Em quatro dias, no incêndio que começou em Pedrógão Grande e que se estendeu a mais oito concelhos da região Centro do País morreram, pelo menos, 64 pessoas, 46 das quais na EN236-1, e mais de 250 ficaram feridas. Meio milhar de casas ficaram total ou parcialmente destruídas. Arderam 45979 hectares de floresta, o equivalente a quase 46 mil campos de futebol. Ainda estão por apurar as causas dessa espécie de "tremor de terra, antes do dia ficar noite" - como explicou uma das vítimas - que ceifou vidas, queimou bens e memórias e pôs a descoberto uma burocracia que insulta as vítimas e que nem o país, nem os poucos meios dos municípios envolvidos conseguiram ainda acelerar.
No dia do incêndio, Peter fugiu com a irmã e quatro cabras de Salaborda Velha onde vive há 13 anos. Peter e a mulher, Marion, perderam tudo. Só resta uma das empenas da casa, aquela onde numa placa homenagearam a avó do vizinho a quem compraram a casa, uma das três de habitação permanente das mais de vinte que ali existem. O casal tem pouco mais tem que a roupa do corpo. Do sonho de fazer um turismo rural, uma queijaria e de arranjar um rebanho de uma vintena de cabras, também para fazer a limpeza da floresta, resta o desânimo de quem já não se sente com forças para recomeçar de novo.
A casa da mãe de Amilcar, que vive num lar em Albergaria dos Doze, ficou sem o telhado. O madeireiro estava em casa de um vizinho e fechou-se lá dentro, enquanto o fogo passava. No Ramalho, enquanto o incêndio comia o telhado, o irmão dele pôs a cabeça dentro do congelador do frigorífico para aguentar a temperatura e conseguir respirar. "Vi gente com o lume a agarrar-se às camisas", conta o madeireiro que agora "anda a cortar madeira toda fucha e a chegar a casa todo negro". Quando já não houver árvores para cortar, terá de procurar trabalho noutro lado. Talvez volte a França, onde já trabalhou como serralheiro.
Quando as chamas desceram e comeram tudo, só estavam em casa Klaus e um dos filhos. Salvaram-se dentro da ribeira que passa no fundo do vale onde vivem. "Perdemos tudo, a casa, os carros com que chegamos a Portugal há 10 anos, mas temos de agradecer que ninguém morreu. Temos de dar graças a Deus", diz Dorit que a 17 de junho estava na Alemanha. Quando o incêndio acabou, Klaus plantou feijão assim que pôde. "Perguntei-me o que nascia mais depressa, queria que ela visse alguma coisa verde quando regressasse a casa." Dois dias antes, já se viam os rebentos.
Quando o fogo chegou a Souto Fundeiro, João Conceição Silva, a mulher e o filho tentaram salvar o que podiam, mas não conseguiram mais do que as batatas, as galinhas e as ovelhas. Na aflição para salvar os anexos da casa, João queimou as mãos e os braços até aos cotovelos. A mulher e o filho ainda continuam internados. "Até lhes disse que íamos morrer todos". O irmão dele organizou um peditório para juntar dinheiro para comprar uma lambreta igual àquela que perdeu no incêndio. Assim ele pode ir ver a família. "Eu pensava que entrava tudo no seguro da casa e, afinal, não. Agora dizem-me que, por enquanto, não há verbas para este tipo de coisas. Vai começar o inverno e não tenho onde arrecadar nada."
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