page view
J. Rentes de Carvalho

J. Rentes de Carvalho

Jornalista

O defunto sem ceroulas

26 de agosto de 2016 às 01:45

Gozando o fresco da noite, falamos dos incêndios, de doenças, passamentos, a falta de água. A conversa esmorece, e então o Pimenta, com intenção igual à de quem espevita as brasas da lareira, anuncia que quando falecer quer que o embrulhem num lençol, acha burlesco ir o defunto aperaltado, de gravata, camisa de seda, calças vincadas, sapatos a brilhar.

- Alguém sabe se também lhes vestem roupa interior?

Há sorrisos acanhados. Um diz que com certeza não, seria ridículo, outro pensa que sim, acha decente, é então que alguém recorda a Guida Raposeira que Deus tenha.

A devoção dessa boa alma era lavar os mortos e vesti-los a preceito, até ao dia em que a funerária quis para si o serviço e o pagamento. Desapontada, arranjou vingança: oferecia–se para fechar a capela depois do velório, e a sós com o defunto, inspecionava-lhe a roupa.

Dali a pouco corria o boato: estes tinham vestido à mãe uma saia rota, a tia daqueles ia sem meias, o pai dos outros nem sapatos levava, mas uns chinelos, o Bernardo ia sem ceroulas.

Durou pouco o alívio quando ela própria faleceu, porque a curiosidade ficou e os boatos não param.

Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?

Envie para geral@cmjornal.pt

Logo CM

Newsletter - Exclusivos

As suas notícias acompanhadas ao detalhe.

Boa notícia

Um vasto número de portugueses, embora consiga ler um texto, tem dificuldade de interpretá-lo.

Mais Lidas

Ouça a Correio da Manhã Rádio nas frequências - Lisboa 90.4 // Porto 94.8