Há uma dúzia de anos que este bom gigante teima em construir o seu próprio caminho, paralelo a todas as modas – por mais que se procurem linhas de coincidência, de cópia, não é possível encontrá-las.
Talvez porque este californiano, mestiço (o que releva na multiplicidade de influências que se sentem no seu processo criativo), apaixonado (e não estamos aqui a falar da actriz Laura Dern), teimoso e curioso tenha descoberto que uma das maiores originalidades pode estar na prática das sínteses do que já conhecemos.
Se dúvidas houvesse quanto à sua grandeza e variedade como compositor (e elas são tardias, depois de álbuns como ‘Welcome to the Cruel World’, ‘The Will to Live’ ou ‘Diamonds on the Inside’, de aventuras como a sua reunião com o grupo de gospel The Blind Boys of Alabama), aí está ‘Both Sides of the Gun’, poderoso, capaz de viajar do intimismo absoluto à revolta declarada, do registo folk, apenas coberto com guitarra acústica e cordas de ocasião, à complexidade rítmica que recupera da Motown a Hendrix, de Curtis Mayfield a Stevie Wonder.
Por outras palavras: toda a gente há-de descobrir uma ou mais canções em ‘Both Sides of the Gun’ que lhe caia indelevelmente no gosto. Ainda por cima, com um nadinha de excesso de zelo, Ben Harper facilita a vida aos mais preguiçosos, separando os 18 temas em dois CD, um mais virado à calmaria, o outro de pés bem firmes na tempestade. O que não evita uma armadilha possível: às vezes, é nos mares de tranquilidade que acabamos mesmo por naufragar. Se atentarmos no exemplo prático de ‘Reason to Mourn’ e de ‘Black Rain’ talvez se perceba melhor: vindas cada uma de seu CD, o ‘calmo’ e o ‘duro’ (para simplificar), ambas são registos de pesar e de zanga perante o que viveram os cidadãos de Nova Orleães após a passagem do furacão ‘Katrina’.
Harper propõe, até pelo modelo escolhido para a apresentação, uma variante daquele jogo pueril que se chama ‘descubra as diferenças’. Faz-nos viajar pelo mais intenso lirismo (‘Waiting For You’), pela esperança dos quadros negros (‘Never Leave Lonely Avenue’), pela ingénua doçura de um instrumental (‘Sweet Nothing Serenade’), pela redenção que, às vezes, se encontra num olhar próximo e cúmplice (‘Happy Everfater in your Eyes’). Muda-se o disco, acelera-se a pulsação, mas confirma-se: ele é o mesmo na fé psicadélica (‘Better Way’), no fresco funky, quase uma crónica de costumes (‘Both Sides of the Gun’), no hino que denuncia as mortes de jovens no mundo do crime (‘Gather Round the Stone’), no manifesto de sarcasmo impiedoso (‘Please Don’t Talk About Murder While I’m Eating’).
Pelo caminho, toca a solo, com os habituais Innocent Criminals, com músicos que parecem escolhidos ao acaso. Percorre os terrenos da folk, do rock (até há uma canção à Stones, ‘Get it Like you Like it’), do funky, dos blues. A diferença é, qualquer que seja a via, Ben Harper está sempre a caminho de casa. A sua. E essa é enorme, mas sempre confortável.
- Um regresso pleno dos americanos LIVE com ‘Songs from Black Mountain’, digno herdeiro do espírito – já distante – de ‘Mental Jewelry’ e ‘Throwing Copper’. Rock sem hesitações, guitarras soltas, coros fortes (‘The River’, ‘Get Ready’), requintes de produção, destaque para as cordas. Longe de modas.
- É um álbum de contrastes, entre o ‘crooning’ e a provocação, entre o mundo bélico do hip-hop e o tempero gospel. Diletante e polémico, Mike Skinner – ou seja, THE STREETS – volta a dar baile em ‘The Hardest Way to Make an Easy Living’, novo andamento da sinfonia de rua, combativa. Como convém.
- CHICO CÉSAR, o exuberante cantor da Paraíba, revelado por cá com ‘Cuzcuz-Clã’ e ‘Beleza Mano’ tem disco novo em nova editora (Biscoito Fino). ‘De uns Tempos para Cá’ traz mais novidades: Chico troca (momentaneamente?) os delírios rítmicos por uma tendência de calmaria, cruzando raízes folclóricas com valsinhas e baladas, deixando respirar mais as melodias e os inconfundíveis poemas. Sobre todas, ‘Utopia’ e ‘Pra Cinema’. Nota alta, ainda, para as versões de ‘Cálice’ e ‘Autumn Leaves’. Um disco para fazer escola.
- Não se contesta – nem podia – a motivação de FREI HERMANO DA CÂMARA para dar seguimento à sua carreira. Mas ‘Cantar é Rezar’ nunca passa da mediania aflitiva, previsível nas melodias e arranjos, monocórdica nos textos. Ainda por cima, a voz do protagonista está mais curta de amplitude. Muito fraco. -- O norueguês SONDRE LERCHE, acompanhado do The Faces Down Quartet, decidiu fazer um álbum ‘jazzy’. Canta desde Cole Porter a Paddy MacAloon (Prefab Sprout). Tudo soa forçado, colado à pressa, sem alma. Quanto à voz do moço, ela equivale ao que seria um Michael Franks em queda livre. Dos pobrezinhos…
MÁRIO LAGINHA: FUGAS AO TRIVIAL
Foi anunciado como o primeiro disco a solo de Laginha, este ‘Canções & Fugas’ – é-o no sentido técnico, não do ponto de vista artístico, uma vez que o pianista já gravara em nome próprio há uma dúzia de anos. Certo é que estamos mais habituados a ouvi-lo em parceria com Maria João, com quem já gravou oito álbuns (e não se contabilizam os dois primeiros da cantora, com Laginha pianista do quinteto de apoio), ou com outros pianistas. Bem recentemente, o piano de Laginha foi rampa de lançamento para o dueto de Mariza e Tim, em ‘Fado do Encontro’.
Aqui, redescobre-se um Laginha mais lírico, fazendo uso sábio dos silêncios ou desdobrando-se de tal forma que o seu piano parece multiplicar-se. O seu confessado fascínio por Bach é facilmente perceptível na construção de algumas das ‘Canções & Fugas’, nomeadamente as que apresentam mais do que uma ‘voz’ do piano. Mais uma vez, as técnicas de Bill Evans e Keith Jarrett estão presentes neste disco magnético, de sentimentos variados, capaz de fugir à banalidade e de mostrar um instrumentista e compositor em crescimento. Acelerado, mas sem pressas.
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