Importas-te de chorar mais baixo?
O meu pediatra tem uma resposta darwiniana para a pergunta "porque é que os bebés choram tanto?"
Segundo ele, os bebés atuais são descendentes da linhagem que mais gritava nos tempos das cavernas: numa era em que a EDP ainda não tinha iniciado a sua atividade de exploração elétrica e as comunidades humanas eram atacadas por tudo o que mexia, obrigando a fugas velozes, os bebés que se safavam eram aqueles que melhor se conseguiam fazer ouvir. Esta técnica teve a grande vantagem passada de ajudar à sobrevivência da espécie humana e a grande desvantagem presente de eles virem munidos das cordas vocais mais estridentes do planeta, mesmo numa época em que já existem interruptores e os bichos perigosos estão a dormitar no zoo.
O problema principal reside na incompatibilidade estrutural entre os meus tímpanos quinta geração e as cordas vocais primeira geração dos bebés. Enquanto eu tenho um pavilhão auricular século XXI, frequentado por toda uma bonita história melódica da música ocidental pós-Bach, a Ritinha tem uma garganta de há 300 mil anos, emissora de sons neanderthais. Na verdade, eu desconheço a existência de estudos que confirmem a teoria do meu pediatra, mas de uma coisa estou certo: nós, pais, estamos programados para reagir pavlovianamente ao choro dos bebés, porque não há nada que nos dê mais cabo da moleirinha do que um miúdo de meia dúzia de meses aos berros. Quando a Rita chora muito, é como se o interior do meu ouvido fosse vítima de um terramoto de 8,5 na escala de Richter - só me apetece fugir dali e gritar por ajuda.
E, subitamente, isto pára - ali por volta do ano, ano e meio. Quer dizer: não são eles que param de chorar. É o choro deles que deixa de nos incomodar da mesma forma. Segundo alguns estudos (estes parece que existem mesmo), os bebés começam a chorar em crescendo a partir das três semanas de vida e atingem o pico da gritaria (muitas vezes sem que se saiba porquê - é mito urbano essa coisa de eles chorarem sempre por uma razão) por volta dos três meses, começando a decrescer a partir daí. Mas o que a mim me interessa, porque por esta altura já vou sendo um melómano da choradeira, não é a diminuição do volume mas a alteração da sua frequência. Porque é nesse momento mágico em que eles passam a chorar de forma suportável que eu posso voltar novamente a ser feliz.
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