Faleceu Carlos Gomes
Carlos Gomes, antigo guarda-redes do Sporting e da Selecção, faleceu ontem, aos 73 anos, após doença prolongada.
Tido como um dos mais geniais jogadores portugueses de todos os tempos no seu posto específico, Carlos Gomes teve uma vida atribulada, indelevelmente marcada pelos traços de rebeldia que caracterizavam a sua personalidade.
Nascido no Barreiro em 1932, cedo sentiu o apelo da baliza. Tinha tudo para ser bem sucedido: destreza, porte atlético, elegância e o toque de loucura que distingue os predestinados para a função.
Aos 17 anos entrou para os juniores do Barreirense e pouco tempo depois já Sporting e Benfica o disputavam. Por 45 contos, o Barreirense acordou vender o seu passe aos ‘leões’, mas logo aí se fez notar o seu espírito contestatário, pois recusou-se a ser mero objecto no negócio.
Dez mil escudos de luvas acabaram por o convencer e iniciou então uma era na baliza do Sporting. A conquista da baliza da selecção nacional foi o passo seguinte. Estreou-se em 1953 (tinha 21 anos...), mas apenas cinco anos e 18 internacionalizações mais tarde renegou à baliza do País, em choque com os dirigentes federativos.
Em 1958 entrou também em rota de colisão com o Sporting. Foi transferido para o Granada, de Espanha , mas regressou aos ‘leões’, que o cederam ao Atlético. Por essa altura, acontece o episódio mais marcante da sua vida: é acusado da violação de uma jovem sua empregada, num negócio de fotografia que entretanto montara. Mas sempre se afirmou vítima de uma cilada armada pelo Sporting, em conluio com a PIDE (era, naturalmente, um contestatário do regime). Quando estava prestes a ser condenado, deixou o País.
Sempre com retoques cinematográficos: simulou uma lesão durante um jogo do Atlético, foi substituído e poucas horas depois cruzava a fronteira espanhola. Seguiu para Marrocos (onde o rei lhe propôs cidadania, que recusou), depois Argélia e Tunísia, sempre a brilhar nas balizas por onde passava. Foi julgado à revelia e condenado a onze anos de prisão. Só em 1983 regressou a Portugal. Chega agora ao fim o trajecto do guarda-redes que jogava sempre de negro “em sinal de luto pelo futebol português, entregue a doutores”. Hoje, as vestes trocam-se. É o futebol nacional que por ele se enluta.
O funeral realiza-se esta tarde, pelas 15h30, no cemitério de Vila Chã, no Barreiro.
CARLOS António do Carmo Costa GOMES nasceu no Barreiro, em 18 de Janeiro de 1932. Começou a jogar oficialmente nos juniores do Barreirense e ainda nesse escalão foi transferido para o Sporting, clube cujas balizas defendeu em 221 jogos oficiais ao longo de oito temporadas. Neste período conquistou cinco títulos de campeão nacional e uma Taça de Portugal.
Foi internacional 18 vezes. Jogou depois no Granada (Espanha) e regressou ao Sporting, que o cedeu ao Atlético. Mais tarde representou clubes em Marrocos, Argélia e Tunísia. Sempre em países magrebinos, iniciou então a carreira de treinador, mas sem
o sucesso conquistado enquanto jogador.
'UM GIGANTE NA BALIZA'
“O Carlos Gomes foi dos melhores guarda-redes
portugueses de sempre. No Sporting houve três gigantes na baliza: o Azevedo, ele e o Damas. Conheci-o quando subi de júnior para sénior, mas depois ele foi para o Atlético. Tinha um feitio muito especial e era muito brincalhão. Acima de tudo, era muito confiante. Por brincadeira, quando ia a estágios da Selecção, a primeira coisa que ele dizia aos outros guarda-redes era: ‘Olhem bem para estas mãos. Já viram? Agora perguntem o que vieram cá fazer’.”
Manuel Pedro Gomes, ex-jogador
“Não tive a honra de jogar com ele, em partidas oficiais, embora tivéssemos feito alguns jogos particulares juntos, durante uma pré--temporada, antes de ele ir para Espanha. Mas, nesse pouco tempo que estivemos juntos, vi um dos melhores guarda-redes que alguma vez passou pelo Sporting. Era um fora-de-série, um predestinado. Quem o via dizia sempre que tinha nascido com um dom especial, o de ser guarda-redes. Tinha uma intuição rara. É uma perda para o futebol português e para o Sporting.”
Hilário da Conceição, ex-jogador
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