João Loureiro regressa ao grupo que o tornou famoso e acabam de lançar o disco ‘Dansity’. Para o ex-presidente do Boavista, a música “nunca se mistura com o futebol”
Correio da Manhã – Ao fim de 15 anos, os Ban estão de volta. Porquê tanto tempo para regressar? Esta era a altura certa para o fazer?
João Loureiro – Tenho de voltar um pouco atrás para explicar por que é que os Ban, na altura, deixaram de fazer música juntos. Tínhamos tido um percurso muito bom, com muito sucesso. Tivemos um período inicial de crescimento e depois, com discos como ‘Surrealizar’ e ‘Irreal Social’, os Ban tornaram-se um grupo muito conhecido. Todos estes trabalhos justificaram tournées muito extensas por Portugal e não só. A dada altura sentimos que já nos estávamos a repetir, não em termos musicais mas em termos de percurso. Todos os anos tocávamos nos mesmos lugares…
- Foi uma questão de cansaço.
- Houve uma certa saturação e também sentimos que, porventura, podíamos ter tido algum sucesso fora de Portugal. Houve pequenos sinais de que poderíamos internacionalizar a nossa carreira, mas, por isto ou por aquilo, não aconteceu. Se calhar também não houve uma estratégia editorial nesse sentido. Entendemos, então, que o caminho já estava percorrido e havia o risco de nos repetirmos e de fazermos alguma coisa que não estivesse ao nível do que tínhamos feito. Decidimos parar por ali. Cada um seguiu o seu percurso de vida. O meu é mais ou menos conhecido, mas houve elementos que continuaram ligados à música.
- Mas mantiveram contacto durante esse período de separação?
- Sim, mantivemos contacto. Somos amigos de infância. O que aconteceu foi que, em 2004, sentimos grande necessidade de voltarmos a estar juntos e de fazer música juntos, outra vez. Este reencontro não foi com o objectivo de lançarmos um CD. Foi juntarmo-nos e voltarmos a fazer música para ver se soava bem e se podia acrescentar alguma coisa ao que tínhamos feito antes. Soou-nos logo na altura bem e começámos a procurar uma voz feminina que pudesse corporizar aquilo que eram as nossas ideias. Encontrámos a Mariana [Matos] que vai ser uma óptima surpresa. Já estamos a trabalhar neste disco há seis anos.
- A razão desta demora tem, portanto, a ver com o facto da transformação da música que estavam a fazer para um disco não ter sido uma coisa imediata?
- Não, porque primeiro tentámos perceber qual era o caminho que queríamos trilhar. Sendo certo que a nossa preocupação foi que este novo disco não se assuma como um ‘revival’ dos Ban. Quisemos que este disco acrescentasse alguma coisa à carreira dos Ban. Se fosse um mero reviver dos tempos antigos ou se fosse uma tentativa de nos copiarmos a nós próprios não fazia sentido estarmos a fazê-lo. O disco é virado para o futuro, não para o passado.
- É, portanto, um trabalho ousado. Será que os fãs antigos dos Ban vão gostar deste novo som?
- Espero que sim, até porque já antes os Ban eram ousados. Hoje, as pessoas podem ter uma noção mais concreta do que foi o caminho que trilhámos e algumas coisas novas que trouxemos à música portuguesa. Os Ban foram o primeiro grupo a usar ‘samplings’, a usar caixas de ritmos, a fazer remix. Recordo-me que, na altura, sempre que saía um novo disco as pessoas estranhavam, porque achavam que ia ser igual ao anterior e nós tentávamos fazer sempre, pelo nosso lado criativo, coisas novas. Foi o que tentámos fazer também com este novo disco. Não digo que seja uma coisa de tal maneira diferente que os Ban não sejam reconhecíveis, mas queríamos efectivamente fazer uma coisa nova. Senão, seria um desrespeito por nós e pelos próprios fãs.
- Uma das novidades que salta logo à vista é apostarem no inglês de uma forma assumida em todas as canções. Esta opção tem a ver com o desejo de internacionalização do projecto?
- São duas coisas ao mesmo tempo: por um lado, é a nossa vontade de experimentar coisas novas, por outro foi ter em conta o factor de ver até que ponto conseguimos depois dar um percurso internacional a este disco. Antes, já tínhamos trechos em inglês e francês em algumas canções, mas apenas ligeiros. No entanto, música é música e nada impede que daqui a algum tempo os Ban voltem a fazer música em português. Neste disco achámos que fazia sentido cantar em inglês.
- Em relação ao título, ‘Dansity’, voltam a apostar numa palavra de fusão, num termo criado por vocês.
- Escrevo muito assim. Em português já fazíamos assim. As letras dos Ban nunca contaram histórias concretas, nunca foram…
- Lineares.
- Sim. Sempre foram letras um bocado abstractas, relativamente minimais. Faço sempre um grande esforço de condensação. São um pouco cinemáticas, porque descrevo ambientes, não situações. De maneira, exactamente, a permitir algum espaço de criatividade ao ouvinte.
- O primeiro single, ‘Mod Girls’, mostra um som mais electrónico, dançável, mas o disco tem também um lado mais ambiental. Foi fácil encontrar esse equilíbrio?
- Quando começámos a compor percebemos que havia essas duas forças que nos estavam a suscitar interesse. Por um lado, coisas mais dançáveis, mais directas, mais pop. Por outro, coisas mais densas, mais intimistas, mais ambientais. Às tantas, o lado pop tem aspectos ambientais e o lado ambiental tem aspectos pop. Tentámos, de certa forma, fundir essas duas vertentes. A ideia do alinhamento é, exactamente, permitir que o disco vá fluindo de um extremo ao outro.
- Como descobriram a voz da Mariana Matos?
- Foi uma casualidade, como é sempre nestas coisas. Estava numa discoteca do Porto e alguém nos apresentou. Gostei logo do timbre da voz dela ao falar. Queríamos uma voz mais grave, mais ‘soul’. Logo que a ouvi pareceu-me a pessoa ideal. Quando chegou à sala de ensaios, em meia hora ficou aprovada. Era muito nova, na altura, devia ter 19 ou 20 anos. Integrou-se muito bem e trouxe alguma coisa nova ao grupo. Neste disco, o meu trabalho não foi tanto cantar, mas estar por trás da parte conceptual, da composição e de produção. Ela ganhou assim um certo espaço, mas também o soube merecer.
- Atendendo aos 15 anos de separação, foi-lhe fácil voltar à pele de compositor e cantor, dada a engrenagem nova que existe na produção musical?
- Alguns de nós mantiveram sempre uma relação directa com a música. O facto de termos estado parados aumentou muito o nosso apetite por fazermos música juntos. Parámos onde devíamos parar. Acho que fizemos muito bem porque corríamos o risco de não continuarmos ao nosso nível. Por isso, a vontade reapareceu. O novo disco é altamente criativo.
- O ‘Dansity’ é lançado pela editora Man-u-Factor que é independente, de pequena dimensão. Não foram assediados pelas multinacionais?
- Não foi um caminho que pretendêssemos fazer por vários motivos. A opção prende-se novamente pela vontade em internacionalizar. O facto de estarmos a trabalhar numa editora independente faz com que seja mais fácil gerir os direitos inerentes ao CD e agarrar oportunidades que surjam ao nível de outras editoras independentes fora de Portugal. Há, aliás, já alguns contactos nesse sentido. Por outro lado, deu-nos margem para fazermos o disco conforme quiséssemos. Acho que as coisas assim são mais humanas e as portas estão mais abertas.
- Têm mais controlo sobre o vosso trabalho…
- E até mais controlo sobre o que vai acontecer a seguir. Este disco vai ser uma peça central de uma série de outras coisas. A nossa forma de comunicarmos este disco não vai obedecer à forma tradicional dos espectáculos ao vivo, tournée, etc. Vamos tentar fazer diferente.
- Como pensam, então, promovê-lo?
- Vai ser pela via das imagens, dos trabalhos visuais e dos remixes. Hoje em dia há uma cena muito interessante de música de dança em Portugal. Ao longo deste percurso, estabelecemos uma série de contactos criativos com pessoas ligadas à música de dança portuguesa mas que editam fora, pelo que a nossa ideia é um pouco tentar uma fusão entre o lado musical mais estrito com o DJ e outras formas de trabalhar a música. Vamos apresentar uma remistura de ‘Mod Girls’ aos DJ Peter G e Superfreak, que já editaram por todo lado. E temos dois temas a serem trabalhados neste momento. Vamos, portanto, abordar a promoção da nossa música de uma forma que não é habitual em Portugal. Hoje a música passa pela fusão. Queremos tentar, mais uma vez, trilhar um caminho novo. Temos a consciência que, pelo facto de cantarmos em inglês e de apostarmos em algum arrojo nos arranjos e nesta via de promoção, as pessoas possam estranhar um bocadinho no princípio. Mas acho que vamos bem.
- 2011 vai ser o ano do grande regresso dos Ban?
- Sim. Lançamos agora o CD e depois, mais tarde, vamos fazer uma compilação de todo o trabalho colateral que temos vindo a desenvolver nas remisturas. Queremos dar a terceiros a hipótese de recontextualizarem aquilo que nos fizemos.
- Não receia que, depois de dez anos à frente do clube Boavista, as pessoas o estranhem ver de novo de novo na música?
- Sou uma só pessoa. Mas enquanto estive no futebol nunca falei de música e agora que estou na música, até por respeito aos meus colegas, não quero misturar as coisas. Posso dizer é que, mesmo enquanto não estive a fazer música, estive sempre ligado a ela quer como ouvinte praticante, quer ao nível do contacto que fui mantendo com os meus companheiros. Nos anos 80 e até nos 90, organizei muitos espectáculos e estive ligado a um movimento, já chamado de música moderna portuguesa, que foi quando surgiram uma série de grupos como os Xutos & Pontapés, os Rádio Macau, os Sétima Legião, os GNR e por aí adiante. Tive uma relação muito grande com os músicos enquanto pessoas. E mantive, mesmo depois de sair da música, esses contactos. Ainda que não de uma forma pública.
- Mas como é que se sente mais confortável: no futebol, na música ou ambos se complementam?
- Tudo tem o seu momento. Há uma coisa que faço: entrego-me sempre de corpo e alma. Isso aplica-se à música, ao futebol, a tudo o que faço. Neste momento, o meu corpo e a minha alma estão com os Ban, completamente virados para o novo disco e para todo este trabalho que se vai prolongar.
- Com as polémicas dos últimos tempos no Boavista está de consciência tranquila?
- Não me leve a mal, sobre isso não comento, até por respeito pelos restantes membros do grupo.
- Os Ban foram distinguidos pela Sociedade Portuguesa de Autores, recentemente, por serem um dos nomes importantes da cena pop/rock portuguesa. Onde é que os posiciona, tendo em conta o que já fizeram e o que querem fazer?
- É difícil fazer essa análise. Gostava que os BAN fossem vistos como um grupo que quando fizeram alguma coisa, trouxeram algo de novo. Era isso que gostava. Gostava que vissem os BAN como um grupo que sempre se esforçou e procurou novos caminhos.
PERFIL
João Loureiro nasceu no Bonfim há 47 anos, é licenciado em Direito e formou os Ban em 1981, tendo, até 1995, editado êxitos como ‘Surrealizar’ ou ‘Mundo de Aventuras’. Filho de Valentim Loureiro, trocou a música pelo futebol e presidiu ao Boavista entre 1997 e 2007. Saiu envolto em polémica e acusações de fraude fiscal, num caso judicial a aguardar sentença. Regressa agora aos Ban com o disco ‘Dansity’.
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