Dançando com Tavares
Quem se lembra de canções como “More Than a Woman” e “Heaven Must Be Missing an Angel”?
Feliciano Vieira Tavares, aliás Feliciano Vierra “Flash” Tavares, aliás Flash Tavares nasceu em 1905 em Providence, capital do estado de Rhode Island. Flash aprendeu a tocar violão e guitarra no bairro de Fox Point, onde portugueses e cabo-verdianos faziam parte da sua paisagem colorida. A irmã, Victória Tavares Vieira, aliás Vickie Vierra, era uma diva da música cabo-verdiana local, cheia de swing, marcada pelo jazz que ouvia na rádio e nas grandes e pequenas orquestras deste lado da América; mas a verdade é que, onde há um cabo-verdiano há música por perto, um violão, uma voz – e talento para juntar tudo isso. Na semana passada falei-vos de Paul Gonsalves, grande mestre do jazz – passavam 105 anos sobre o seu nascimento deste americano de New Bedford com pais nascidos na Brava, Cabo Verde. Vickie, por exemplo, fazia duos com o irmão, Flash, e esteve com ele em digressão pela Califórnia, além de ter sido a voz da orquestra de Phill Barboza (mãe de São Nicolau, Mindelo, terra da música, e pai da ilha do Fogo), que chegou a gravar três discos com Paul Gonsalves. Ah, perdi-me, e não cheguei a falar-vos de Joli Gonsalves, cabo-verdiano de New Bedford (1925-1998, sim, raízes na Brava), que fez parte do grupo de solistas de Harry Belafonte para quem chegou a compor uma canção, “Tunga” – e com quem participou em vários discos. Perdi-me outra vez.
O mais importante, hoje, é isto: Ralph, Arthur (Pooch), Antone Lee, Feliciano e Perry Lee (Tiny), tinham todos o mesmo apelido, Vierra Tavares: eram filhos de Flash Tavares, nasceram entre 1941 e 1949 e em 1959 constituíam o Chubby and the Turnpikes, que mais tarde mudou o nome para Tavares, ou The Tavares Brothers, desde 1973, quando começava a época de ouro da ‘disco’. Em 1974 gravaram dois discos, ‘Check It Out’ e ‘Hard Core Poetry’, de onde resultaram quatro singles que atingiram um bom lugar na lista de ‘soul’ e ‘rhythm & blues’.
Mas há exatamente cinquenta anos, em julho de 1975, saiu o grande ‘In the City’ – o single “It Only Takes a Minute” chegou rapidamente ao primeiro lugar do top de ‘soul’ e ao décimo da lista geral. Os Tavares tinham conquistado o céu e o velho Flash Tavares (morreu em 2008) sentia-se realizado, mesmo se os filhos se distinguiram, mais tarde, por entrar na banda sonora de ‘Saturday Night Fever’, dos Bee Gees com “More Than a Woman”, que ainda podemos dançar e ver a primeira apresentação no You Tube. Experimentem: uma beleza rara.
Os dois anos que se seguiram a ‘In the City’ foram tempos de glória. Em 1976 “Heaven Must Be Missing an Angel” foi o single mais vendido na lista de dança, a que se seguiriam êxitos descomunais como “Don't Take Away the Music”, “The Mighty Power of Love", “Whodunit”, “Goodnight my Love”, “More than a Woman” (o tal) e “The Ghost of Love”. A partir do final dos anos 80, os irmãos Tavares seguiriam carreiras a solo que nunca funcionaram – e cujos resultados nunca entrariam nos sete discos que reúnem os melhores da banda, incluindo ‘The Best of Tavares’, ‘The Greatest Hits’. ‘A Lifetime with Tavares’ e ‘Tavares: Classic Masters’ (este, já publicado este século).
Visitar os seus discos é uma viagem aos tempos da ‘disco’. Até eu fui lá.
A outra grande voz
Tony Bennett morreu há dois anos. Ainda roda no gira-discos.
Só o facto de Tony Bennett (1926-2023) ter fundado uma Escola de Artes Frank Sinatra já dá a ideia de como era boa pessoa – para um cantor de de ‘tunes & jazz’, Sinatra deve ter sido a sua sombra, o degrau logo acima, a linha inultrapassável. Mas a verdade é que o mestre o apreciava e lhe deu uma ajuda no início da carreira. Tony Bennett, italo-americano de Nova Iorque, teve sempre razões para não ser como Frank Sinatra: em primeiro lugar, era inimitável; depois, porque ninguém quereria um clone quando podia ter o original. Então, Bennett fez pela vida, sobretudo depois de ‘Because of You’, o seu primeiro grande sucesso: cantou versões dos melhores temas da música popular americana com um jeito de ‘crooner’ adulto e baixote, tudo com bom som de rádio, sobretudo até chegar ‘I Left My Heart in San Francisco’ – a sua canção. Era a confirmação de Bennett no jazz, depois dos discos com Count Basie e de ter desistido de “repertório adolescente”. Nos anos 90 lançou-se em duetos (Lady Gaga, Amy Winehouse, Diana Krall, um luxo): foi como renascer as cinzas e deixar um rasto de luz densa, naquela voz que continua a tocar no gira-discos. Morreu a 21 de julho de 2023.
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