Alexandre O’Neill: “Os poetas têm muita saída”

Gostava de mulheres e não hesitava em usar a “lábia” para seduzi-las.

15 de setembro de 2019 às 12:00
Alexandre O’Neill: “Os poetas têm muita saída” Foto: Direitos Reservados
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Alexandre Manuel Vahia de Castro O’Neill de Bulhões (1924-1986) foi um dos mais estimulantes - e provocadores - poetas da segunda metade do século XX. Sublinhou o contraste entre a vida e a "vidinha", essa forma típica de ser português. Portugal era, aliás, "uma questão que eu tenho comigo mesmo". Praticante da "libertinura" - neologismo que combina libertino e literatura - garantia que "os poetas têm muita saída". Além da "lábia", valia-se até dos apertões nos elétricos para seduzir as muitas mulheres da sua tempestuosa vida afetiva. Nascido numa família com viscondes e barões, pertencia ao ramo português do clã O’Neill, da Irlanda do Norte. A costela celta pode ter estado na origem da rebeldia e da veia poética do jovem Alexandre, que ganhou prémios literários no Colégio Valsassina, em Lisboa, onde fez estudos secundários, e publicou os primeiros versos aos 17 anos, no jornal ‘Flor do Tâmega’, de Amarante.

Depois de ‘A Ampola Milagrosa’, incluída nos Cadernos Surrealistas, lançou em 1951 o primeiro livro, ‘Tempo de Fantasmas’, que inclui ‘Um Adeus Português’, talvez o seu poema mais conhecido, que o colocou na mira da polícia política. ‘O Reino da Dinamarca’, de 1958, traz outro poema famoso: ‘Sigamos o cherne’, que em 2002 se converteria numa espécie de lema da campanha eleitoral de Durão Barroso. Como publicitário criou slogans lendários, embora alguns fossem invendáveis. É também dele a letra do fado ‘Gaivota’, imortalizado por Amália.

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Do livro ‘Poesias Completas’,

ed. Assírio & Alvim

"Seios

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Sei os teus seios.

Sei-os de cor.

Para a frente, para cima,

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Despontam, alegres, os teus seios.

Vitoriosos, já,

Mas ainda não triunfais.

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(...) Por que não há

Padarias que em vez de pão nos deem seios

Logo p’la manhã?

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(...) Tão tolos os teus seios! Toda a noite

Com inveja um do outro, toda a santa

Noite!

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Quantos seios ficaram por amar?

Seios pasmados, seios lorpas, seios

Como barrigas de glutões!

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Seios decrépitos e no entanto belos

Como o que já viveu e fez viver!

Seios inacessíveis e tão altos

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Como um orgulho que há-de rebentar

Em desesperadas, quarentonas lágrimas...

(...) Seios que vão à escola p’ra de lá saírem

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Direitinhos para casa...

(...) Seios adivinhados, entrevistos,

Jamais possuídos, sempre desejados!

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(...) Raparigas dos limões a oferecerem

Fruta mais atrevida: inesperados seios...

Uma roda de velhos seios despeitados,

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Rabujando,

A pretexto de chá...

Engolfo-me num seio até perder

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Memória de quem sou..."

 

"O amor é o amor

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(...)O meu peito contra o teu peito,

cortando o mar, cortando o ar,

Num leito

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há todo o espaço para amar!

Na nossa carne estamos

sem destino, sem medo, sem pudor,

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e trocamos - somos um? somos dois? -

espírito e calor!

O amor é o amor - e depois?!"

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"Chez nous

(...) Por delicadeza não colher a crica que pousa no peitoril da janela. Por delicadeza deixar que o gonococus tome alegremente conta do nosso corpo.

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(...) Os segredos do pequeno comércio

sexual dos adultos delicadamente

transmitidos...

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Arte de desmanchar. Arte de desflorar de modo que a noiva dê gritos. Processos de verificar se a mulher é virgem. Processos de verificar se a virgem é mulher. (...) As orações de uma viúva a Santo Expedito. Do uso imoderado da mulher e das graves perturbações que ele pode trazer ao cliente.

(...) Ao olho incendiado que me despe fujo delicadamente (as grandes oportunidades que por delicadeza se perdem!) Ofereço o meu braço domesticado à senhora que se vangloria de também cumprir com os seus "deveres" de esposa... Uma lágrima abrindo, inaugurando as rugas dum rosto até então "eternamente jovem". (...) a ternura mais insuportável: desesperado sinal verde através das noites acumuladas numa só e contínua solidão; invisível tumulto dos sentidos; amargo coração apertado nos dentes e pulsando ainda, batendo só por dever.

E o amor feito e desfeito como

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uma cama..."

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