Se a diabolização étnico-religiosa por meio de placard estivesse em voga no século XVI, talvez os primeiros comerciantes portugueses que chegaram, em 1518, ao que é hoje o Bangladesh, tivessem dificuldade em instalar um posto comercial em Chittagong e, uns anos depois, ali erguer a primeira igreja dedicada a São João Batista.
Naquele tempo, os precursores daquilo que Luís Montenegro apelida, no século XXI, de “raça lusitana”, não ultrapassavam as duas mil e quinhentas almas. Um número irrisório entre a numerosa população nativa que, ainda assim, justificou a deslocação para o território dos missionários jesuítas Francisco Fernandes e Domingos de Sousa com o objetivo de espalhar a fé católica com a anuência do tolerante Akbar, o Grande.
A condescendência do imperador mogol foi tanta que, a seguir, chegaram os dominicanos e, no início do século XVII desembarcaram os franciscanos e a depois os frades da ordem de Santo Agostinho. Os budistas arakaneses terão achado um exagero a invasão de tanta gente de bem e partiram para a violência: num ataque de fúria pouco comum entre os seguidores de Sidarta Gautama, saquearam e incendiaram a igreja de São João Batista. Usaram o cálice sagrado do templo como escarradeira e, pior ainda, torturaram o padre Francisco e decapitaram 14 portugueses.
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A região nunca foi pacífica até à independência do Bangladesh, em 1971. Mas os católicos têm sido bem acolhidos pelos bengalis, tanto quanto um país com 85% de muçulmanos, num universo de quase 180 milhões de habitantes, consegue respeitar as minorias num mundo onde a intolerância floresce de forma global e os rohingyas estão longe de ser exceção.
As sementes do catolicismo, lançadas por Francisco Fernandes e Domingos de Sousa, permanecem até hoje no país que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) coloca na posição 130 do índice de desenvolvimento humano mundial, lado a lado com a vizinha Índia. Portugal está na 40ª posição do mesmo indicador.
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Apesar desta posição, que coloca o Bangladesh no lote dos países de desenvolvimento humano médio, os registos recentes indicam avanços significativos nomeadamente na saúde e na educação. Estas duas áreas são aquelas onde a Igreja Católica bengali mais tem investido, sobretudo nas zonas montanhosas de Sylhet e Srimongol onde a dominante cultura do chá atrai milhares de trabalhadores, alguns dos países vizinhos.
A agricultura, a seguir à indústria têxtil, é a mais importante atividade económica do país onde 33% da população tem até 19 anos de idade e o PIB per capita em 2.025 rondará os 2.820 dólares (cerca de 2.400 euros), mais que os 2.730 dólares registados no ano passado. O PIB per capita previsto para este ano em Portugal toca os 22.650 dólares (à volta de 19.460 euros).
A fragilidade económica e as desigualdades sociais bengalis sentem-se mais nas grandes cidades como Daca, a capital, Cox’s Bazar ou Chitaggong. Aqui, onde funcionam os maiores estaleiros de desmantelamento de navios do mundo verificam-se igualmente os mais infames atropelos às condições de trabalho e mais grosseiras agressões contra o meio ambiente. Este negócio de milhões vive nas margens da lei à custa de trabalho próximo da escravidão, onde muitas vezes as principais vítimas são crianças.
O desmanche dos navios implica, quase sempre, a exposição a substâncias perigosas como amianto, mercúrio ou chumbo, de jovens trabalhadores temporários que vivem em condições miseráveis nas barracas de Chitaggong.
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Sem surpresa, o Bangladesh é, por tudo isto, um país de emigrantes. Estima-se que, este ano, 7,8 milhões de bengalis tenham saído em busca de uma vida melhor. Emigram sobretudo para o Médio Oriente, nomeadamente Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos ou Qatar. A vida na Europa também atrai as comunidades do Bangladesh que se concentram essencialmente na Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Espanha e Portugal.
Estima-se que existam em território português, de forma legal, à volta de 55 mil imigrantes bengaleses. Um número inferior, por exemplo, aos 82 mil portugueses e luso-descendentes imigrantes no estado da Nova Jérsia, nos EUA, que transformam a cada 10 de junho a Ferry St. de Newark num arraial minhoto com caldo verde e chouriço assado, sem nunca terem de o fazer ao lado de cartazes ultrajantes.