Marcelo Camelo: "Prefiro show intimista"
Músico que actua hoje em Lisboa<br/><br/>
A sua mãe era pintora. Então, a arte esteve sempre presente na sua vida.
A minha mãe descobriu-se pintora tardiamente. Modéstia à parte, eu ajudei bastante. Ela sempre pintou mas é formada em matemática. Sempre levou a pintura como amadora. E, um dia, ela vê um quadro no jornal que estava descrito como pintura naif. Então pensou “eu faço exactamente isso”. Fui com ela a um museu de 'arte naif' lá no Rio e a dona do museu ficou apaixonada pelas suas pinturas. Dois meses depois, ela estava expondo no Museu Nacional de Belas Artes.
E isso influenciou muito o seu gosto pela arte?
Não sei, de onde é que vem… O meu avô era sambista, o meu tio tocava violão. Então há alguma coisa artística na família, mas que, ao mesmo tempo, lá em casa não era muito presente. Mas não tinha muito essa coisa de todo o final de semana tinha uma rodinha de violão. O meu tio toca muito bem e era a única figura com quem eu tinha contacto musical.
E quando é que percebeu que era mesmo isto que queria fazer?
Não sei, não houve assim um momento. Está em transformação ainda.
Na música 'Dois em Um' diz "cada qual no seu canto”. A música é o seu canto?
Inclusive o jornalismo? Sei que tirou o curso…
Sim, inclusive jornalismo.
Durante a sua carreira, já fez parte de várias bandas. No novo disco, a solo, compôs 9 das 10 canções. Sente assim a música mais sua?
Esse é um diálogo que tenho comigo mesmo, porque essa parte da gente que se divide nos outros ela é muito íntima também, a parte que se dá para outro grupo, uma parte desse grupo, é muito você também. É tão você como a carreira a solo. Se for para comparar o que vivo agora e com o que vivia com Los Hermanos é uma coisa diversa. Mas não consigo dizer que é melhor ou pior, mas pessoal ou menos pessoal, mais minha. É só uma parte minha, diferente e a entrega é a mesma. Era um exercício onde tinha que me diluir com mais pessoas, mas fundamentalmente pelas escolhas artísticas serem escolhidas por nós todos. Foi uma parte minha em que eu tive integrado durante 10 anos. Não posso dizer que aquilo era menos eu do que agora, que não era uma parte minha. E só uma realidade diferente.
Mas prefere ser você a decidir as músicas e tudo o que envolve a criação de um novo projecto?
E o público português vai poder ouvir músicas mais antigas, como por exemplo das dos Los Hermanos?
Vai poder ouvir, sintome assim como a recomeçar uma carreira. E não tenho a pretensão que as pessoas gostem tanto da minha música como gostavam no tempo de Los Hermanos. Foram 10 anos de cultivo e cativando aquelas pessoas. Então estou meio recomeçando mesmo. Tem gente que não gostava de Los Hermanos e gosta do trabalho agora. Tem de tudo.
Nas suas letras fala de Copacabana, bossa nova, Carnaval. Quais são os nomes no Brasil que são uma referência para si?
Gosto muito de Guiomar Novais que é uma pianista que já morreu. É o meu ídolo maior.
Qual é a música que diz mais de si?
Todas. São reflexos das experiências que vivi. A maioria sim.
O tema 'Janta' foi considerado a melhor faixa de 2008 pela 'Rolling Stone' brasileira. De que forma os prémios o influênciam?
Essa coisa de fazer arte é um negócio meio estranho, você quer muito o amor dos outros, você quer muito que todo o mundo goste e compartilhe. Um prémio, um aplauso, um show cheio, um disco que vende bem é, de certa forma, uma recompensa pelo seu trabalho. Quando ele não vem, quando as pessoas não gostam e você fez com tanto afinco, é uma frustração na mesma medida. Você tem que ter a sua própria relação com o seu êxito
Qual é que é a sua relação com os fãs? No Brasil existe muito aquela proximidade com os artistas. Como lida com isso?
Depende. Cada um se comporta de um jeito. Ao longo destes 10 anos, com Los Hermanos, angariámos muitos fãs, de um jeito muito intenso por causa das músicas e o meu trabalho conquistou muitos fãs. Apesar disso, sempre foi tudo tranquilo. A minha cara, a minha aparência, é parecida com o que sou mesmo, não há muita transformação. Acho que isso ajuda a manter a mitologia do negócio, mais caseiro, menos afectada.
Mas gosta quando os fãs vão ter consigo. Gosta daquela interacção?
Acho tranquilo, é um reconhecimento do meu trabalho.
Os fãs portugueses e brasileiros são diferentes?
Acho que o facto de ser estrangeiro aqui em Portugal, já me coloca numa posição diferente. A minha representatividade nos dois lugares é diferente. Acho que isso é ainda mais importante.
Sei que tem ascendência portuguesa. O que acha do País, das pessoas?
Sou super-suspeito para falar porque é muito familiar para mim, acho que todo o mundo que tem descendentes portugueses vai sentir um pouco essa familiaridade. Os meus avós são portugueses. E isso tudo fez com que o meu pai fosse uma pessoa intensamente portuguesa. Não sei se isso chegou até mim, mas alguma coisa chegou. E olho para ele e olho para você e dá vontade de abraçar todo o mundo.
Actuou ontem Festival Sudoeste e tem hoje um concerto, na Sala TMN, aqui em Lisboa. Prefere o clima quente de um festival de Verão ou mais intimista de uma sala?
São bem diferentes as duas coisas, um festival tem a parte boa de você tocar para pessoas que não conhecem a sua música, é meio um convencimento. É um show em que as pessoas vão lá para te ver, é mais tranquilo, dá para você se exibir…
E qual prefere?
Acho que todo o artista prefere um show intimista, cria-se um ambiente mais favorável àquelas músicas. Num festival é meio disperso, tem outras bandas, outras coisas acontecendo. Um show de festival é mais de convencimento dos outros e um intimista é mais ganho. Para mim é super-estranho que uma banda toque antes de mim. Eu tenho sempre essa sensação de que ninguém me quer ver mais, não é possível.
Conhece algo da música portuguesa?
Conheço a banda do Fred, que é meu amigo e está aí. Conheço Buraka Som Sistema, sou muito amigo do Kalaf. Conheço o Chainho, o Melo D, B Fachada, Xutos. Sou amigo do António Zambujo, que é um craque da parada. Estou bem de música portuguesa. A Maria João tem uma versão muito bonita da 'Outra'.
No seu anterior álbum tinha uma música chamada 'Doce Solidão'. O mais recente chama-se 'Toque Dela'. E também se mudou de São Paulo para o Rio. Porque essa grande ”transformação”?
A música e a vida são uma coisa só. O disco é como se fosse a resposta a coisas inconscientes que lanço para mim mesmo e o facto de estar respondendo a elas através de música. Fazer um disco e uma digressão desse disco, transforma-me, de facto, em outra pessoa, coloca-me outras perguntas, coloca-me noutro lugar. Então é isso, o disco muda a vida, a vida muda o disco. O que os discos têm de parecido entre eles é que a vida permaneceu e o tanto que eles têm de diferente é o tanto que a minha vida mudou. Os meus discos são uma possibilidade de reflexo da minha vida, uma representação daquilo que acontece.
Como é que lida com a imprensa, com o assédio?
A sua ascendência portuguesa era do norte do país. Gostava de tocar lá?
Toquei lá com os Los Hermanos e com os Toranja, numa tournée que fizemos. Gostava de voltar. Tocámos no Porto para onde gostava de levar esta torné: tocar na Casa da Música.
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