0% de álcool, 100% cool

Sob o lema ‘Um Por Todos e Todos na Boa’, em dois meses, as Brigadas 100% Cool fizeram milhares de testes do balão e deram prémios a quem não tinha álcool no sangue.

16 de janeiro de 2005 às 00:00
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Passam poucos minutos das duas da manhã quando a carrinha das Brigadas 100% Cool pára atrás da discoteca Queens, em Alcântara. Bruno Pinheiro chega acelerado e não perde tempo. Afoito, aborda a equipa e pergunta se já pode fazer o teste do balão. É o primeiro da noite, que abre com chave de ouro. Um sopro leva o aparelho a disparar até aos 0.57 gramas de álcool por litro de sangue, o suficiente para ultrapassar os limites impostos pelo código da estrada.

Bruno acha graça, porque ali ninguém o vai multar, recebendo apenas a recomendação de que naquele estado nunca deve pegar no carro – acabará por confessar ter ficado sem viatura após um acidente envolvendo um grupo de ingleses alcoolizados.

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Se estivesse a conduzir e fosse abordado pela polícia, o estudante de Marketing e Publicidade do IADE não escaparia a uma desagradável coima. Mas como não é o caso, comenta: “Até estou admirado comigo mesmo, acho que a bebida deve estar estragada. Pensava que ia registar muito mais! Um homem é um homem...”, diz entre risos enquanto coloca um pouco convincente ar de macho.

Com 26 anos, Bruno viu a acção das Brigadas pela primeira vez no Largo do Camões, junto ao Bairro Alto, e quis fazer o teste depois de beber uns copos valentes, porque “sem álcool no sangue não teria piada”.

A animação dura pouco. Vários elementos de um grupo em grande folia estão a aconchegar o estômago em frente às roulottes de cachorros quentes quando acedem ao apelo da Brigada de Rua. Mas a noite começou cedo para eles e os números do aparelho dão mostras de pouco sangue no álcool.

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O condutor regista 1.47, valor considerado crime, o suficiente para ficar sem carta, sem carro e ir pernoitar à esquadra mais próxima. “É pá, não quero fotos, nem metam isto no jornal. Não quero aparecer”, sublinha quando se apercebe da reportagem.

Desconfiados, porque o seguro morreu de velho, os jovens preferem o anonimato, mas não desdenham uma fotografia “só para o site das brigadas”.

As quatro promotoras posam para a câmara. Estão habituadas a lidar com situações desta natureza, embora nem sempre se sintam à-vontade em relação ao assédio dos mais desinibidos.

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CLIENTES MAIS OUSADOS

Corina, Joana, Nádia e Ana têm ultrapassado as mais diversas situações com um sorriso nos lábios, embora saibam por experiência própria que é difícil lidar com o assédio de alguns indivíduos, em especial quando têm um copo a mais. “Às vezes estão alcoolizados e isso torna-os aborrecidos. Não têm noção de até que ponto estão a ser chatos. Até encontramos alguns deles noutros dias, estão sóbrios e são normalíssimos, muito simpáticos connosco. Nem parecem as mesmas pessoas”, explica Ana. As promotoras tratam os conhecidos por ‘clientes’, aqueles que não hesitam em fazer o teste cada vez que as encontram – há muitos repetentes, normalmente bem dispostos e pouco dados a conflitos.

De resto, nem é difícil convencer as pessoas a soprar o balão, embora muitas duvidem dos resultados, em especial quando são elevados. “Há muita gente que não tem noção, bebe imenso e depois começa a negar tudo, a dizer que é impossível, que a máquina está avariada, que não pode dar aquele resultado. Nesses casos não há nada a fazer”, sublinha Nádia.

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Aos 24 anos, Joana tem um ar frágil e tímido, mas é o elemento mais descontraído da equipa. Nas primeiras semanas cabia-lhe a tarefa de quebrar o gelo, ir ter com os porteiros e explicar o que estavam a fazer. Nunca foi mal recebida até porque, refere, não quer impedir ninguém de ingerir álcool. “Desejamos apenas que o condutor deixe de beber, para poder levar os amigos mais ‘estragados’ a casa, logo não estamos a tirar clientela aos bares e discotecas.”

AMIGAS SÓBRIAS

A iniciativa, levada a cabo pela Associação Nacional de Empresas de Bebidas Espirituosas (ANEBE), no âmbito da responsabilidade social do sector, divide-se em dois momentos distintos. Das 23H00 às 02H00 as brigadas de rua contactam os jovens, distribuem folhetos e promovem o projecto, procurando sensibilizar os que já conhecem a iniciativa para que sejam ‘100% Cool’ nessa noite.

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O segundo momento, entre as duas e as cinco da manhã, passa pela realização dos testes de alcoolémia em locais seleccionados. Para isso, a equipa questiona os transeuntes sobre se têm carta de condução – o público-alvo situa-se entre os 18 e os 26 anos.

No Bairro Alto existem vários ‘100% Cool’ – zero por cento de álcool –, bem mais raros de apanhar na zona do Dock’s, onde as altas horas da madrugada convidam a excessos. Não é o caso de Sónia Silva e Sofia Francisco, que saem do Indochina animadas, de sorriso nos lábios e sem tropeções na calçada.

A ‘ladies night’ possibilitou-lhes bebidas à borla, muita conversa e um pezinho de dança, sempre sem perderem a razão. Sofia registou 0.2. E confessa ter reparado que, depois das Brigadas terem começado a actuar, há mais agentes da autoridade a controlar os noctívagos. “A polícia deve ter ficado envergonhada com o facto de pessoas incógnitas virem fazer estes testes a quem sai das discotecas e passadas algumas semanas começaram a estar mais presentes. Quando a notícia apareceu havia brigadas todos os dias e em todo o lado.”

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Sónia, por seu turno, acusou 0.37 e considera ser mais fácil levar as pessoas a fazerem o teste sabendo que não vão ser multadas, até porque “muitas vezes numa operação da PSP aquilo é capaz de dar zero”.

As duas amigas lembram que o consumo obrigatório nos locais de diversão nocturna incentiva aos copos. Afinal “quem é que vai pagar 12 euros à entrada e beber apenas água ou Coca-Cola?”, questionam antes de responderem a uma só voz: “Muito pouca gente”.

GANHAR CONSCIÊNCIA

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Para tentar alterar a conjuntura, Miguel Rocha aceitou sem hesitar a supervisão das Brigadas 100% Cool, que desde 15 de Novembro contactaram em todo o País um total de 23 mil jovens, bombardeados com a mensagem do consumo de álcool moderado e responsável.

Na altura de fazer o ponto de situação, Miguel não tem dúvidas: “Esta acção correu lindamente. Muitas pessoas ficaram a conhecer o projecto, e até nos procuravam para fazer o teste do álcool. Certas noites, às duas da manhã já estava uma fila de gente a querer soprar o balão”.

Mas nem tudo foram rosas. Em determinadas ocasiões, muitos dos que esperavam para pôr o fôlego à prova queriam apenas entrar numa bizarra competição: ver quem conseguia fazer o aparelho mostrar um número mais elevado.

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Apesar disso, o supervisor lisboeta acredita nos efeitos práticos da iniciativa. “A selecção de um colega que não beba numa noite de copos tem-se tornado numa realidade. Pode ser que a revolução aconteça por aí.”

Orlando Batista, 28 anos, soprou o balão à saída do Indochina, registou 0.22 e partilha o optimismo de Miguel, mesmo com algumas visões menos animadoras. “Antes de virmos para aqui, eu e o meu grupo de amigos estivemos em Santos, onde vimos miúdos de 14 anos completamente desgraçados. Daqui a 10 anos são perfeitos alcoólatras”, atira: “Tem de haver controlo nesta área. Como é que, por um lado, se está a pedir aos jovens que não bebam e, por outro, se realizam festas patrocinados por bebidas alcoólicas?”.

Até à madrugada do passado dia 9, os números totais da campanha ‘100% Cool’, na estrada desde 15 de Novembro de 2003, apontavam para o contacto com 22.958 jovens divididos por Lisboa, Porto e Coimbra, assim como a realização de 3.960 testes de alcoolémia aos condutores.

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Segundo a ANEBE, tanto a reacção dos jovens testados como os resultados preliminares das abordagens por parte das Brigadas de Rua estão em linha com os resultados do relatório ESPAD 2003 – Inquérito Europeu aos Jovens em Meio Escolar, relativo ao consumo de álcool e outras drogas.

Os dados colocam Portugal na cauda da Europa no que diz respeito ao consumo exagerado de álcool. Em relação ao estado de embriaguez, por exemplo, os jovens portugueses dão um bom exemplo: 3% estiveram ‘alterados’ mais de 20 vezes ao longo da sua vida, contra 20% a 30% de jovens de outras nacionalidades.

PERGUNTAS A... MÁRIO MONIZ BARRETO ( Secretário-Geral da ANEBE )

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Os portugueses são ‘cool’?

Um trabalho realizado em 35 países da Europa aponta para que os jovens portugueses sejam dos que consomem álcool de uma forma mais responsável e moderada. Os nossos resultados também vão nesse sentido.

Como reagem aos testes?

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Temos duas reacções: a dos que são apanhados com o grão na asa e ficam envergonhados, e a de quem esclarece logo que podemos estar descansados que não vão conduzir.

Teme que evitem o álcool para ganhar prémios?

Esperamos que alterem a forma de estar na noite, por se aperceberem de que estão a defender a sua segurança e a dos outros, e não para ganhar prémios. Estes são só uma forma de valorizar quem não bebe.

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Há grandes diferenças regionais?

Lisboa e Porto assumem um comportamento mais moderado, enquanto em Coimbra temos menos jovens com 0% de álcool.

Como é que embarcou nesta aventura?

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Sou licenciado em Direito, fiz um mestrado em Estudos de Guerra no Kings College, em Londres, trabalhei na Comissão Europeia e acabei por ser caçado para este lugar há cinco anos, desde que a ANEBE foi constituída.

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