Cidade da Praia em festa com uma semana de músicas do mundo
Dino d’Santiago cantou na abertura do Atlantic Music Expo e Bonga deu show no último Kriol Jazz Festival produzido por José da Silva.
José da Silva tem a intenção de, nos próximos meses, procurar um novo diretor para o Kriol Jazz Festival (KJF), comunicou no final da 14ª edição na cidade da Praia. José da Silva pretende continuar a apoiar o festival, procurando soluções financeiras, no entanto, a produção ficará a cargo de outra pessoa. “Se for um jovem ainda melhor, porque damos uma nova juventude a este festival”, revela ao CM. A edição deste ano contou com uma grande variedade de ritmos que surpreendeu o público que compareceu em grande número. Para José da Silva tudo correu bem musicalmente, apesar de ter feito um festival sem a ajuda que poderia dar à cidade da Praia mais visibilidade. Pretende agora encontrar parceiros para que o KJF não dependa de um financiador que possa desistir, disse à imprensa local no final da 14ª edição do Kriol Jazz Festival, na cidade da Praia.
Mas a semana de músicas do mundo no Plateau da cidade começou com a 11ª edição do Atlantic Music Expo (AME), que decorreu entre os dias 7 e 10 de abril. Agora sob a direção de Benito Lopes, que sucede a Augusto Veiga, nomeado Ministro da Cultura e Indústrias Criativas de Cabo Verde depois da última edição do AME, um mercado onde se encontram profissionais da indústria musical que se faz pelo mundo. Produtores, editores, diretores de festivais, músicos, e também jornalistas de diversos continentes. A sessão de abertura do evento contou com um concerto de música tradicional cabo-verdiana. A grande surpresa foi a subida ao palco de Dino d’Santiago, que interpretou um tema poucos minutos depois de entrar na plateia do Auditório Nacional.
O Palácio da Cultura Ildo Lobo foi, como é habitual no evento, o palco para o arranque dos showcases que decorrem pela hora de almoço. Foi também o local de exibição do filme ‘Manga d’Terra’, de Basil da Cunha.
O primeiro músico a subir ao palco foi Leroy Pinto. O cantor natural do Tarrafal apresentou ritmos da Kizomba e R&B, embora com uma grande influência da música tradicional das ilhas da morabeza. O segundo concerto marcou a presença brasileira, com o MPB de Roberta Campos. Durante a tarde, também no Pálacio da Cultura, Dino d’Santiago esteve presente num workshop sobre direitos de autor na era digital. Chamou a atenção para o lucro que as plataformas digitais podem gerar com a partilha do trabalho dos artistas, que, como autores, não estão a tirar dividendos.
Ao fim da tarde, a rua Pedonal do Plateau da cidade da Praia, recebeu o concerto de Zulu. Os ritmos Tabanka, batuque e funaná são o ponto de partida para a criatividade da artista da ilha da Boavista, de onde traz também o ritmo landú. “Tento trazer uma mesclagem da música tradicional, com a fusão do jazz, do blues e da soul music. Tento trazer toda essa alegria e liberdade no expressar e no cantar”, afirmou ao CM.
O palco da Praça Luiz de Camões acordou com a potência e melodia da voz de Fattu Djakité. Com uma interpretação do tema ‘Madalena’, a cantora guineense, que vive em Cabo Verde desde pequena, deixou o público rendido à sua música. Não faltou o clássico ‘Bendedera di sol’ e também interpretou o tema ‘Kumake’, a primeira composição que a cantora fez em crioulo da Guiné-Bissau.
Os concertos que ocorrem no final da tarde até à noite intercalaram entre estes dois palcos. A rua Pedonal foi então o local para o showcase Isabel Novella. A cantora cresceu no sul de Moçambique e as suas influências vão da música das timbilas e marrabenta até ao jazz, música brasileira e sul-africana. “A minha música passeia por todos estes ritmos, mas sem esquecer os ritmos de Moçambique”, afirma.
Ary Mar (Ary Duarte Kueka) regressou ao AME com um grande concerto baseado no disco Sampadiu. “Foi um concerto muito bom. Não temos feito muitos concertos, mas o público cantou comigo. O público vibrou, e então fiquei muito feliz, porque a nossa música tem o seu espaço, tem as suas pessoas”, referiu Ary no dia seguinte ao concerto.
Foi depois a vez do rapper cabo-verdiano Cjey Patronato e do Senegalês Sahad, que trouxe ritmos que passam pelo jazz, afro, e do ‘blues’ característico daquela região africana, deixando toda a Praça Luiz de Camões a dançar.
O Palácio da Cultura foi o palco onde, nos dois dias seguintes, se apresentou a cantora senegalesa Mariaa Siga, deixando a audiência bastante satisfeita com a atuação. Igualmente satisfeita ficou com a atuação de Yacine Rosa. Os ritmos da ilha do Fogo são o ponto forte da cantora que tem animado, nos últimos anos, as noites na cidade da Praia com atuações no famoso restaurante Quintal da Música e continua em crescendo nas suas atuações em palco, o que põe em evidencia a sua qualidade e a experiência que tem ganho nos últimos anos. Também atuou a espanhola Raquel Kurpershoek com música latino-americana e flamenco numa fusão moderna. Para encerrar com chave de ouro os concertos no Palácio da Cultura, foi a vez da ‘finadora’ Taresa Fernandes, juntamente com as suas batucadeiras, responsável pela divulgação de um dos ritmos mais antigos da ilha de Santiago, que é batuque, também designado por finaçon. “O batuque sempre existiu, mas era escondido. Era proibido”, conta ao CM Taresa Fernandes, sobre um ritmo que só se ouviu, para além do interior de Santiago, depois da independência de Cabo Verde. Já sobre a receção que teve da parte do publico, a ‘finadora’ confessa: “Fiquei muito contente, senti-me abraçada”.
Nos outros dois palcos atuaram os italianos Rumba de Rotas, o canadiano e também haitiano Vox Sambou, que deu um dos melhores concertos do evento, a par dos marroquinos Tsuta N-Imal. Quem não ficou atrás foi Karina Gomes, com um showcase de sonoridades variadas da Guiné-Bissau, sobre o qual referiu: “Tem sonoridades que eu sugiro, na minha musicalidade, apontamentos da modernidade. É uma grande homenagem aos povos que lutaram pelas nossas independências, e este ano são 50 anos, na maioria dos países. A Guiné já fez, em 1973, e também o 25 de Abril, não podemos esquecer Portugal. Estamos em 2025, celebramos 50 anos das outras independências”.
De Angola atuaram os Throes + The Shine com música mais eletrónica. Portugal esteve representado com o quarteto de acordeões Danças Ocultas, que viajaram de Águeda, onde decorreu a primeira edição do Kriol Jazz Festival fora de Cabo Verde.
Outros artistas da casa completaram o cartaz, Eliana Rosa e Queency Barbosa deixaram os praienses bastante satisfeitos. Fábio Ramos já tinha participado no AME, em 2022 e esta vez apresentou um trabalho mais sólido, após a gravação do álbum ‘Um Cáliçe d’nha terra’.
“Inspiro-me em tudo o que já foi feito na nossa história
Dieg
cantor
“Venho com uma energia bem diferente. Um entusiasmo diferente porque são os meus trabalhos”, informa Fábio, bastante satisfeito por mostrar o seu trabalho juntamente com artistas de todo o mundo. Para o encerramento do AME na Praça Luiz de Camões, o artista do momento, que parte os corações das gerações mais novas. O cantor Dieg canta sobre o que o inspira ou sobre o que lhe desagrada, sobre o amor. “Inspiro-me em tudo o que já foi feito na nossa história. Bulimundo, Tubarões, Cesária Évora, Tcheka, Hernâni Almeida, tudo artistas que fazem parte de mim também. Sinto que o meu papel é traduzir a nossa identidade, para que os jovens consigam absorver e não haja uma distância entre o que os jovens estão a ouvir e o que é a nossa identidade única no mundo”, disse ao CM o cantor que contou com muitas crianças junto ao palco e muitas avós um pouco mais atrás, o que fez Dieg sentir a amplitude entre as gerações que ouvem a sua música.
Totinho homenageado no Kriol Jazz Festival
Finalizado o Atlantic Music Expo, o palco da Praça Luiz de Camões deu início à 14ª edição do Kriol Jazz Festival. Este ano o homenageado foi Totinho, o saxofonista que participou em muitas edições do KJF, que fez parte da banda de Cesária Évora e ainda pertencia ao Tubarões, que quando não estava em digressão pelas ilhas ou pelo mundo, estava na cidade da Praia, no Quintal da Música. Uma grande perda para a cidade, para Cabo Verde e para todo o mundo da música. Na última edição do KJF, Totinho integrou a banda Kriolatino com artistas cabo-verdianos e cubanos.
Este ano o festival arrancou com os Kriol-Kreyol, com músicos de Cabo Verde, Martinica e Guadalupe, Mario Canonge, Boy Gé Mendes, Michel Allibo, Zulu, Arnaud Dolmen, Hernani Almeida, Ivan Medina. No final do concerto, Mario Canonge declarou estar convencido que esta é a quinta ou sexta vez que vai a Cabo Verde. “Toquei aqui pela primeira vez há mais de 25 anos, graças a José da Silva, que conheci em Paris, e para mim é um prazer encontrar músicos cabo-verdianos. Bons músicos, a cantora Zulu e o Boy Gê Mendes que conheço há muito tempo, é um grande prazer”. O segundo e último concerto da noite de abertura ficou a cargo dos Cabo Cuba Jazz, com músicos de Cuba, Países Baixos e Carlos Matos de Cabo Verde.
Na segunda noite o palco foi aberto por Mário Lúcio, o cantor levou ao palco o disco ‘Independance’, que comemora os 50 anos das independências dos países africanos de expressão portuguesa. Para Mário Lúcio, todos os países têm razões para celebrar, apesar de muitos sonhos terem ficado por realizar e com muitas vítimas em vários lugares, porém em relação ao seu país Mário Lúcio resume: ”Cabo Verde tinha 75% de população analfabeta em 1975, hoje tem 98% de população alfabetizada. Cabo Verde tinha dois liceus, hoje quarenta. Não tinha nenhuma universidade, hoje tem onze, que eu saiba. Não há mais o espectro da fome. Mas o que mais vale é ter passado da guerrilha para a independência, para o processo democrático, e chegarmos ao ponto em que se faz umas eleições em que um candidato vence por um voto, e no dia seguinte vão trabalhar. Vale a pena quando a independência traz paz, respeito pelos direitos humanos e pelas nações”, disse Mário Lúcio após um concerto em que o guitarrista guineense Jery Bidan esteve em evidência.
O segundo artista a pisar o palco foi Mario Canonge, com o seu trio formado com Michel Allibo, no contrabaixo e na bateria Arnaud Dolmen. Seguiu-se Nona Jobarteh, a artista da Gambia, é a primeira mulher a tocar a Kora, quebrando as regras do instrumento exclusivo para homens na África ocidental. A noite acabou com o concerto dos Sixun, com músicos africanos e franceses, deram um show que deixou o público satisfeito.
A última noite começou com a voz de Nancy Vieira. Na sua cidade, na sua Pracinha da Escola Grande, acarinhada por uma ‘chuva amiga’ num concerto com a companhia de Luís Firmino, dos Acácia Maior, em que homenageou dois grandes músicos, o Saxofonista Totinho e o guitarrista Vaiss.
A música dos Estados Unidos esteve representada pelo ‘soul’ contagiante de Michelle David & The True Tones. De Espanha, tocaram os Los Karamba, com son, salsa e hip hop, numa mistura cubana, venezuelana e catalã.
Bonga deu o concerto mais esperado da noite. Com 82 anos continua a ser rei no palco. Não lhe faltou energia para dar alegria ao público cabo-verdiano, por quem Bonga tem muito carinho e uma relação especial. Foi em festa que encerou o KJF e toda a semana de músicas do mundo na cidade da Praia, ilha de Santiago, Cabo verde.
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