Ameaça dentro do cockpit
Responsabilidade do copiloto na queda do avião da Germanwings é novo desafio de segurança.
Primeiro bloquearam o cockpit dos aviões, para impedir que outros terroristas copiassem o 11 de setembro de 2001. Após a revelação de que a queda do Airbus A320 da Germanwings nos Alpes franceses, quando seguia de Barcelona (Espanha) para Dusseldorf (Alemanha), provocando a morte de 144 passageiros e seis tripulantes, se deveu ao copiloto da ‘low cost’ germânica, a questão inverte-se: como proteger os ocupantes do avião de quem está aos comandos?
Uma solução foi avançada por várias companhias logo após as autoridades responsabilizarem Andreas Lubitz, um alemão de 28 anos a trabalhar para a Germanwings desde 2013 e com 630 horas de voo, pelo desastre aéreo de terça-feira. A norueguesa Air Shuttle, a islandesa Icelandair, a canadiana Air Transat e a ‘low cost’ britânica Easyjet decidiram que, a partir de agora, passam a ter sempre duas pessoas no cockpit. Ou seja, a saída do comandante ou do copiloto, que é frequente, por razões higiénicas, terá de ser compensada pela entrada de outro tripulante.
Confirmando o que fora noticiado pelo diário norte-americano ‘The New York Times’ na noite de quarta-feira, o procurador francês Brice Robin explicou no dia seguinte que os responsáveis pela investigação já tinham a gravação, recuperada da caixa negra, dos últimos 30 minutos do voo antes do embate. Nos primeiros 20, ouve-se uma "conversa cortês" entre o comandante (à hora de fecho ainda não identificado, mas que tinha seis mil horas de voo) e o copiloto, ao contrário do drama presente nos últimos dez.
Bastou o aviador mais experiente sair do cockpit, deixando o Airbus em piloto automático, para o mais novo trancar a porta, sem responder a apelos cada vez mais desesperados para que voltasse a abri-la. É percetível a sua respiração, tal como é evidente que dirigiu o Airbus para as montanhas, onde estão em curso as operações de recolha de destroços e localização dos corpos das vítimas.
"É o pior acontecimento na história da empresa, mas temos confiança nos nossos pilotos", reagiu, logo de seguida, o presidente da Lufthansa, Carsten Spohr, afirmando-se arrepiado e inquieto com as "revelações inacreditáveis" da investigação ao primeiro desastre da Germanwings, a ‘low cost’ da gigante germânica da aviação, que tem voos de Lisboa para Colónia e Estugarda, preparando-se para iniciar outras rotas com destino ao Porto e a Faro.
PRECEDENTE DA LAM
Devendo-se a morte das outras 149 pessoas – tripulantes e passageiros do voo – às pulsões suicidas de Andreas Lubitz, recordado pelos amigos como um homem gentil e feliz por trabalhar na Germanwings, e a quem não foram encontradas ligações ao terrorismo, não é a primeira vez que o estado de espírito ou a saúde mental de um piloto de linha aérea culmina em tragédia. A 29 de novembro de 2013, um avião Embraer 190 das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM), que descolou de Maputo com destino a Luanda (Angola), despenhou-se num parque nacional da Namíbia. Os 27 passageiros e seis tripulantes morreram, mas descobriu-se que um deles foi o culpado. Tal como no caso da semana passada, o comandante trancou-se no cockpit e arrastou mais 32 pessoas para a morte.
O desastre começou por ser dado como inexplicável, por especialistas de aviação civil, ainda que os dados registados numa das caixas negras indicassem que a altitude fora alterada manualmente, e de forma repentina, dos habituais 38 mil pés (11 500 metros) até 592 pés (180 metros). Mais tarde, recolheram-se indícios de que o piloto, Hermínio dos Santos Fernandes, estaria perturbado, devido a uma sucessão de problemas pessoais, e entendeu suicidar-se.
Perante este tipo de casos, o presidente da Lufthansa disse na quinta-feira que "nenhum sistema no Mundo poderia impedir" o que sucedeu, admitindo, ainda assim, que Andreas Lubitz iniciara formação em 2008, interrompendo-a durante algum tempo – segundo alguns relatos, devido a problemas psicológicos – até passar a copiloto de Airbus A320 em setembro de 2013. E lembrou que os testes médicos realizados anualmente pela transportadora aérea, que tem 80 aviões e voa para 86 destinos, também incluem exames psicológicos.
Em Portugal, segundo disse à ‘Domingo’ um piloto experiente, os exames psicotécnicos realizam-se na altura do recrutamento, mas as consultas obrigatórias anuais na TAP – que deixaram de passar a semestrais depois dos 40 anos – não incluem avaliações psicológicas. A ‘Domingo’ tentou confirmar esta informação, o que não foi possível até à hora de fecho.
CÓDIGOS DE ENTRADA
Quanto aos procedimentos a seguir quando um dos aviadores se ausenta do cockpit, não existe uma recomendação oficial na companhia de bandeira portuguesa, mas é prática comum que entre um dos tripulantes nesses momentos, tão mais frequentes quanto mais demorado for o voo. De qualquer forma, caso o piloto que ficou no cockpit não abra a porta ao colega – o que poderá acontecer por ter perdido os sentidos ou ter sofrido um problema de saúde inesperado –, quem estiver na cabina deve inserir um código de desbloqueamento. Mas o efeito não é imediato, demora um minuto. E, mais uma vez devido às cautelas antiterroristas após os atentados de 11 de setembro de 2001, quem lá estiver dentro tem a opção de travar manualmente a abertura da porta. Terá sido precisamente isso que Andreas Lubitz fez.
Nesse cenário, restam alternativas desesperadas, como o arremesso de ‘trolleys’ de comidas e bebidas contra a porta ou outras tentativas de arrombamento. Quanto ao trágico voo da Germanwings, o procurador Brice Robin, da comarca de Marselha, só pôde dar um pequeno consolo aos familiares que choram as 149 vítimas de Lubitz: "Só se ouvem gritos nos últimos segundos. A morte foi instantânea. Penso que só perceberam o que se estava a passar no último minuto."
‘LOW COST’ AINDA NÃO TINHAM ACIDENTES FATAIS
Ficou provado que a queda do avião da Germanwings (companhia detida pela Lufthansa) não se deveu a problemas de manutenção ou falhas técnicas, mas a tragédia de terça-feira foi um marco negativo para as ‘low cost’ europeias. Até essa data, nenhuma dessas companhias tinha acidentes mortais, mantendo-se o registo para as restantes transportadoras desse género que voam de e para aeroportos portugueses, como a Ryanair, a Easyjet e a Vueling.
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