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Eduardo Cintra Torres

Eduardo Cintra Torres

Ou audiências ou interesse público

20 de novembro de 2016 às 00:30

A entrevista ao presidente sírio por Paulo Dentinho, director de Informação da RTP, é um exclusivo num patamar diferente do "momento histórico" de Sandra Felgueiras no "entrega show" de Pedro Dias, preparado pelos advogados do suspeito para humilhar o director nacional da PJ e as polícias, e para permitir ao seu cliente "ganhar" o "reality show" antes de entrar na casa dos segredos de Monsanto. Ao contrário da entrevista fofinha de Felgueiras a Pedro Dias, Dentinho fez a Assad perguntas difíceis — isto é, necessárias — e de actualidade. A entrevista teve, por isso, repercussão internacional.

Este trabalho resulta da experiência profissional, que é, na RTP, insubstituível no Médio Oriente. Tem, todavia, algo de estranho, pois a RTP não faz trabalhos destes noutras partes do mundo. Nem a redacção nem os seus poucos correspondentes fazem entrevistas semelhantes, o que cria um desequilíbrio informativo: porque raio é Assad entrevistado duas vezes em dois anos e não se ouve outros actores da cena mundial? É por não haver o mesmo empenho, especialização e criação duma rede de contactos e porque o maior interesse dos próprios jornalistas é arranjarem "exclusivos" dentro de portas, como o "momento histórico" de Felgueiras, que dão mais audiências. É a diferença entre trabalhar pelo interesse público e trabalhar para obter notoriedade. O resultado vê-se: enquanto Felgueiras obteve os elogios duma corte de admiradores, as referências à entrevista de Dentinho ou foram feitas pela própria RTP ou em media de impacto mundial, com silêncio cá na santa terrinha.

Há duas RTPs, funcionando em esquizofrenia: a que busca audiências em prejuízo do interesse público; e a que, contra a tendência imposta pela administração, procura que a RTP cumpra o mandato que o Estado lhe impôs, raramente cumprido. Na Informação, nota-se este esforço, com os jornais da RTP 1 e 2 mais afastados da "agenda" fixada nas audiências e com maior à-vontade nas notícias, libertas do medo do poder político; nos programas, nota-se na RTP 2 procurando transmitir programas de interesse público, enquanto a RTP 1 vive em 1990, obcecada com as audiências. Fernando Mendes, o simpático apresentador do concurso publicitário ‘Preço Certo’, disse há dias que recebe incentivos das direcções de informação e de programas — não por ser o programa de interesse público, que não é, mas por alavancar a audiência do Telejornal. Os fins justificam os meios, a audiência justifica um programa de publicidade encapotada. Depois, aquelas cabeças são capazes de acusar os políticos de maquiavelismo, mas a atitude moral é a mesma

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A ver vamos: "Cachas Jornalísticas" - Comentadores não declaram interesses 

António Lobo Xavier, advogado, administrador, político e comentador, revelou na ‘Quadratura do Círculo’ (SICN) que o governo se comprometeu por escrito com os administradores da Caixa em aceitar que não tivessem de cumprir a lei que os obriga a entregar declarações de património.

Sublinho dois aspectos. Primeiro, aconteceu de novo uma importante informação ser revelada por um comentador, sem que tivesse sido noticiada por jornalistas. Foi mais uma "cacha jornalística" dada em primeira mão por um não jornalista. Significa que as fontes preferem usar pessoas de confiança com espaços de comentário destacados na televisão.

Segundo, Xavier atirou o ónus da culpa, correctamente, para o governo, mas a revelação não o fez alterar a posição, continuando, tal como JM Júdice na TVI 24, a defender a opacidade do encobrimento das declarações de património. E, claro, essa parte do assunto não a revelam: eles lá sabem porquê, mas nós ficamos sem saber.

Já agora: Entrevistar sem serem "sempre os mesmos"

Vítor Gonçalves entrevistou o repórter fotográfico João Pina (‘Grande Entrevista’, RTP). Valeu a pena saltar fora da lista de "sempre os mesmos" entrevistados na TV, como os ministros, que lá costuma levar. Conduziu muito bem a entrevista, permitindo conhecer o seu trabalho e entender o que distingue as grandes das fotografias comuns.

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