Modelos chineses de IA ganham quota global apesar das tensões com os EUA
Percentagem de modelos chineses em aplicações de IA a nível mundial passou de 1 para 30% desde o início deste ano.
Programadores e empreendedores estão a recorrer cada vez mais a modelos chineses de inteligência artificial (IA) em código aberto, preferindo-os a opções norte-americanas mais caras, num contexto de rivalidade tecnológica crescente entre Washington e Pequim.
Segundo um relatório publicado este mês pela plataforma OpenRouter e pela empresa de capital de risco Andreessen Horowitz, a quota dos modelos chineses em aplicações de IA a nível mundial disparou de 1,2%, no final de 2024, para mais de 30% em agosto deste ano.
A mudança foi impulsionada pela chegada do DeepSeek-R1, lançado em janeiro pela empresa chinesa DeepSeek, cujo desempenho se revelou comparável ao dos melhores modelos norte-americanos. Tal como outros LLM (modelos de linguagem de grande dimensão) chineses, o DeepSeek-R1 pode ser descarregado gratuitamente e modificado parcialmente (modelo "open weight"), ao contrário do GPT da OpenAI, base do ChatGPT, ou do Gemini da Google.
deep"A principal razão pela qual o mundo escolhe cada vez mais os modelos chineses é que são baratos, por vezes gratuitos, e funcionam bem", justificou Wang Wen, académico da Universidade Renmin, em Pequim, citado pela agência France Presse.
Um empresário norte-americano, citado sob anonimato, afirmou que conseguiu poupar 400 mil dólares (341 mil euros) por ano à sua empresa ao substituir modelos comerciais pelos modelos Qwen, desenvolvidos pelo gigante chinês Alibaba. "Se precisar da tecnologia mais avançada, recorro à OpenAI, à Anthropic ou à Google. Mas, para a maioria das aplicações, isso não é necessário", explicou.
Os modelos Qwen foram adotados por empresas como a Perplexity (concorrente da Google), Nvidia e Universidade de Stanford, entre outras. Já modelos chineses como o Z.ai (GLM), MiniMax ou o Kimi K2, da 'startup' Moonshot, também têm conseguido tração entre programadores internacionais. O último fez avanços relevantes no campo dos agentes autónomos, até agora uma das lacunas apontadas aos modelos chineses.
Apesar da vantagem de custo e flexibilidade, subsistem preocupações quanto à dependência de tecnologia chinesa num ambiente geopolítico tenso. "Dada a posição do Governo [norte-americano do Presidente Donald] Trump sobre empresas tecnológicas chinesas, não queremos apostar tudo num só modelo, porque, se houver sanções, podemos ficar encurralados", afirmou Mark Barton, diretor da consultora Omniux, que considera a possibilidade de vir a usar o Qwen em aplicações específicas.
Contudo, especialistas apontam que estas preocupações podem ser mitigadas. "A segurança dos dados não é um problema essencial, desde que as empresas executem os modelos nos seus próprios servidores, sem ligação à China", defendeu Paul Triolo, analista da DGA-Albright Stonebridge Group.
Uma investigação recente da Universidade de Stanford destacou que "a natureza aberta destes modelos permite um exame mais profundo da sua estrutura". Gao Fei, diretor tecnológico da plataforma BOK Health, reforçou: "A transparência e o espírito de partilha inerentes ao código aberto são as melhores formas de construir confiança".
Segundo os investigadores de Stanford, "a ampla adoção dos modelos chineses poderá redefinir o acesso à tecnologia e as interdependências globais", com impactos na "governação da IA, na segurança e na concorrência".
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