‘A procura’ é título do novo disco do músico, um registo em que se busca aquilo que afinal nunca se quer encontrar...
Músico está de regresso aos discos de originais com um registo mais intimista onde se expõe sem na verdade revelar muito sobre si. O pretexto para uma conversa sobre motivações, paciência, encantos e desencantos. "Não quero que as pessoas esperem nada de mim", diz. Quando editou ‘Do Princípio’, em 2014, dizia que esse disco era mais leve e mais irónico do que os anteriores. Agora parece que está de volta à escrita mais íntima e pessoal. O que é que se passou nestes últimos três anos na vida do Tiago Bettencourt?
[risos] Epá, sei lá! Passou-se tanta coisa. É verdade que este disco tem muito de mim mas, quando escrevo, eu procuro sempre que as letras sejam suficientemente vagas ou permeáveis.
Permeáveis porquê?
Porque acho que o mais importante não é tanto o que eu conto, mas mais o que as pessoas podem tirar dali. Estas canções, por exemplo, foram escritas em alturas diferentes, partindo sempre de pontos-chave, quer da minha própria vida, quer da vida de outras pessoas, mas a maneira como eu escrevo acho que é pouco importante para o caso. As coisas saem como têm que sair na altura e depois cada um faz a sua leitura.
Mas quando refere esses pontos- -chave, que por vezes partem da sua vida, é confortável para si essa exposição?
Eu acho que qualquer autor de expressão acaba sempre por se expor um pouco e por levar alguma coisa da sua vida para a sua arte. As mi nhas músicas também são um pouco assim. O princípio é sempre muito pessoal, mas a continuação da letra e mesmo o seu final acaba por seguir outros caminhos. Às vezes acontece que já nem sei o que motivou o arranque daquela canção, sendo eu apenas alguém que está a interpretar um poema. Ou seja, acaba por ser tudo tão vago que os outros nunca ficam a saber muita coisa sobre o seu autor. E depois quando eu canto uma canção nunca o faço da mesma maneira.
E uma vez que este processo de escrita parte de uma base pessoal, ele acontece em regime de solidão e isolamento ou facilmente o Tiago Bettencourt consegue escrever em qualquer lado?
Eu sinto que cada vez mais tenho a necessidade de me concentrar. Como há tanta coisa para fazer, desde ver um filme ou ler um livro até estar com amigos, sinto muito essa necessidade de concentração. Em casa, por exemplo, tenho de ter uma disciplina mais rigorosa. Às vezes, porque não temos horários para cumprir, deixamos as coisas para depois.
E é fácil estar ali parado a olhar para um papel em branco, à espera que surja alguma coisa?
Eu não tenho medo de escrever coisas que sei que vou apagar ou que vou editar e reescrever algum tempo mais tarde. Mas eu gosto muito de escrever, até porque, quando nos predispomos, geralmente aparece sempre alguma coisa.
É de deitar muita escrita fora?
Sim, até porque sou uma pessoa cada vez mais autocrítica e exigente comigo.
Um dos temas marcantes destes disco é o ‘Fogo no Jardim’, que é quase uma canção de intervenção que fala desta violência cobarde a que assistimos quase diariamente. Sente que um músico deve manifestavar-se?
Eu acho que depende da sensibilida-de de cada um. Eu, por exemplo, sempre fui muito sensível a estes assuntos. Não gosto de me cingir a histórias de ficção, porque a realidade está à frente dos nossos olhos. Há tanta coisa a acontecer. Essa música fala de reação, do ‘e agora o que é que vamos fazer?’. E essa é uma pergunta que me faço a mim mesmo constantemente.
O que é que se ‘Procura’ ao final de seis discos a solo?
Acima de tudo, procuro não ficar parado, não estagnar e não percorrer caminhos que já percorri, sempre tentando manter a minha identidade. Eu gosto muito de chegar ao final de uma canção e perceber que ela me soa a algo diferente daquilo que já fiz. E esse sim, é um percurso muito pessoal, mas muito influenciado por aquilo que se passa à minha volta. Em Portugal há muito aquela ideia de sermos originais e eu sou muito a favor dela e desta coisa de termos um som nacional, ou seja, de um estrangeiro poder vir cá e perceber que não temos bandas que andam a tentar copiar o que se faz lá fora. E este é um compromisso que eu tenho comigo.
Este disco chega com algumas inspirações dos anos 80. Todo o seu conceito é muito virado para aquelas memórias que nós temos, não só da sonoridade da época, mas também de objetos que fizeram parte de uma geração como o walkman ou a polaroid. Mas a verdade é que o próprio disco como objeto também ele está obsoleto!
Não sei. Eu, como artista e compositor, recuso-me a acreditar que o disco alguma vez possa deixar de existir. Eu acredito que ainda há quem procure por ele, quanto mais não seja naquela base do ‘deixa lá ver o que é que este anda a fazer!’. Eu acho que vai sempre haver espaço para o álbum como um todo. Eu ainda gosto muito de comprar discos porque também cresci a fazê-lo.
Mas tudo isto é muito irónico. Cada vez se grava com melhor qualidade, mas depois o público insiste em trazer a música no iphone, altamente comprimida. Isto não é frustrante para quem grava?
Frustrante é, mas eu tenho a esperança que os miúdos voltem a querer ouvir a música com qualidade. Eu acho que um dia vai acontecer alguma coisa, como aconteceu nos anos 80. Aquilo já estava tudo tão piroso que teve de aparecer um Kurt Cobain para levar as coisas para um lado mais emocional [risos].
Dizia no ano passado que a pop está cada vez mais pop, cheia de clichés. Compensa remar contra a maré e fugir de modas?
Eu acho que sim, mesmo que às vezes demore. Eu tenho muitas músicas que as pessoas só repararem passado muito tempo. Mas acho que é particularmente interessante romper com fórmulas e modas. A recompensa pode não ser imediata, mas mais tarde ou mais cedo as pessoas vão reparar. E eu também acho que as coisas que demoram mais tempo, crescem depois de forma mais sólida. Eu já estive do outro lado. Lembro-me que quando estávamos lá em cima com os Toranja que eu não estava a gostar daquilo.
Ou seja, é melhor correr por fora do que no centro da pista!
Eu acho que sim. É mais excitante. Claro que há muita gente que te passa à frente, porque há muita música sem qualidade a tocar, mas é uma opção. Ainda assim, eu também não sou o artista mais alternativo que existe. Eu até acho que estou ali num meio termo. Eu tanto faço o S. Luiz como a latada em Coimbra.
Mas desilude-o o panorama da música atual?
Irritam-me sobretudo algumas fórmulas e o sucesso de pessoas pouco talentosas.
Mas depois isso também é muito mais efémero!
Temos que acreditar que sim [risos] e por isso temos que deixar andar. É uma luta constante.
Está a completar dez anos de carreira a solo. Tendo em conta que quem se lança a solo procura o reconhecimento da personalidade artística, acha que já o conseguiu?
Não me cabe a mim dizer isso, mas este é mais do que um trabalho a solo. Este é um trabalho conjunto e há muita gente a vestir a camisola.
Mas sente que tem uma escrita e uma sonoridade facilmente identificável, daquelas que ao primeiro acorde já dizemos ‘isto é Tiago Bettencourt’?
Eu espero que sim e, ao mesmo tempo, espero que não [risos]. Eu quero ter a liberdade de lançar um disco como este que lancei agora. Não quero que as pessoas esperem nada de mim. É por isso que eu adoro o Beck, porque ele consegue sempre surpreender. l
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