 14-15 anos. Sou um grande admirador e era grande amigo de Shegundo Galarza”.
MARCO PAULO - CANTOR
“Nos últimos tempos vinha acompanhando o estado de saúde do Shegundo por motivos de trabalho com o filho com quem estou a gravar o meu novo disco. Sobre ele guardo as melhores memórias. Era um grande profissional e um grande cavalheiro, uma pessoa de muito bom trato. Lembro-me de o ver tocar pela primeira vez num baile nos Paços do Concelho de Alenquer. Era miúdo e fiquei maravilhado. Com ele gravei vários discos e sempre tive um excelente relacionamento. Foi com grande tristeza que recebi esta notícia”.
JOSÉ CID - MÚSICO E CANTOR
“O Shegundo foi um homem que veio acrescentar muito à música portuguesa. Está muito ligado à música pop mas o que muita gente não sabe é que era um dos maiores intérpretes de Falha e um dos músicos clássicos mais cotados de toda a Espanha. Era uma pessoa muito amiga e sempre dedicada às pessoas. Chegou a gravar um disco só de melodias minhas e nos anos 70 foi um dos maestros a quem recorri para fazer os meus arranjos. Mas o mais importante é que o seu nome vai ficar perpetuado em Portugal pelo nome do filho”.
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