Maria de Lurdes Fonseca, vice-presidente da Associação Portuguesa de Homofílicos, quer que a ex-ministra da Saúde e os restantes dez arguidos do processo do sangue contaminado com o vírus da sida sejam julgados. Assegura que não está nesta luta por dinheiro e que não vai desistir enquanto não se fizer justiça.
- Correio da Manhã - Com a decisão do Supremo de Tribunal de Justiça, acabaram as hipóteses de Leonor Beleza e os restantes dez arguidos irem a julgamento?
Maria de Lurdes Fonseca - Não. Há dois familiares das vítimas contaminadas com o vírus da sida, por causa do factor VIII proveniente do laboratório austríaco Plasmapharm Sera - lote 810536 - que vão continuar a clamar por justiça e que contam com o total apoio da Associação Portuguesa de Hemofílicos.
- Em 14 de Março de 1997, o juiz do Tribunal de Instrução Criminal Paulo Pinto de Albuquerque escreveu que o processo estava prescrito...
- ...nós entendemos que o processo dos hemofílicos só prescreve em 2007, tal como sustentou a dr.ª Maria José Morgado no recurso para o Supremo, dado que houveram interrupções que não foram contadas. Refiro-me ao tempo - quase dois anos - em que o processo esteve parado no Tribunal Constitucional. Tal como a dr.ª Maria José Morgado, nós também entendemos que esse tempo não devia contar. E se somarmos todas as suspensões, chegamos a 2007.
- Há quanto tempo está na luta para que, segundo diz, se faça justiça com o processo dos hemofílicos?
- Desde 1986. No entanto, só apresentámos queixa no DIAP em 1992. De 86 a 92 não tivemos meios para avançar. E não queríamos que ninguém soubesse quem eram os infectados, dado que se isso fosse tornado público teria consequências terríveis para as pessoas. Optámos, então, por fazer trabalho de gabinete para resolver a situação.
- Quando é souberam que os produtos derivados do sangue do laboratório Plasmapharma Sera não estavam em condições de ser utilizados?
- Foi em 1986, através de uma publicação da Associação Austríaca de Farmácias. Nessa publicação, o Ministério da Saúde Austríaco fez uma vistoria a esse laboratório e encontrou derivados do plasma infectados com o vírus da hepatite B e outros lotes com excesso de pirogénios. Alertámos imediatamente a, na altura, ministra da Saúde, Leonor Beleza.
- Que resposta tiveram?
- Disseram-nos para conseguirmos o despacho autenticado do Ministério da Saúde Austríaco. E que se o conseguissemos não voltariam a adquirir produtos derivados do plasma desse laboratório. Conseguimos esse despacho, devidamente autenticado, antes da segunda adjudicação, em 1987. Mesmo assim, a dr.ª Leonor Beleza não nos deu qualquer importância e o Ministério da Saúde continuou a comprar produtos à Plasmapharm Sera. E um desses produtos era o Factor VIII, imprescindível para os hemofílicos.
- Foi o só o Ministério da Saúde da Áustria que desconfiava desse laboratório?
- Não, temos um documento da Federação Mundial de Hemofilia onde está escrito que desconfiavam de um laboratório austríaco que mais tarde ser confirmou ser o Plasmopharm Sera. Até a Associação Austríaca de Hemofílicos declarou que os seus doentes não usavam o factor VIII desse laboratório. E informámos a dr.ª Leonor Beleza de tudo isto. Mesmo com estes documentos, o Ministério da Saúde continuou a importar o Factor VIII desse laboratório.
- O passo seguinte foi...
-... mandar-mos fazer análises cegas, na Áustria, a um dos lotes do Factor VIII, concretamente o n.º 81 05 36. E em Novembro de 1986, um instituto estatal da Áustria responde-nos que o Factor VIII, que estava a ser utilizado em Portugal, tinha anticorpos do vírus da SIDA. Informámos logo a drª Leonor Beleza. Mesmo assim, o Factor VIII desse lote continuou a ser utilizado até se esgotar - eram para vir 1500 frascos, mas só chegaram 500 a Portugal - em 1987. Não foi retirado dos hospitais.
- Tem a certeza de que a dr.ª Leonor Beleza soube dos resultados das análises feitas na Áustria?
- Tenho a certeza absoluta. Prova disso é que, no dia 12 de Novembro enviámos-lhe um telefax. E, nos autos, esse telefax aparece com uma anotação da dr.ª Leonor Beleza, na qual diz: "Pedir à minha mãe que me informe sobre o que se passa." Esta nota tem a data de 19 de Dezembro. Na altura a mãe da Ministra da Saúde, dr.ª Maria dos Prazeres Beleza, exercia o cargo de Secretária Geral do Ministério da Saúde. Curiosamente, a dr.ª Leonor Beleza, em Tribunal, afirmou que não se lembrava de nada do que escreveu. Já a mãe, que à data estava a acompanhar o assunto, veio dizer, também no tribunal o seguinte: "Esses pedidos sucederam-se no tempo com grande frequência, sempre juntando a APH novos elementos (...) por outro lado, nunca houve insistências telefónicas que acompanhassem os pedidos escritos de modo a que a respondente fosse forçada a marcar a dita reunião."
- Os 500 frascos que mencionou foram parar a que unidades de Saúde?
- Ao Hospital de São José, mas é muito provável que o lote 81 05 36 fosse disponibilizado a outros hospitais.
- Quantos hemofílicos foram tratados com esse lote contaminado com anticorpos do vírus da sida?
- 35 pessoas foram identificadas no despacho da acusação.
- Quantos já morreram?
- Sei que 23 já faleceram, por causa do vírus da sida. A maioria com idades compreendidas entre os 18 e os 30/35 anos. Temos os certificados de óbito dessas mortes, onde está escrito que morreram por causa do vírus da SIDA. A drª Leonor Beleza é responsável pela morte de 23 pessoas e não lhe aconteceu nada. Ela não deu ouvidos aos nossos avisos. Ela tem mesmo de ser responsabilizada por essas mortes. E os outros 12 têm morte anunciada.
- Em 1986 não havia legislação que obrigava os lotes do Factor VIII a serem acompanhados por um certificado do país origem que atestava que estivessem em condições?
- O lote 81 05 36 entrou em Portugal na vigência desse despacho. Mas a verdade é que foi utilizado, sem ter esse certificado.
- Que pretende a Associação Portuguesa de Hemofílicos com esta luta?
- Apenas justiça. Não queremos dinheiro. Os 35 hemofílicos contaminados com o vírus da sida já foram indemnizados pelo estado, com 12 mil contos cada um, através de um Tribunal Arbitral que nos custou muito a conseguir. Infelizmente, a dr.ª Leonor Beleza tem contado com a influência dos políticos. Até de Mário Soares. Mas ela há-de ir a julgamento. Nem que seja no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Nome - Maria de Lurdes do Nascimento Ferreira Felício da Fonseca.
Data de nascimento - 28/6/36
Naturalidade - Lisboa
Estado civil - Casada
Percurso profissional - Funcionária dos CTT, actualmente em licença sem vencimento. Vice-presidente da Associação Portuguesa de hemofílicos desde 1979.
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