EU SOU MULHER MAS A PLAYBOY É HOMEM

Chefe de redacção da edição brasileira da ‘Playboy’, Cynthia de Almeida conseguiu ‘despir’ algumas das maiores celebridades do seu país. É uma das vantagens de ser mulher num mundo dominado por homens.

22 de fevereiro de 2004 às 00:00
Partilhar

Em meados de 1999, a editora Abril procurava uma pessoa que fizesse a ‘Playboy’ brasileira entrar com um espírito jovem e irreverente no novo milénio. Poucos pensaram que a escolha recairia sobre uma mulher. Cynthia de Almeida já lá tinha trabalhado como editora nos anos 80 e foi, para sua grande surpresa, a eleita. Em Novembro desse ano passou a ‘comandar o barco’. Aos 47 anos, casada e mãe de dois filhos, é coordenadora de uma equipa que mudou a filosofia existente mas manteve uma máxima: as celebridades têm que estar na capa. Sob as suas ordens, a sensual Tiazinha fez a ‘Playboy’ vender mais de um milhão de exemplares, enquanto Vera Fischer pousou como veio ao mundo aos 48 anos.

ENTREVISTA

Pub

Como é que uma mulher chega à direcção de uma revista masculina?

A minha entrada na ‘Playboy’ foi circunstancial. Trabalho na Abril, editora da revista no Brasil, há muitos anos. Passei por publicações de celebridades, como a ‘Caras’, por outras de informação, como a ‘Veja’, e inclusive pela própria ‘Playboy’. Creio que a minha escolha como directora não passou pela questão de ser homem ou mulher. Fui eleita como uma profissional capaz de dirigir uma revista masculina.

Ficou surpreendida com a proposta?

Pub

Muito, e tive de pensar bastante no que poderia advir daí. Nos primeiros tempos enfrentei muitos preconceitos por parte de colegas de outras publicações. Era uma coisa ciumenta, como se eu, uma mulher, estivesse a invadir um bastião masculino. Tive de mostrar que não ia fazer uma revista de mulherzinhas ou tornar a ‘Playboy’ feminina. Hoje, as pessoas olham para ela e vêem que está mais masculina do que nunca. Isso é mérito de uma equipa jovem e essencialmente masculina, não apenas meu.

Teve dificuldade de adaptação?

A dificuldade está em viver numa equipa com um olhar bastante macho sobre as produções e, ao mesmo tempo, conseguir fazer valer essa delicadeza feminina no trato com a mulher. Tanto que a equipa que escolhe, negoceia e produz os ensaios de nu já era muito feminina antes de eu chegar.

Pub

Mas, como directora da revista, também precisa de um olhar masculino. Ou não?

É verdade. A minha opinião estética sobre um ensaio é importante e tem um peso, mas faço questão de dividir isso com os homens que aqui trabalham. Por exemplo, o director de arte é homem, assim como o redactor-chefe ou a maioria dos editores. Mas é claro que já treinei o meu olho para descobrir o que os homens e as mulheres gostam.

Existem grandes diferenças?

Pub

O padrão visual é totalmente diferente. O que os homens acham bonito numa mulher, normalmente não é o que a mulher acha bonito em si própria. Fico preocupada quando fazemos uma capa e as mulheres da editora começam a elogiar. Já sei que não vai vender, porque quando uma mulher gosta muito é sinal de que não é bem isso que os homens querem.

No Brasil, a ‘Playboy’ não tem qualquer conotação negativa. Isso deve-se à forma como o sexo e o erotismo são encarados?

Sem dúvida. No Brasil temos uma relação natural com a nudez, com o erotismo, com a beleza da mulher. Nota-se, por exemplo, pelo facto de muitas actrizes e outras ‘superstars’ da nossa sociedade pousarem para a ‘Playboy’ sem preconceitos, algo que não acontece noutras culturas. Essa atitude dá-nos uma enorme vantagem.

Pub

Já achou algum ensaio pornográfico?

Muitas vezes. Ao longo destes últimos anos passámos por algumas experiências em que tentámos fazer uns ensaios mais artísticos e outros mais carnais. Hoje estamos a ir para a linha da sedução e não do ‘hardcore’, até porque não temos concorrência. A ideia é seduzir o homem, e uma mulher semivestida tem mais efeito do que uma completamente nua.

E alguma vez mandou um ensaio para trás por considerá-lo ofensivo?

Pub

Sim, pelo menos em parte. Às vezes não ficamos felizes com o resultado final, apesar de os ensaios não serem uma surpresa para nós, porque são acompanhados. E a própria modelo assina um contrato em que permitimos que veja as fotos, que tenha um parecer, dizendo que gosta mais disto ou daquilo.

Existem desacordos nesse aspecto?

Brigamos muito, porque elas querem tirar aquela foto que nós achamos mais surpreendente. Muitas vezes nem sequer é a mais ousada em termos de exposição da mulher, mas de uma atitude que chama a atenção e que elas consideram forte. Eu sou a favor da ousadia, mas tem de haver um limite muito claro do bom-gosto.

Pub

Qual a mulher que gostava de ter na capa da ‘Playboy’ e nunca conseguiu?

Nunca digo nunca. Prefiro afirmar sempre que ainda não consegui, e nesse aspecto tenho uma lista, onde está, por exemplo, a Juliana Paes, que quero ver este ano na revista. E ainda não tive a Luana Piovanni e a Fernanda Lima, entre outras. Num outro patamar, que faria o leitor da ‘Playboy’ feliz, estaria a Gisele Bündchen. Mas essa encontra-se mais distante.

Por falar na Gisele Bündchen, é verdade que acha que a fama dela se deve ao tamanho dos seios?

Pub

Sim, e isso demonstra uma mudança no padrão de beleza da brasileira. Nos últimos três anos, devido ao silicone apareceu um novo visual, composto por mulheres magras com seios grandes. Antigamente era ao contrário; se uma pessoa fosse 'top-model' tinha de se apresentar sem peito e sem rabo, quase anoréctica.

A selecção de uma modelo é feita tendo em conta que parâmetros?

Muitas vezes por quem ela é, o que representa na sociedade ou o quanto deve ser desejada. Se é actriz, cantora, ou apresentadora, vende sempre. Se for desconhecida, não é admissível que não tenha peito, enquanto há alguns anos só nos preocupávamos com o tamanho do rabo.

Pub

Lida com mudanças constantes?

Exactamente. Por exemplo, de há uns meses para cá os homens estão a dar novamente valor aos peitos naturais, porque foram tantas as mulheres que usaram silicone que agora é raro quem não tenha. Só numa mulher famosa é que as medidas não interessam, porque aí os leitores querem apenas matar a curiosidade.

Quais as diferenças entre a ‘Playboy’ brasileira e a norte-americana?

Pub

A ‘Playboy’ brasileira destacou-se sempre por despir celebridades, e não pela ideia de mostrar a ‘girl next door’, do tipo ‘a prima’ de um leitor. Além disso, aqui existe uma grande disponibilidade das estrelas da televisão, do cinema e da moda para aparecerem nuas, e nos últimos sete ou oito anos tornámo-nos quase numa revista de celebridades.

Quanto pagam por uma sessão fotográfica?

Não posso dizer, temos uma cláusula de sigilo. Mas posso adiantar que varia muito.

Pub

Dá para comprar quantos Ferraris?

Não sei, acho que não dá para comprar nenhum, embora as pessoas gostem de estabelecer um milhão de reais como meta (mais de 50 mil contos). Isso é mentira, os valores são muito menores do que os publicados. Saltarem com esses dados deixa-nos numa posição difícil: se uma pessoa acha que toda a gente recebe um milhão, quando chega à negociação e se depara com uma oferta mais baixa acredita que está a ser desvalorizada. Provarmos o contrário é um problema.

Mas existem diferenças entre pagar a uma estrela e a uma desconhecida?!

Pub

Normalmente, as mulheres mais famosas têm um ‘cachet’ fixo e razoável, ao qual se junta uma participação nas vendas. Podem ganhar muito dinheiro com isso. O último número recorde pertence à Tiazinha, que vendeu um milhão ou mais de exemplares. Imagine os ganhos sobre tantas revistas.

Alguma vez sentiu inveja de uma ‘playmate’?

Só do corpo e do dinheiro que elas ganham. Agora a sério, sinto inveja sempre que chega à revista um ensaio de uma mulher maravilhosa. Não gostaria de ser ‘playmate’, mas não me importava de ter o corpo delas e ser assim tão linda.

Pub

Quais foram os ensaios fotográficos que mais gostou?

Gostei muito das fotos da Babi e da Luciana Vendramini. Esta última é uma mulher já de 30 anos e em que o ensaio valorizou o corpo dela, que não era perfeito. Ambos os trabalhos foram feitos por dois ‘gringos’ (estrangeiros), que muito me agradaram.

Como lida com a crítica de que a ‘Playboy’ dá uma imagem da mulher enquanto objecto?

Pub

Não a levo muito a sério, porque trabalhamos com mulheres que são muito bem remuneradas para fazer algo cuidado. Ter a oportunidade fazer fotos fantásticas com os melhores profissionais e usufruir da fama que isso traz dificilmente transformará a mulher num objecto. Pelo contrário, acho que a celebramos e não vejo aí nenhuma exploração.

Há 20 anos era possível uma mulher estar à frente da ‘Playboy’?

Era complicado. A revista estava a ser implantada no Brasil, ainda vivíamos uma ditadura militar, e era improvável que uma mulher fosse colocada neste posto. Além disso, nós éramos uma minoria no mundo da comunicação, que era dominado por homens.

Pub

Por falar em homens, é casada?

Sou, há 20 anos. O meu marido é médico e sempre me deu a maior força em toda a carreira.

Faz comentários à revista?

Pub

Faz. É um crítico muito severo e fico a morrer de medo de lhe mostrar a revista. Quando ele fala mal já sei que a publicação não está bem. E os meus filhos também criticam.

Os seus filhos dizem o quê da ‘Playboy’?

O rapaz tem 23 anos, e para ele a revista é algo natural. Com a minha filha é diferente, porque tem 13 anos. Aliás, os amigos dela são os meus maiores fãs. Por eu pertencer a uma revista adulta, que não podem comprar na livraria, têm a maior curiosidade em saber quem vai aparecer na capa. A minha filha adora contar-lhes qual é a próxima ‘playmate’. Ela é muito popular na escola.

Pub

A revista anda escondida lá por casa?

Como a minha filha é adolescente não incentivo a leitura. E mesmo a nível pessoal evito comentar a minha função num local público, porque é indelicado e as pessoas fazem muitas perguntas. Digo apenas que sou jornalista, senão vêm uma série de questões sobre se esta tem celulite, se aquela tem uns seios grandes, etc.

Escreveu num artigo que “um homem não chora”. Acredita mesmo nisso?

Pub

A aproximação dos sexos não pode mudar os comportamentos, ou seja, eu não posso ser menos feminina porque estou a dirigir uma revista masculina. E o homem ao deixar de ser o machista ‘troglodita’ do passado não pode adoptar posturas típicas do sexo feminino. Chorar porque partiu a unha ou porque brigou com a namorada é uma postura feminina, um território nosso.

Então, como é que define um homem?

Tem de ser ‘meio grosso’, rústico, porque essa é a graça dele. Já viu o que é um tipo chorar pelos cantos? Ou ter medo de baratas? O homem tem que matar baratas, mas não pode ser chato como a mulher. A ‘Playboy’ não tem nenhuma dúvida existencial em relação à sua masculinidade. Eu posso ser mulher, mas a ‘Playboy’ é homem.

Pub

Aceitaria pousar nua?

Se me tivesse feito essa pergunta há 25 anos… Tenho 47 anos e já não tenho idade para fazer nus.

Não é desculpa, porque ‘Playboy’ não impõe barreiras a esse nível.

Pub

É verdade, mas só se fosse a Vera Fischer. Se trabalhasse com a minha imagem e achasse que isso ajudaria na carreira, não teria a menor dúvida ou preconceito. Além disso, ganharia muito. Há alguns anos, enquanto anónima, também era capaz de o fazer pelo dinheiro. Não teria qualquer problema.

Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?

Envie para geral@cmjornal.pt

Partilhar