António Domingues: O capital agora é outro

Entre 2003 e 2013, quando era administrador do BPI, ganhou com a venda de ações do banco mais de nove milhões. Foi um dos passos em direção à fortuna que terá feito, entre 2000 e 2015, de mais de 19 milhões de euros. O presidente da CGD Tem 59 anos e já andou com a guedelha grande e uma barra de ferro dentro da meia. Longe vão os tempos da militância no MRPP. As ações agora são outras e não têm ideologia

13 de novembro de 2016 às 11:44
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Usava   cabelo comprido. Mesmo que tivesse a tradicional barra de ferro escondida dentro da meia, na perna direita, não lhe   serviu   para   nada.   Foi preso. No dia 28 de Maio de 1975. Em Lisboa. Provavelmente na Rua Barão de Sabrosa, 159 - A, a morada da editora Vento de Leste. O ataque ao Movimento   Reorganizativo   do Partido   do   Proletariado (MRPP)   efectuado   pelas forças, digamos, militares do COPCON, encabeçado por Otelo Saraiva de Carvalho, trouxe a consequência: 400 detidos. Saiu um balúrdio ao partido criado pelo   triunvirato   Arnaldo Matos,   Fernando   Rosas   e João Machado o sequestro do guineense Marcelino da Mata, levado a cabo por um grupo de militantes liderado por Saldanha Sanches, que   o   entregou   à   assembleia de soldados do RAL1 para   ser   torturado.   António, com o apelido de pai e de mãe Domingues, angariado pela intuição do saudoso marido de Maria José Morgado, era, segundo um antigo camarada, um partidário, "um simpatizante   activo   e enérgico".   Ainda   há quem se lembre do dia em que José Luís Saldanha   Sanches   trazia   a   boa   nova: "Vamos ter outro   camarada."   E   tiveram.   O   actual presidente da Caixa Geral de   Depósitos,   nascido   no dia   30   de   Dezembro   de 1956,   em   Sabadim,   uma freguesia   do   concelho   de Arcos   de   Valdevez,    alcunhado pelo avô de ‘Pinta’, descendente   de   pequenos comerciantes rurais, vindo ao   mundo   no   seio   de   fa- mília onde o dinheiro não boiava,   embora   nunca nada lhe tenha faltado.

O recém-recrutado vinha da Federação dos Estudantes   marxistas-leninistas, em   Lisboa.   Recrutado, ponto   e   vírgula.   António Domingues já chegara a ser representante da estrutura para a juventude, em Braga. A influência dos livros que lera na casa do tio, na altura em que completava o liceu em Guimarães, terá sido   determinante.   José António   Ribeiro   Santos, um dos quadros da referida federação,   haveria   de   ser assassinado   em   Outubro de 1972 em Económicas, no então ISCEF, actual ISEG, o estabelecimento de ensino superior de Economia que daria, mais tarde, a licenciatura a António Domingues. Desde que os tiros da PIDE tinham acertado na vida do jovem estudante de Direito, o ISCEF transformara-se num dos pólos   mais   activos   do MRPP. No período quase imediato que antecedeu a Revolução   de   Abril   de 1974, António Domingues participava   em   acções   de rua, e ainda não ingressara na faculdade.

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A   sua   biografia   política teve, talvez, duração curta, de 1973 a 1975 – mas a intensidade dessa fase vale por um século inteiro, suspira um ex-militante. Depois de os cravos terem ganho   no   Largo   do   Carmo, António   Domingues   deixou   de   colar   cartazes,   de fazer vigilância nos comícios e de pintar as paredes. A sua incumbência, digamos,   inclinou-se   para   a área   cultural.   Tida   como uma pessoa incapaz de se envolver em guerras políticas internas, como todos os jovens que por lá andaram – tirando algumas excepções, corrige um idealista –, não lhe faltava discurso. A sua saída, contudo, sentencia alguém que viveu   esse   tempo,   ficou marcada. Expulso, se alguma vez foi militante oficial.

O "troca-tintas"

Ainda existe um membro do MRPP que o chama de "troca-tintas".   As   duas correntes   que   agitavam   o MRPP dividiam-se em cores.   António   Domingues, no início, seguia a inspirada por Arnaldo Matos, que circunscrevia   o    Partido Comunista como o fundamental inimigo político – a ‘Linha vermelha’. Mas depois   ter-se-á   abeirado   na ‘Linha   negra’,   governada por Saldanha Sanches, que defendia uma avizinhação aos comunistas. Logo a seguir a ter sido libertado, e o PREC   vivido   muito   antes do 25 de Novembro de 1975, António Domingues bate com a porta e não quer saber de nada que venha daqueles lados. Línguas com aftas   pesam-se   ao   quilo: "Não   tenho   dúvidas   nenhumas: António Domingues saiu do MRPP porque começava a ver que a nível profissional não ia a lado nenhum." Não ia, não.

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Começava   o   curso   de Economia com modéstia e terminaria   no   quadro   de honra   com   16   valores   de classificação final de licenciatura. Contactados pela ‘Domingo’, os antigos colegas de Economia no quadro do Louvor não se recordam de   António   Domingues: "Ele   estudava   no   horário nocturno." A namorada da época,   que   mais   adiante será sua mulher, Ana Figueiredo, aluna de Arquitectura oriunda da zona de Viseu, permanecerá ainda no partido, colabora com a revista do partido ‘Yenan’ e   participa   em   diversas actividades   em   conjunto, como por exemplo no mural   no   Instituto   Superior Técnico, durante a campanha   do   general   Ramalho Eanes   nas   eleições   presidenciais de 1976.

Licenciado   de   fresco,   e longe fisicamente da ideologia marxista, estreia-se na   qualidade   de   economista no gabinete de estudos e planeamento do Ministério   da   Indústria   e Energia,   no   começo   de 1980, no governo de Francisco Pinto Balsemão.

Seguem-se IPAME, o Departamento de Estrangeiro do   Instituto   Emissor   de Macau, a assessoria técnica do Departamento de Estrangeiro do Banco de Portugal,   o   Banco    Português do Atlântico, em Paris.

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Até chegar à administração do BPI, conheceu as direcções financeiras e internacional. O convite de Mário Centeno para comandar o maior banco português encostou para canto a vice-presidência do Conselho de Administração do banco presidido por Fernando Ulrich.

Não quer mostrar quantas casas e quantos barcos tem.   O   património   assemelha-se à roupa interior: não   se   mostra.   Recusa-se que se saiba em quê, afinal, transformou   os   cerca   de nove milhões de euros com a venda de acções.

Com o fruto destes títulos, e a somar os 10 milhões de euros auferidos em remunerações fixas e variáveis como administrador do BPI entre 2000 e 2015, o novíssimo   presidente   da Caixa Geral de Depósitos, que   jura   a   pés   juntos   que não entregará a declaração de património e rendimentos no Tribunal Constitucional, ganhou, de 2000 a 2015, para cima de 19 milhões de euros.    

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No início da carreira, saiu do Banco de Portugal e não quis conservar o elo à instituição, deixando o chefe de boca   aberta.   Interessa-se por História, especialmente   dos   séculos   XIX   e   XX. Não   é   um   perfeccionista, mas gosta das coisas bem feitas. É sensível à escrita, à boa   escrita,   aprecia   Jorge Luis   Borges,   adora   navegar, praticar vela, é sócio da Associação Naval de Lisboa. De música clássica e jazz,   gosta,   e   muito,   e   de sistemas de som. Está, assegura   fonte   próxima, sempre disponível para os amigos. Salvou José Freire Antunes quando o estômago   do   ex-camarada   de MRPP se alagou de sangue.

Pai orgulhoso de Leonor, uma engenheira civil, discreto, sereno e um negociador feroz, sem precisar de elevar   a   voz,   tique   que aprendeu na China. Outrora   fez   ciclismo   e   corre   na zona da Estrela. Não é o dinheiro que o faz correr, avisa um colaborador. É a palavra: "A senhora não duvide: Mário Centeno terá garantido a António Domingues que não era obrigado a entregar   a   declaração   de rendimentos", assegura em off um amigo socialista.    

Encontrar   alguém   que possa falar em on sobre o novo CEO da CGD é obra. António Repolho Correia não fala. Graça Gonçalves Pereira   não   devolveu   a chamada.   Jorge   Braga   de Macedo foge a sete pés. Ricardo Baião Horta não se lembra se António Domingues trabalhou consigo no governo.   Álvaro    Barreto esteve reunido o santo dia. Curioso.   José   Pena   Amaral, do BPI, não teve vagar para ajudar a construir este perfil,   pertencia   ao   MES (Movimento Esquerda Socialista). António Domingues era, aliás é, ex-MRPP: "Isto não nos passa", sentencia um ex-seguidor.

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