Cantor está de volta a Portugal para retomar o seu lugar no fado.
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O fadista Paulo Bragança está de volta aos palcos portugueses e prepara um novo disco. Conta em entrevista o que andou a fazer durante a mais de uma década em que esteve afastado de Portugal.Porque é que estivemos tanto tempo sem ouvir falar do Paulo Bragança?
Porque estive fora de Portugal quase onze anos, seis deles em exílio absoluto. Parti em 2006 e quando dei por mim já tinha passado este tempo todo. Se antes disso me dissessem que eu ia estar tanto tempo longe do meu país, eu diria que era um absurdo.
E porque é que partiu?
Por desencanto e por desilusão.
Desilusão?
Sim. Desilusão pela indústria da música e pelos ‘lobbies’ que tanto podem construir um artista como destruí-lo. A experiência que tive foi um bocado infeliz. Confiei demais.
E o que é que andou a fazer durante onze anos fora de Portugal?
Eh, pá! No primeiro ano andei a deambular pela Europa, andei muito pela Roménia e por várias cidades de Leste, mas acabava sempre em Londres. Um dia, estava muito aborrecido porque não conseguia criar empatia com Londres, apanhei o comboio e o ferry e fui para Dublin. Cheguei lá ao final de um dia medonho. Eram seis da tarde mas parecia noite. O tempo lá é sempre assim. Aquela é a terra dos eternos invernos. Nem os romanos lá quiseram ir (risos).
E porquê Dublin?
Na altura, eu tinha lido um artigo numa revista que dizia que a Irlanda é o país do mundo com mais prémios Nobel da literatura. E isso interessava-me, até porque eu tinha-os lido a todos. E pensei: nem é tarde nem é cedo. Cheguei lá e fiquei deslumbrado com a cultura e com a forma de vida. Lá, toda a gente canta e toca. Numa só noite, há mais vida em Dublin do que em Portugal inteiro. E com o tempo acabei por assentar lá. Até tirei um curso em Estudos Irlandeses.
E durante este tempo nunca quis ter notícias de Portugal?
Durante seis anos estive no anonimato absoluto. Quis que fosse assim. Cortei com tudo. Não tinha contactos de ninguém. Precisava mesmo de estar comigo e de levar com um banho de realidade. Posso dizer que na primeira noite que cheguei a Dublin fui dormir num hostel, um tipo de espaço onde eu nunca tinha entrado. No dia seguinte, fui à casa de banho e quando regressei ao quarto tinham-me roubado tudo. Fiquei sem o pouco que ainda tinha.
E nunca comunicou a ninguém onde estava?
Não. Estive completamente isolado. Até deixei de ouvir música e de escrever. Mais tarde, tive a sorte de conhecer uma família que era proprietária de um castelo e que me deixou ficar lá a viver ao longo de ano e meio. Era um castelo cheio de mistérios e barulhos. Metia muito respeito. E foi nesse período que desci às entranhas de mim mesmo.
E nunca ninguém o procurou, nem amigos, nem família?
Mesmo que tivessem tentado, não tinham conseguido encontrar-me. Cheguei a fazer um pacto com a embaixada para só comunicarem o meu paradeiro se me acontecesse alguma coisa.
E como é que a sua família lidou com esse silêncio de tanto tempo?
Eu já os tinha preparado. Quando me despedi da minha mãe, a partir de Madrid, disse-lhe mesmo que podia ser um adeus sem volta.
Durante o tempo em Dublin, fazia o quê para ganhar a vida?
Bem! Eu nunca liguei nenhuma a dinheiro. Para mim, ele existe para se gastar. Se fosse preciso, até ia lavar pratos, mas a determinada altura consegui um trabalho na câmara de Dublin. Estive lá algum tempo até ser dispensado por causa da crise. O caminho óbvio teria sido ir para o desemprego, mas eu não quis. Na altura, o governo irlandês tomou uma medida fantástica no sentido de proporcionar, a quem quisesse, o regresso à universidade. E eu fui estudar filosofia, tirei o mestrado e tudo. Até me convidaram para dar aulas.
E nunca disse a ninguém que era cantor?
É engraçado, porque um dia estava a fazer um trabalho para a câmara e houve uma colega que, do nada, me perguntou se eu gostava de cinema. Eu disse-lhe que sim e ela convidou-me para entrar num filme. Disse-me que eu era a pessoa certa.
Que filme era?
Era uma curta-metragem independente chamada ‘Henry & Sunny’, mas que ganhou vários prémios e se tornou num filme de culto. Chegou a ser exibido no Fantasporto. O realizador, que se chama Fergal Rock, está neste momento a fazer uma longa--metragem num dos grandes estúdios de Hollywood.
E nesse filme qual era o seu papel?
Era o papel principal, curiosamente de um palhaço desempregado que é ostracizado. É um filme muito engraçado. É uma tragicomédia em que eu, o palhaço, me apaixono por uma grande atriz. Foi nessa altura que eu abri pela primeira vez o livro e disse quem era. Eles foram ao Google à minha procura e ficaram surpreendidos com o que encontraram. Chegaram ao pé de mim e perguntaram-me o que é que eu estava ali a fazer.
E o que é que Paulo lhe respondeu?
Disse-lhes que estava a tentar fazer alguma coisa pela vida (risos). A verdade é que depois daquele episódio eu não pude negar mais quem era. E os convites para cantar por lá começaram a chegar.
Regressou a Portugal em abril. Qual foi a primeira coisa que fez?
Foi ir a Alfama e ao Sr. Vinho. Nem podia ser de outra maneira, até porque tenho um enorme carinho pela Maria da Fé [proprietária do Sr. Vinho]. Queria ver o que se estava a passar e rever muitas pessoas.
E como é que foi recebido?
Com um enorme carinho. Houve pessoas que nem reconheci logo e que me trataram muito bem. Não notei qualquer cinismo. Acho que foi tudo muito genuíno.
E já conseguiu formar opinião sobre o que se está a passar no fado?
Sim. Acho que se estão a fazer coisas muito interessantes. O que me apetece dizer dizer é: ‘Abram, abram, continuem a desbravar’. Acho que finalmente estão a cair certos preconceitos que não tinham razão de existir.
E o Paulo foi bem vítima deles!
Sim, pois fui. Eu levei com tudo em cima, ou porque metia instrumentos que não devia ou porque cantava descalço. De lá para cá quantos já apareceram a cantar descalços?
Durante muito tempo, o Paulo foi uma espécie de mal-amado do fado!
Eu nunca me senti mal-amado. Eu entrava numa casa de fados e toda a gente me pedia logo para cantar. Eu até me senti enquadrado. Diretamente, nunca ninguém me apontou o dedo. Hoje, à distância, claro que tenho de reconhecer que ousei fazer algumas coisas para as quais as pessoas não estavam preparadas. Tive de levar com a fatura. Mas tudo bem. Não guardo ressentimentos de ninguém. E mesmo que guardasse, estou numa fase da minha vida em que não quero perder tempo com isso. A vida é muito curta.
Regressando agora, depois de um período de ausência, não sente que vai ter de começar do zero?
Não. Não sinto isso. Eu tenho uma capacidade de adaptação muito forte. Depois de tudo o que passei, não posso temer nada. Há pessoas que têm talento, mas não têm estofo para isto, inclusive para estarem expostas às críticas. Esta vida não é só chegar ao palco, cantar e levar com as palminhas. Eu só tenho pena do que virá daqui a 100 anos. A isso é que eu já não vou poder assistir porque já não vou cá estar (risos).
O que é que espera que venha a acontecer consigo agora?
Nada de especial, a sério! Estou a preparar um novo disco, desde há quatro anos a esta parte com o Carlos Maria Trindade, que é uma pessoa com quem eu trabalho desde os anos 90. A única coisa que eu quero é ter a oportunidade de poder mostrar este disco. Para já, as coisas estão a acontecer e desde que vim já fiz vários espetáculos. No festival Bons Sons, onde cantei em agosto, acabei o concerto com crianças à minha espera para me pedirem autógrafos. Eram crianças entre os oito e os doze anos, com fotografias e com livros onde aparecia e que eu nem conhecia. Fiquei tão orgulhoso que me caiu tudo (risos). Aquilo valeu por qualquer cachet. Foi o meu maior prémio em muito tempo.
E que disco é esse que vem aí?
É um disco de originais que faz um pouco o resumo daquilo que foi a minha carreira. É o fechar de um ciclo e o abrir de outro. Claro que é um disco de fado, mas há outras coisas. Há uma espécie de triângulo Lisboa-Dublin-Istambul.
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