Tosse persistente, cansaço e falta de ar podem ser sinais de fibrose pulmonar, uma doença respiratória progressiva que, por ser discreta, muitas vezes é confundida com o envelhecimento.
08 de setembro de 2025 às 13:01Durante anos, António Campos sentiu-se bem. Levava uma vida ativa, trabalhava na banca, criou a sua própria empresa, vivia em Lisboa. Nada parecia indicar que o seu sistema respiratório estivesse a sofrer alterações silenciosas. Foi só aos 80 anos que começou a desconfiar de que algo não estava bem. “Comecei a cansar-me com facilidade. Subir escadas, fazer a cama, tarefas simples, deixavam-me ofegante. Pensei que fosse normal para a idade”, recorda.
Mas numa consulta com o pneumologista Dr. Luís Carreto, em março de 2023, foi-lhe detetado uma forma de doença pulmonar caracterizada pela destruição extensa e progressiva dos alvéolos. O processo foi encaminhado para o Hospital Pulido Valente, onde ficou sob os cuidados da equipa da Dr.ª Rita Pinto Basto. “Têm-me acompanhado com enorme atenção: a doutora, os enfermeiros, os terapeutas. Não tenho nada a apontar, só a agradecer.”
A suspeita de que algo não estava bem remontava, na verdade, a um episódio ocorrido há cerca de 40 anos, quando António foi infetado com uma bactéria associada a ar condicionado mal higienizado. “Foi classificado como febre legionária. A infeção foi ultrapassada, mas deixou marca nos pulmões. Não senti mais nada durante anos, mas a verdade é que a doença estava a evoluir, muito devagarinho, sem avisar.”
A fibrose pulmonar é o nome dado a um grupo de doenças que provocam inflamação e cicatrização nos pulmões, especialmente na zona dos alvéolos, as pequenas estruturas nas quais ocorre a troca de oxigénio com o sangue. Com o tempo, este tecido cicatricial compromete a elasticidade pulmonar e dificulta a oxigenação.
O Dr. Nelson Serrano Marçal, secretário da Comissão de Trabalho de Doenças do Interstício da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), compara a evolução da doença a uma esponja esquecida ao sol, em que os pequeninos buracos são os alvéolos: “Quando está nova, espreme-se e absorve a água com facilidade. Mas se secar, torna-se dura e deixa de cumprir a sua função. O mesmo acontece com os pulmões afetados pela fibrose.”
Tosse seca e persistente, cansaço constante e falta de ar com esforço são os principais sinais de alerta. Mas, por serem sintomas pouco específicos, são frequentemente ignorados, confundidos com outras doenças respiratórias, ou simplesmente atribuídos ao envelhecimento.
Segundo o Dr. Nelson Serrano Marçal, esta é uma das razões pelas quais muitos diagnósticos são feitos tardiamente. “Estas são doenças crónicas, de instalação lenta sendo mais fácil para as pessoas adaptarem-se às suas limitações: evitam escadas, deixam de fazer caminhadas, mudam rotinas. Há uma tendência, quer nos doentes quer nos seus familiares, de considerarem que todas as limitações ao esforço se devem à idade.”
Estas manifestações podem também ser confundidas com outras doenças respiratórias mais comuns, como a DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica) ou a asma. A DPOC caracteriza-se por uma obstrução persistente das vias respiratórias, frequentemente ligada ao tabagismo, e partilha vários sintomas com a fibrose pulmonar, o que contribui para atrasos no diagnóstico correto.
Além disso, o processo de confirmação da doença pode ser complexo e exigir vários exames complementares, incluindo TAC torácica, provas de função respiratória, broncoscopia e análises laboratoriais. “É preciso reunir um conjunto de dados para se chegar a um diagnóstico definitivo, porque há muitas causas possíveis para a fibrose pulmonar.”
Hoje, graças aos avanços da medicina, é possível diagnosticar com mais precisão e mais cedo. Exames como a TAC de alta resolução, provas de função respiratória ou broncoscopia permitem detetar a presença de fibrose e distinguir entre os vários tipos. Além disso, tecnologias mais recentes, como a criobiopsia, permitem recolher amostras de tecido pulmonar de forma menos invasiva, sem recurso a cirurgia.
O Dr. Nelson Serrano Marçal destaca ainda a importância da anamnese, que consiste numa entrevista clínica aprofundada sobre o historial de saúde do doente, hábitos, ambiente familiar e laboral. “Apesar de todos os exames, ouvir o doente com atenção e fazer as perguntas certas continua a ser um dos pilares mais importantes do diagnóstico.”
No caso de António, a identificação da doença permitiu iniciar uma terapêutica que ajuda a estabilizar o quadro clínico. Faz parte da sua rotina diária um conjunto de cuidados que inclui um medicamento antifibrótico, um broncodilatador e um dispositivo que administra oxigénio suplementar, facilitando a oxigenação dos alvéolos e aliviando o esforço respiratório. “Tenho de parar mais vezes, respirar com ajuda de oxigénio, mas continuo a cuidar da casa, do jardim. Não desisti da minha vida”, partilha.
O especialista reforça que os tratamentos atuais permitem abrandar a progressão da doença, melhorar a qualidade de vida e ganhar tempo e salienta a importância do diagnóstico precoce, de modo que a intervenção médica “possa ser exercida mais cedo e, dessa forma, conseguir minorar a perda irrecuperável de qualidade de vida e aumentar a sobrevivência dos doentes afetados."
Embora nem sempre seja possível identificar uma causa exata para a fibrose pulmonar, existem fatores de risco bem conhecidos. O mais comum é o tabaco, um hábito que António manteve durante anos. “Só deixei de fumar há 12 anos. E mesmo assim, já era tarde.” O especialista confirma: “O curso da doença tende a ser mais agressivo em fumadores. Parar de fumar é uma das medidas mais importantes, assim como lutar para que as futuras gerações se vejam livres do tabaco e de todos os malefícios que este acarreta.”
Outros fatores incluem a exposição a poeiras e partículas inaladas (como em fábricas, minas ou oficinas), humidades em casa, bolores, banhos turcos (saunas a vapor), criação de pombos, uso prolongado de certos medicamentos e doenças autoimunes como o lúpus ou a artrite reumatoide. Existem também casos associados a predisposição genética, com mais do que um elemento da mesma família afetado.
E ao contrário do que se poderia pensar, a doença afeta homens e mulheres de forma semelhante. Embora a maioria dos casos ocorra em pessoas com mais de 60 anos, pode surgir em idades mais jovens, sobretudo em contextos genéticos. O médico salienta ainda que a utilização de equipamento de proteção individual (EPI) em ambientes laborais tem vindo a reduzir as exposições de risco, mas ainda há caminho a percorrer.
A mensagem principal é simples e clara: não ignore sintomas que se arrastam no tempo. “A tosse crónica e a falta de ar com esforço não são manifestações normais do envelhecimento”, sublinha o Dr. Nelson Serrano Marçal. “Devem motivar uma avaliação médica e, se necessário, um rastreio especializado.”
A prevenção passa também por estilos de vida saudáveis: não fumar, praticar exercício físico, dormir bem, manter uma alimentação equilibrada, reduzir o stress, cuidar do ambiente onde se vive e trabalha, e manter relações interpessoais positivas. “São escolhas que fazem diferença.”
António, com a sua história, é o exemplo disso mesmo: “Quem fuma, pare. Quem sente sintomas, vá a um pneumologista. Quanto mais cedo se agir, mais hipóteses há de travar a doença.”
• Tosse seca persistente (mais de oito semanas)
• Falta de ar com esforço (mesmo em tarefas simples)
• Cansaço constante sem explicação
• Sensação de aperto no peito
• Fumo do tabaco (atual ou passado)
• Exposição a poeiras, bolores ou humidade
• Trabalhos em fábricas, minas ou oficinas
• Doenças autoimunes (ex: lúpus, artrite reumatoide)
• Histórico familiar de fibrose pulmonar
• Uso prolongado de certos medicamentos (ex: quimioterapia, antibióticos, antiarrítmicos)
• Criação de pombos, banhos turcos, ambientes com má ventilação
A campanha nacional “Os sintomas estão à vista de todos. Identifique-os”, promovida pela Sociedade Portuguesa de Pneumologia, Fundação Portuguesa do Pulmão, do Grupo de Estudos de Doenças Respiratórias da APMGF e Associação Respira, com o apoio da Boehringer Ingelheim, tem como objetivo alertar para esta doença silenciosa que, com o diagnóstico precoce, pode ser travada.
Se sente algum destes sintomas ou tem fatores de risco, fale com o seu médico. Ouvir o corpo pode mesmo salvar a respiração.