Durante um mês, a RTP moderou-se na informação sobre o caso Pedro Dias. Ah!, o "serviço público" não entrega o noticiário a crimes de sangue, mesmo que apaixonem a opinião pública. Era a ideia geral e muito aceitável. Mas chega o dia em que a advogada do suspeito telefona a Sandra Felgueiras para a entrega em directo na RTP, como num "reality show". Ah!, se formos nós não é "sensacionalismo"! Chamamos- -lhe "serviço público", como disse Felgueiras! "Serviço público" é o que a gente diz que é! E dali em diante a informação do "serviço público" foi um vendaval de Pedro Dias.
O directo ajudou a consumar a derrota das polícias, que falharam a operação de captura. A iniciativa coube ao suspeito e seus advogados. Estes, servindo bem o cliente, organizaram o acto com operação mediática. Mas inventaram um drama. A advogada disse que Felgueiras e o cameraman "asseguraram a segurança da operação" e cuspiu nas polícias, dizendo que o suspeito, ela e o marido advogado podiam ser chacinados a tiro se a entrega se fizesse sem a TV. Ora aqui está uma bela definição de "serviço público": salva-vidas.
A presença da RTP permitiu ao suspeito a sua versão, o que é legítimo, para ele e para o media. Anda a opinião pública em "despresunção" de inocência, achando que Dias matou? A RTP devolve-lhe a presunção com presuntos informativos a semana toda.
No jornalismo, os casos de crimes tratam-se como quaisquer outros: o pluralismo obtém-se pela pluralidade de informação e pontos de vista. Coube ao operador do Estado dar a voz ao suspeito. Os advogados escolheram Felgueiras, jornalista experiente com conhecimento prático da cobertura de foragidos ou suspeitos de crimes. Curiosamente, ela não fez perguntas essenciais a Dias, como se viu. Mas isso que interessa? Os acérrimos defensores da RTP exultaram com o furo jornalístico, mesmo que antes achassem os outros media "sensacionalistas".
Na entrega, Felgueiras referiu-se ao "momento histórico na TV portuguesa", uma hipérbole por ser a primeira em directo na TV, mas principalmente um auto-elogio que não mais parou na RTP.
A polícia vingou-se do "entrega show" dos advogados e de Dias fazendo-o entrar no Tribunal da Guarda pela porta da frente, para que, antes da diligência à porta fechada, fosse sujeito ao julgamento da praça pública na TV: "Assassino!", gritou-se na praça.
Depois, a polícia afastou-o do âmbito regional e fechou-o numa prisão na capital. Como quem diz: é um caso nacional da lei nacional.
Os advogados conimbricenses, quando quiserem falar com o cliente, terão de andar mais; mas Pedro Dias sempre fica mais perto da RTP.
Da espiral do silêncio à da surdez
Aconteceu nas sondagens: os trumpistas recearam dizer o seu voto aos entrevistadores, mas disseram-no nas sondagens online do ‘Los Angeles Times’, que acertaram. Entretanto, a minoria continua mais faladora por pensar que é ainda maioritária. A espiral da surdez é o que chamo ao fenómeno já tão comentado depois da eleição: os media americanos foram surdos à expressão do número crescente de eleitores que Donald Trump ia reunindo e não lhe deram voz.
Vários media já fizeram mea culpa. Pudera. Apresentaram a campanha de Hillary Clinton como um passeio até à Casa Branca. Enganaram os seus públicos. Mas estes fizeram o que lhes deu na real gana. Adeus, teoria da grande influência dos media.
Como subir durante um ano nas sondagens
Tácticas de comunicação do governo: põe verbas baixas no orçamento sabendo que as pode aumentar, para depois animar a malta; inventa que sobem verbas que descem, como na Educação, porque a primeira notícia tem mais impacto; Costa mete-se em alhadas, como a da CGD, mas depois esconde-se para não falar delas ou finge que não são com ele.
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt
Também me chocou que no Fundão tivessem visto a divulgação do caso como um "ataque" ao povo
Em Gouveia e Melo pressente-se a irascibilidade, a falta de preparação mínima, os acessos de cólera.
A ideologia do ofendidismo woke contribuiu para abalar a reputação do jornalismo, de todo ele.
Noutros tempos, falava-se e vivia-se politicamente com um leque amplo de conceitos; passámos a dois.
Mercantilização de debates é lamentável por parte da SIC e TVI, mas é repugnante no caso da RTP.
Eu tinha 15 anos quando li a 6 de janeiro de 1973 a primeira edição do 'Expresso'.