Imaginem um domingo em final de manhã, sol tímido, casa silenciosa (com TV desligada), primeiras camisolas da temporada, vista distante de rio e, mais próxima, de folhas caídas. Até pode ser hoje, se as forças cósmicas ajudarem. É num cenário que se idealiza assim que ‘Dear Heather’, o novo disco de Leonard Cohen – septuagenário recente, ‘compagnon de route’ fiel desde o final da adolescência –, encontra as condições perfeitas para começar a exercer o seu irresistível magnetismo.
É verdade que, com excepção de ‘Death Of A Ladies’ Man’ (dos idos de 1977), corpo estranho, facto a que não será alheia a presença do produtor Phil Spector, a atitude de quem ama Cohen: é quase reverencial. Sentamo-nos a ouvir um dos seus discos, ou uma só das suas canções de poeta, dispostos a receber uma lição de ‘sagesse’. Há 36 anos, quando se estreou com ‘Songs Of Leonard Cohen’, ele já era um velho sábio, um homem indisponível para o juízo fácil e para o refrão óbvio. O espantoso é que se tenha mantido imaculado, mesmo nos tempos ‘negros’ de ‘Songs Of Love and Hate’ ou nas épocas de primado rítmico como em ‘I’m Your Man’, de uma ponta à outra da carreira.
Agora, a surpresa está numa rejuvenescida simplicidade de processos, e até da escolha das palavras, mesmo que entre os temas escolhidos venham cada vez mais à superfície a morte, a velhice, o cansaço, a degradação física, até as significativas dedicatórias aos amigos desaparecidos. O espanto está na adopção de poemas curtos, muito mais directos do que lhe era hábito e marca distintiva. Cohen, muito bem apoiado por Sharon Robinson (que volta a repetir o papel primordial que já mantinha em ‘Ten New Songs’) e por Anjani Thomas, cantoras e co-autoras, chega mesmo a remeter a sua voz, mais grave e cavernosa, a um deliberado segundo plano, deixando que as cores dos cantos femininos prevaleçam. Outra raridade: vai buscar palavras à pena alheia, seja ela de Lord Byron ou de Frank Scott.
‘Dear Heather’ está longe, com tudo isto, de ser um disco a que vá garimpar-se a ruptura. É, ao primeiro encontro da voz com o saxofone tenor de Bob Sheppard, algo com o selo de Cohen. Mas traz momentos que se juntam, sem apelo, ao melhor do currículo do autor: ‘Because Of’, linear e tocante na fotografia da sua relação com as mulheres, ‘The Letters’, outra matéria recorrente na obra em causa, de final inesperado, ‘Morning Glory’, que começa com um ambiente que podia ser de Angelo Badalamenti, ‘On That Day’, revisita pessoalíssima ao 11 de Setembro, ‘There For You’, o mais elíptico dos poemas, ‘Nightingale’, quase um madrigal, e ‘The Faith’, que – se o não conhecêssemos – podia soar como uma despedida. Não, não é. Afinal, o Outono é um tempo de transição. E, no caso de Leonard Cohen, apenas o bilhete para a viagem até à próxima estação.
Em tempo de crise, pode parecer um excesso a edição de um CD duplo de Fado. Mas a verdade é que a audição de ‘Aconteceu’, de ANA MOURA, se transforma numa experiência gratificante. No primeiro disco, o Fado-canção; no segundo, sabor tradicional. Com Natália Correia e Sophia a ganharem novo voo para as palavras. E letras de João Pedro Pais, Tiago Bettencourt (Toranja) e Miguel Guedes (Blind Zero). Por cima de tudo, a voz de quem canta e confirma em pleno um lugar próprio, sereno e convincente.
O esplendor adolescente de tanta dança e tanta festinha (de garagem ou ‘matinée’) justifica plenamente a viagem no tempo proporcionada por ‘Disco’, CD duplo em que se misturam os êxitos meteóricos com os nomes mais perenes de um movimento, o disco-sound, que sempre foi abrangente. Quem tem Chic, Kool & the Gang, Earth Wind & Fire, Gloria Gaynor, Donna Summer, Imagiantion, Village People e KC & The Sun-shine Band não pode queixar-se. A nota mais alta, porém, vai para o enorme BARRY WHITE
Para os que fizeram de ‘Blue Lines’, ‘Protection’ ou ‘100th Window’ registos de descoberta e companhia teimosa, a banda sonora de ‘Danny The Dog’ (filme que promete, com Jet Li, Morgan Freeman e Bob Hoskins) é um balde de água fria. Com uma outra excepção – casos de ‘Polaroid girl’ e ‘Collar Stays On’ – as texturas sonoras dos MASSIVE ATTACK não sobrevivem longe das imagens. Este disco desagua num longo aborrecimento, que o passado impoluto dos rapazes de Bristol não merecia. Nós também não.
São 30 anos de música, a que só a falta de um êxito imediato impede o destaque que merece. JACKSON BROWNE é um daqueles que ajudou a desenhar o som da Califórnia, mas nunca se limitou às fronteiras. As canções são intemporais e justificam plenamente a edição local de ‘The Very Best Of Jackson Browne’ (que não está prevista, pelo menos até final do ano). De ‘Take It Easy’ a ‘Lives In The Balance’, de ‘The Pretender’ a ‘Lawyers In Love’, está aqui tudo o que merece ser recordado. À atenção…
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