O primeiro filme violento, no sentido lato, foi ‘The Great Train Robbery’ (1903), unicamente devido ao plano em que o xerife George Barnes aponta o revólver para a câmara, disparando para os espectadores. Era um efeito destinado a provocar reacção, eventualmente medo, e o facto é que conseguiu-o, pois houve quem fugisse das salas de cinema.
Em 1931, quando James Cagney ganhou notoriedade em ‘O Inimigo Público’, o crítico do ‘New York Times’ revelou espanto pelo “sensacional e incoerente final em massacre”. Oito personagens morrem, todas fora do enquadramento da câmara. Compare-se com ‘Assalto ao Aeroporto’ (1990), com mais de 200 mortes brutais, todas visíveis quase ao pormenor.
Charlton Heston, actor vencedor de Óscar e actual presidente da NRA, a associação de armas nos EUA, chocou quem o ouviu em 1999, na ressaca do tiroteio perpetrado por dois estudantes numa escola de Columbine, ao afirmar que Hollywood tinha maior quota de responsabilidade pelo “clima de violência” do que as leis (ou falta delas) que regulamentam a posse de armas.
“Quando comecei a fazer filmes, se eras morto, caías para trás, escondias o peito e talvez surgissem pingos de sangue a escorrer entre os dedos; depois, fiz um filme com Sam Peckinpah (realizador) e, de repente, havia cabeças a explodir. E agora é muito, muito pior.”
LEI DO MAIS FORTE
David Cronenberg explica que o título ‘Uma História de Violência’ tem três níveis: refere-se (1) a um suspeito com uma longa história de violência, (2) ao histórico uso da violência como meio para resolver disputas e (3) à violência inata da evolução Darwiniana, na qual organismos mais bem equipados substituem os fracos.
Para George Bernard Shaw, “conflito é a essência do drama”. O drama que Cronenberg criou à volta de um homem obrigado a defender a sua família pretende (não é o mesmo que conseguir) ser a antítese dos filmes de acção com Bruce Willis, mesmo quando também se mostram cabeças a explodir. A violência não é um efeito especial, como uma pistola de brincar apontada à câmara, ou entretenimento, mas sim a brutal essência da sobrevivência do mais forte no dia-a-dia.
Se alguém aponta uma arma a outro, a norma social cessa. Aquele tem de se defender, tudo está justificado. Trata-se de uma resposta baseada nos antigos westerns. Esta violência que surge numa pacata cidade é afinal a mesma que George W. Bush usou para inspirar a política externa dos EUA. O país foi ameaçado e atacado, teve de responder. Violência gera violência, a história é um cliché.
CRONENBERG COMERCIAL
O filme, de longe o maior orçamento com que teve de lidar, passa por ser o mais comercial da carreira de David Cronen-berg, realizador de culto por abordar temas ‘marginais’, como fusão da carne com máquina, separação do corpo e espírito, metamorfose, paranóia, pulsão sexual da violência…
O canadiano, nascido em Toronto, destacou-se com ‘Scanners’ (1981), ‘Videodrome’ (1983), ‘A Mosca’ (1986), ‘Irmãos Inseparáveis’ (1988), ‘O Festim Nu’ (1991), ‘M. Butterfly’ (1993), ‘Crash’ (1996), ‘eXistenZ’ (1999) e ‘Spider’ (2002). Segue-se ‘Painkillers’, sobre uma sociedade em que a cirurgia se tornou no novo sexo e a dor é o novo fruto proibido.
O filme é baseado numa banda desenhada publicada pela Paradox Press em 1997 e cuja série onde foi incluída também deu ‘Caminho Para Perdição’ (2002) ao cinema. David Cronenberg afirma que só muito depois de ter lido e refeito o guião é que foi informado da origem do mesmo.
John Wagner, o argumentista da BD, conhecido sobretudo por ter criado ‘Judge Dredd’, não se importou com as modificações assim que soube do grupo de actores confirmados. Wagner também é famoso por escrever sob vários pseudónimos. Quanto ao desenhador, Vince Locke, tem experiência no campo do terror e gótico, incluindo ilustrações dos álbuns dos Cannibal Corpse.
A violência, como tema fundamental de filmes e séries de cinema e televisão, foi largamente debatida após o tiroteio perpetrado por dois estudantes e consequentes mortes numa escola de Columbine, em 1999. Sobretudo porque, aparentemente, os dois jovens gostavam de ‘Assassinos Natos’, de Oliver Stone.
Num estudo, foram reconhecidos três fórmulas básicas para a violência no ecrã: 1) é, muitas vezes, o pretexto para a acção que se segue; 2) nunca tem consequências, ou seja, não é real, as mortes não têm custo emocional; 3) criminosos são reduzidos a caricaturas, aos ‘maus’ num mundo de ‘bons’, e têm o que merecem.
Cronenberg alarga a sua visão a vários temas, como a identidade (um dos seus favoritos), a ligação entre sexo e violência ou os instintos primitivos do ser humano. Tudo em camadas subtis, sem perder a linearidade da história. A violência acaba por ser sempre justificada. Destaque para as interpretações de Maria Bello e do jovem estreante Ashton Holmes.
É o mais acessível/comercial e, visualmente, o mais ‘cru’ dos filmes de Cronenberg, o que desapontará os adeptos do seu lado ‘gore’. Mas não falta violência, tema em estudo e cuja essência fica por decifrar devido à caricatura de algumas personagens (o ‘gangster’ de William Hurt, por exemplo) e à irrealidade da vida angelical da família Stall.
Título original: ‘A History Of Violence’
Realizador: David Cronenberg
Argumento: Josh Olson, baseado na banda desenhada de John Wagner e Vince Locke
Intérpretes: Viggo Mortensen (Tom), Maria Bello (Edie), Ed Harris (Carl), William Hurt (Richie)
Na cena de sexo na escadaria, não foram usados protectores nos degraus e a actriz Maria Bello ficou mesmo marcada nas costas.
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