Há 13 anos, enquanto vice-presidente do Benfica, foi vítima de inúmeras ameaças. Denunciou as agressões, mas nunca apresentou queixa nos tribunais: “Não era uma prioridade. Entregámos o caso ao Governo”. Há uma semana ficou chocado ao voltar a ver o homem que vivia protegido por um intocável Pinto da Costa.
Correio da Manhã – Em 1991, foi uma vítima do guarda Abel, nomeadamente após um FC Porto-Benfica. O que sentiu quando viu, tantos anos depois, a fotografia dele nos jornais?
Gaspar Ramos – Não o identifiquei imediatamente, mas sabia que conhecia aquela figura de algum lado. Quando me apercebi que se tratava do guarda Abel, nem queria acreditar. Depois das denúncias que fizemos, depois dos tristes casos de 1991 esperava não voltar a vê-lo. Na altura, ele pertencia à ‘entourage’ de Reinaldo Teles e agora, aparece como guarda-costas da mulher de Pinto da Costa. Com este regresso, o guarda Abel humilhou a catedral e os benfiquistas. Chocou-me vê-lo na Luz.
– Tudo. O que se passou no FC Porto-Benfica desse ano, a ameaça de morte do guarda Abel a João Santos, então presidente do Benfica, as ameaças telefónicas que sofri, eu e a minha família. Voltei a ver o filme.
Chegou a estar cara a cara com ele?
– Cheguei. E posso dizer que nunca tinha visto uns olhos com tanto ódio. Se pudessem disparar balas, aqueles olhos matavam.
A intimidação resultou?
– Não, medo nunca senti, mas era revoltante e muito perturbador. Quando recebia os telefonemas ameaçadores, nos quais prometiam fazer-me isto e aquilo, respondia sempre com dureza. Enquanto fui director do SLB nunca deixei, por medo ou intimidação, de denunciar tudo o que fosse contra o Benfica, em particular, e o futebol, em geral.
O Benfica chegou a recorrer aos tribunais?
– Não. Depois dos incidentes nas Antas, o Benfica fez uma exposição ao ministro da Educação, Roberto Carneiro, que tutelava, também, o desporto. Entregámos um dossiê completo, que incluia fotografias da actuação do guarda Abel e do seu grupo, testemunhos de dirigentes agredidos nas Antas, num relato exaustivo do que se passou. Junto, seguiu um relatório que os dirigentes do Belenenses nos entregaram sobre os incidentes que ocorreram num Belenenses-FC Porto. Nesse relatório, os dirigentes do Belenenses afirmavam ter visto armas no estádio, levadas pelo guarda Abel e pelo seu grupo. O ministro mostrou-se muito preocupado, garantiu-nos que remeteria o processo ao Ministério da Admnistração Interna para investigação porque era preciso tomar medidas.
Dias Loureiro, o então ministro da Admnistração Interna, chegou a apresentar um relatório que confirmava a existência desse grupo no FC Porto...
– Exactamente. Era um relatório concludente. Pinto da Costa negava qualquer relacionamento com o guarda Abel, dizia que nem sabia quem ele era e que o FC Porto não utilizava guarda-costas. Em resultado da investigação, esse relatório afirmou precisamente o contrário, só que nunca ninguém foi punido. O único que se sentou no banco dos réus fui eu porque chamei hipócrita a Pinto da Costa.
Com todos esses dados é difícil de explicar a inexistência de uma queixa-crime nos tribunais...
– Naquela altura não se recorria ao tribunal como agora. Entregámos o caso ao Governo e ficámos à espera. A investigação do Ministério da Admnistração Interna foi lenta e o tempo foi passando. Limitámo-nos a denunciar o caso na comunicação social e ao Governo.
Como explica que não tenha havido punição?
– Naquela altura era muito difícil mexer com Pinto da Costa. Ele controlava realmente o sistema e afrontá-lo era quase impensável. Não existe qualquer tipo de semelhança com o que se passa hoje. Agora é fácil, até porque Pinto da Costa não tem, realmente, a força que tinha e que levava o poder político a temer o mais pequeno confronto. Fez-se aquele relatório, mas depois o caso acabou por ser esquecido.
Mas havia provas concretas da ligação entre o guarda Abel e Pinto da Costa?
– O guarda Abel tinha um cartão passado pela Federação que lhe permitia seguir a comitiva do FC Porto e ter acesso aos campos. Como era possível ele ter um cartão sem o presidente do clube saber disso?
Mas em todos os incidentes nunca se viram dirigentes misturados na confusão. Recorda-se da ameça do guarda Abel a João Santos?
– Foi na tomada de posse do Salgueiros. O guarda Abel apareceu e disse que ia matá-lo ao hotel onde ele estava hospedado (creio que João Santos estava no Hotel Batalha). O episódio foi de tal maneira feio que o presidente do Salgueiros mandou o ‘chauffer’ trazer João Santos a Lisboa logo nessa noite, evitando assim a estadia no hotel.
As provas, pelos vistos, eram muitas...
– Eram, mas, como disse, nessa altura não era uma prioridade recorrer ao tribunal. Denunciámos, respondemos com determinação. E se não tivessemos sido tão determinados não tínhamos ganhado o que ganhámos. O FC Porto percebeu que aquelas atitudes mereciam a condenação de todos e o certo é que o guarda Abel acabou por ser afastado e pouco tempo depois desapareceu. Quando os comportamentos deixavam transparecer demasiado e as atitudes era ostensivas, fosse na arbitragem ou na segurança, Pinto da Costa retirava-lhes a confiança. Veja-se os casos de Francisco Silva, Guímaro ou Calheiros.
Recorda-se desse jogo que o Benfica venceu, com dois golos de César Brito?
– Como se fosse hoje. A pressão começou antes do jogo. O FC Porto dizia que o árbitro do encontro, Carlos Valente, tinha viajado com a equipa do Benfica no mesmo comboio, o que era falso. No dia do jogo, os jogadores foram obrigados a equipar-se no corredor porque colocaram um produto tóxico nos balneários. O nosso fotógrafo tirou fotografias, mas, por precaução, entregou-nos o rolo. E fez bem, porque quando saiu tiraram-lhe a máquina. Acabámos por entregar o rolo à comunicação social.
Mas quem lhe tirou a máquina?
– O guarda Abel e o grupo que comandava e que andava por todo o lado, inclusivamente nos túneis de acesso ao relvado.
Chegaram a falar um com o outro?
– Qualquer diálogo era impossível porque eles vociferavam continuamente.
E os dirigentes do FC Porto nada faziam?
– Não. Nunca se viam dirigentes do FC Porto.
Chegaram a sentir necessidade de medidas especiais de segurança?
– Não. Os incidentes nas Antas tinham sido um escândalo, fora demonstrada a existência de uma guarda pretoriana dentro do FC Porto e alguns dirigentes do clube sentiam-se incomodados. José Guilherme Aguiar, que era vice-presidente do FC Porto, chegou a dizer-mo. Sobretudo, porque, no fim do jogo, Jorge de Brito e Fezas Vital foram agredidos quandos se dirigiam à cabina e tiveram que se refugiar numa ambulância da Cruz Vermelha, ambulância essa que eles tentaram virar. Os dois dirigentes sofreram escoriações e, sobretudo, um enorme susto. Ainda bem que nessa altura o guarda Abel e o seu grupo desapareceram. Foi bom para todos, a começar pelo próprio FC Porto, um clube que não pode ser confundido com isto.
"VEIGA NÃO PODE MISTURAR BENFICA EM GUERRA PESSOAL"
A guerra de bilhetes que precedeu o último Benfica-FC Porto prejudicou ou beneficou o Benfica?
– Pinto da Costa atirou uma casca de banana e os dirigentes do Benfica não o perceberam. Pinto da Costa não estava interessado em jogar, agora, aquele jogo. E porque com ele nada acontece por acaso, não acredito que o FC Porto se tivesse esquecido de requisitar os bilhetes a que tinha dirieito. Quem conhece Pinto da Costa sabe que isso é impossível. Penso que foi uma estratégia a que os dirigentes do Benfica não souberam responder. Não souberam manter a calma e o bom senso de quem leva quatro pontos de avanço. Essa calma e segurança teriam enervado muito mais o FC Porto.
O que pensa sobre o que se passou depois do jogo?
– Foram ditas frases e tomadas atitudes que nunca vi, nem ouvi no Benfica. Foi-se muito mais longe do que o próprio Pinto da Costa é capaz de ir nos seus piores momentos. Lamento que os actuais dirigentes do Benfica tomem a crítica como um ataque ao clube. E lamento que rotulem de despeitados todos os que discordam das suas atitudes.Eu estou à-vontade: não quero ser mais nada no SLB nem troco a minha liberdade por um lugar no camarote. As afirmações de José Veiga, secundadas pelo presidente, não se coadunam com a história do Benfica. José Veiga não pode misturar o Benfica na guerra pessoal que trava com Pinto da Costa. Não tem esse direito.
Mas também houve a provocação de Carolina Salgado...
– As atitudes devem ficar com quem as pratica. Os dirigentes do Benfica deviam ter-se limitado a este comentário. A discussão deveria ter sido voltada exclusivamente para a arbitragem porque, aí, estou de acordo, o Benfica foi prejudicado. E esse era o debate a fazer.
Antes de assumir cargos de direcção do Benfica, Gaspar Ramos foi atleta do clube ao longo de 14 anos. Distinguiu-se no râguebi, tendo sido capitão de equipa durante anos e internacional português. O filho seguiu-lhe as pisadas e também praticou a modalidade de águia ao peito.
José Gaspar Ramos entrou no dirigismo desportivo, em 1975, como director desportivo das actividades amadoras. Dois anos mais tarde, passou a director das instalações sociais. Em 1979, chegou a chefe de departamento de futebol, cargo que ocupou até 1981.
Regressa ao futebol, primeiro em 1987 e, mais tarde, em 1992, tendo participado na conquista do último título. No longo currículo, conta com cinco títulos de campeão nacional, quatro taças de Portugal, duas supertaças e duas presenças na final da Taça dos Campeões.
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