Alexandre O’Neill: “Os poetas têm muita saída”
Gostava de mulheres e não hesitava em usar a “lábia” para seduzi-las.
Alexandre Manuel Vahia de Castro O’Neill de Bulhões (1924-1986) foi um dos mais estimulantes - e provocadores - poetas da segunda metade do século XX. Sublinhou o contraste entre a vida e a "vidinha", essa forma típica de ser português. Portugal era, aliás, "uma questão que eu tenho comigo mesmo". Praticante da "libertinura" - neologismo que combina libertino e literatura - garantia que "os poetas têm muita saída". Além da "lábia", valia-se até dos apertões nos elétricos para seduzir as muitas mulheres da sua tempestuosa vida afetiva. Nascido numa família com viscondes e barões, pertencia ao ramo português do clã O’Neill, da Irlanda do Norte. A costela celta pode ter estado na origem da rebeldia e da veia poética do jovem Alexandre, que ganhou prémios literários no Colégio Valsassina, em Lisboa, onde fez estudos secundários, e publicou os primeiros versos aos 17 anos, no jornal ‘Flor do Tâmega’, de Amarante.
Depois de ‘A Ampola Milagrosa’, incluída nos Cadernos Surrealistas, lançou em 1951 o primeiro livro, ‘Tempo de Fantasmas’, que inclui ‘Um Adeus Português’, talvez o seu poema mais conhecido, que o colocou na mira da polícia política. ‘O Reino da Dinamarca’, de 1958, traz outro poema famoso: ‘Sigamos o cherne’, que em 2002 se converteria numa espécie de lema da campanha eleitoral de Durão Barroso. Como publicitário criou slogans lendários, embora alguns fossem invendáveis. É também dele a letra do fado ‘Gaivota’, imortalizado por Amália.
Do livro ‘Poesias Completas’,
ed. Assírio & Alvim
"Seios
Sei os teus seios.
Sei-os de cor.
Para a frente, para cima,
Despontam, alegres, os teus seios.
Vitoriosos, já,
Mas ainda não triunfais.
(...) Por que não há
Padarias que em vez de pão nos deem seios
Logo p’la manhã?
(...) Tão tolos os teus seios! Toda a noite
Com inveja um do outro, toda a santa
Noite!
Quantos seios ficaram por amar?
Seios pasmados, seios lorpas, seios
Como barrigas de glutões!
Seios decrépitos e no entanto belos
Como o que já viveu e fez viver!
Seios inacessíveis e tão altos
Como um orgulho que há-de rebentar
Em desesperadas, quarentonas lágrimas...
(...) Seios que vão à escola p’ra de lá saírem
Direitinhos para casa...
(...) Seios adivinhados, entrevistos,
Jamais possuídos, sempre desejados!
(...) Raparigas dos limões a oferecerem
Fruta mais atrevida: inesperados seios...
Uma roda de velhos seios despeitados,
Rabujando,
A pretexto de chá...
Engolfo-me num seio até perder
Memória de quem sou..."
"O amor é o amor
(...)O meu peito contra o teu peito,
cortando o mar, cortando o ar,
Num leito
há todo o espaço para amar!
Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos - somos um? somos dois? -
espírito e calor!
O amor é o amor - e depois?!"
"Chez nous
(...) Por delicadeza não colher a crica que pousa no peitoril da janela. Por delicadeza deixar que o gonococus tome alegremente conta do nosso corpo.
(...) Os segredos do pequeno comércio
sexual dos adultos delicadamente
transmitidos...
Arte de desmanchar. Arte de desflorar de modo que a noiva dê gritos. Processos de verificar se a mulher é virgem. Processos de verificar se a virgem é mulher. (...) As orações de uma viúva a Santo Expedito. Do uso imoderado da mulher e das graves perturbações que ele pode trazer ao cliente.
(...) Ao olho incendiado que me despe fujo delicadamente (as grandes oportunidades que por delicadeza se perdem!) Ofereço o meu braço domesticado à senhora que se vangloria de também cumprir com os seus "deveres" de esposa... Uma lágrima abrindo, inaugurando as rugas dum rosto até então "eternamente jovem". (...) a ternura mais insuportável: desesperado sinal verde através das noites acumuladas numa só e contínua solidão; invisível tumulto dos sentidos; amargo coração apertado nos dentes e pulsando ainda, batendo só por dever.
E o amor feito e desfeito como
uma cama..."
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