MUITO ALTO E BOM SOM

Faltaram, nos três dias que durou o último festival de Verão do país, nomes de topo do panorama dos sons mais pesados. E nem os The Dillinger Escape Plan, nem os Guano Apes, pela nona vez no nosso país - que encerraram a maratona de música com Sandra Nasic a interpretar em estilo inconfundível canções como 'No Speech', 'Open Your Eyes' ou 'Big in Japan' - contrariam essa evidência.

29 de agosto de 2004 às 00:00
MUITO ALTO E BOM SOM Foto: José Manuel Simões
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Para o ano, aconselha-se a redução do número de bandas - 21, sete por dia, parece-nos excessivo - e a contratação de, pelo menos, um renomeado cabeça de cartaz por data.

Se a maioria das bandas portuguesas esteve em bom plano - merecendo destaque a prestação dos menos consagrados Easyway, Re:Aktor e The Temple e dos experimentados Xutos & Pontapés e Moonspell - não nos parece plausível que no cartaz tivessem figurado mais bandas portuguesas do que estrangeiras.

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MARAVILHOSO MUNDO

"Prefiro ser um bêbado conhecido que um alcoólatra anónimo". A 't-shirt' de um jovem de Viana do Castelo denunciava o seu estado, sorriso esquecido no canto da boca e olhar pousado em dois adolescentes que ensaiavam acordes na guitarra a troco de "umas moedas para podermos voltar para casa".

No palco, os Spank The Monkey colavam-se aos Rage Against The Machine. O mesmo sol abrasador quando os locais Line Out desejaram as boas vindas "à nossa humilde região" e um rapaz do público, 't-shirt' com os dizeres "O Inferno estava cheio e por isso voltei", abanava a cabeça em ritmada aceleração, dois dedos permanentemente esticados em direcção ao palco.

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Por perto, um grupo de adolescentes da Maia, pouco habituadas aos efeitos dos fumíferos, intercalavam frases e risos. Uma delas, seis 'piercings' dependurados na sobrancelha direita, uma pedra a sair-lhe do bolso traseiro e as cuecas coloridas ligeiramente à mostra, comentava enquanto dava mais uma passa num enorme cachimbo: "Vou guardar esta pedra até morrer, pois ela representa a minha iniciação no maravilhoso mundo dos festivais". Parece que estavam ali "pelos Guano Apes" mas não arredaram pé enquanto os Re:Aktor, e o seu novo rock misturado com metal ciberindustrial, se mantiveram em cena, reagindo efusivamente quando o vocalista dedicou uma canção "a quem tem medo de trabalhar".

Depois dos Tiamat e do seu interessante concerto em tons góticos, os Sensor voltaram a colar-se aos Rage. Não fosse a entrada dos The Dillinger Escape Plan e tudo se manteria sereno. Num concerto alvoraçado, o vocalista atirou - parece que propositadamente - o tripé do microfone com estrondo contra a barreira de protecção do público. "Por milagre ninguém se magoou".

TRIBO DOS METALEIROS

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Frequentemente têm cabelos longos, usam estranhas barbichas, os corpos tatuados, 'piercings' - especialmente na boca e nas sobrancelhas. Usam botas da tropa, 't-shirts' pretas das bandas de metal da preferência. São na sua maioria sérios, algo sisudos, bastante introspectivos. Gostam de esticar o mindinho e o indicador, mandar curtos gritos.

Os mais afoitos, entregam-se ao 'mosh' - a tal dança da virilidade. Se há um que cai há logo outro que o agarra com firmeza. São solidários e, como afirmou Nexion, guitarrista dos Re:Aktor, ao CM, "invulgarmente sensatos e ponderados". Assim traçam as linhas mestras da liberdade.

CAMPEÃO DA BELEZA NATURAL

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Os Moonspell nas águas limpas da albufeira, olhos postos na principal zona montanhosa do território português, apreciando o acentuado relevo rasgado por profundos vales onde correm rios, a floresta envolvente, a harmonia da solidez granítica das casas dispersas.

Ali ao lado do palco, a Serra da Cabreira, os discretos passeios de barco e mota de água, a prática do telesky - desporto único no país -, a beleza agreste feita de silêncios. Todos os festivais portugueses estão inseridos em paisagens naturais e humanas de grande valor. Neste capítulo, o Ermal sai vencedor.

Pode parecer a quem, à primeira vista, se depare com uma sessão de ‘mosh’, que o público afecto às sonoridades mais pesadas – vulgo metaleiros –, são violentos. Nada de mais errado. Com um comportamento conscientemente sóbrio e ordeiro, o público do Ermal merece nota máxima.

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Tal como nos outros festivais, não se conhecem relatos de desacatos ou agressões e nem alguns roubos pontuais – segundo apurámos cometidos por gente sem entrada para o recinto – em carros e tendas, mancham o comportamento dos festivaleiros. Um caso de civismo a merecer reflexão.

Parece-nos fundamental que os organizadores do Festival do Ermal – Câmara de Vieira do Minho e, agora, destronada que foi a concorrência, a Música no Coração – alterem a data de realização do certame.

Sabendo que os grandes festivais do género espalhados pela Europa acontecem em Maio e Junho, e que, nesta altura do ano, a maioria dos grandes nomes se encontra em digressão pelos Estados Unidos e Japão, estamos em crer que o Ermal deveria passar a ser o primeiro festival do Verão português.

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