Já dei passas para não ficar mal

Sente-se um puto grande. Diz-se monogâmico, solteiro e bom rapaz. Mas não quer ser exemplo para ninguém. Está nos Da Weasel há 11 anos.

09 de janeiro de 2005 às 00:00
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Olhado como filósofo urbano ou crítico social, PacMan é o rosto mais visível dos Da Weasel. Há 11 anos no grupo, rejeita ser líder juvenil, afiança ter tantos ou mais defeitos do que aqueles que assistem aos seus concertos. É de esquerda, já fumou charros para não ser considerado uma farçolas, gostava de ver o Governo mudar de cor e achou “um piadão” ver Santana Lopes como primeiro-ministro. Mas só nos primeiros dias.

Há 11 anos embarcou na aventura dos Da Weasel, com a alcunha de PacMan. O Carlos Nobre já não existe?

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Algumas pessoas continuam a tratar-me pelo meu verdadeiro nome, em especial os meus pais, o meu irmão. Outros chamam-me Carlão, ou ‘Puto Pac’, mas é verdade que PacMan ficou mais do que qualquer outra alcunha.

Os seus pais continuam muito presentes?

Há alturas em que estou mais com eles, outras em que as digressões nos afastam. Curto-os muito e como ainda moro em Almada, e hei-de morar sempre, quando posso vou lá a casa.

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Como encaram o sucesso dos Da Weasel?

Tenho a certeza de que ficam contentes e orgulhosos. Os velhotes são calmíssimos e, como todos os pais, querem ver os filhos bem. Gostam da musiqueta; mais a minha mãe, que foi muito importante, esteve sempre a dar ‘power’ e nunca me condicionou em relação à história do ‘quero que sejas aquilo, quero que sejas aqueloutro’.

Foi difícil cortar o cordão umbilical?

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Em Portugal, tirando os putos que vão para a faculdade (que fica desterrada noutra zona), temos a mania de ficar em casa dos pais até aos 40. Para mim não houve problemas, aconteceu de forma natural. Precisava de ter o meu espaço, já não dava para estar lá.

Fala em viver sempre em Almada. Porque é que não quis desligar-se das raízes?

É uma coisa inexplicável. Nasci num daqueles bairros da rapaziada do café, que se juntava à noite a conversar, uma espécie de microcosmos. Mesmo o pessoal que deixou de morar naquela zona aparece sempre por lá, e se por um lado não sair dali pode ser redutor, por outro é uma âncora do caraças. Estão ali muitas das pessoas que às vezes te dão chapadas, que te põem na linha, que te despertam para a realidade, que realmente te conhecem. Quando faço uma letra é com elas que vou falar, porque não têm problemas em dizer que aquilo não vale nada, ou que está bom.

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Como é ter de trabalhar com o seu irmão (baixista dos Da Weasel) durante tanto tempo?

Muito fixe. Eu amo o meu irmão e o facto de ele pertencer aos Da Weasel tem aspectos positivos e negativos. Quando nos aborrecemos é mesmo a sério, assim como quando acabamos um concerto fantástico vivemos as coisas de uma forma especial. É óptimo poder dar-lhe um grande abraço nessas alturas, saber que partilhou aquilo comigo.

O ano de 2004 foi o melhor de sempre para os Da Weasel?

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Sim, se falarmos do sucesso junto do público, embora não possa ser separado do resto. Foi aquele em que houve um acumulado de várias cenas: discos vendidos, prémios, DVD. Noutros tocámos muito mais, como 2002, mas agora chegámos a um nível de exposição que nunca sonhávamos ser possível.

Como sentiu a passagem de uma banda de culto, urbana, para um grupo à escala nacional?

Foi estranho e ao mesmo tempo porreiro. Ver uma criança de seis ou sete anos num concerto a cantar é fabuloso, porque aquele é o ser mais puro que existe, não tem qualquer preconceito, faz aquilo apenas por gosto.

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Ganhou uma noção do ‘país real’?

Sem dúvida. Às vezes estamos meio fora do contexto, calhamos num cartaz onde num dia toca o Emanuel, noutro os D’Arrasar, e ao terceiro aparecemos nós. Vamos lá e cumprimos como em qualquer outro lugar, até porque esse tal ‘país real’ ainda existe mas tem mudado muito. A rapaziada hoje tem toda Internet, MTV, aquelas coisas que não tinha, e domina a onda de Da Weasel, do hip hop.

O acesso à música portuguesa actual é um problema ultrapassado?

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Em Portugal, sim, lá fora ainda não. Há uns tempos fui a França com o meu irmão, o Guto e o Boss AC, porque estávamos nomeados para um prémio de Melhor Intérprete de Hip Hop, atribuído por uma rádio franco--portuguesa. Aquilo tinha putos cheios de boa onda, com estilo rapper, de fato de treino e ténis, mas a meio da noite ouve-se anunciar o Tony Carreira e os gajos começam a passar-se, todos contentes. Achei estranhíssimo.

A que se deve tal fenómeno?

Ao facto de não terem acesso à música portuguesa recente. As editoras só tentam meter nas comunidades bandas tipo Delfins.

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A internacionalização era o passo que queria dar este ano?

Gostava muito, até porque nas comunidades portuguesas isso faz todo o sentido. Acho bem que por lá comecem a ficar espertos e façam por isso, porque a segunda ou a terceira geração provavelmente já não curte tanto o Tony Carreira.

Ter um disco de platina altera muita coisa?

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Não. Tivemos noção da nossa real dimensão quando fomos aos MTV Music Awards. Por exemplo, o Usher tem um disco de platina, mas o que ele consegue a nível de produção com essa fasquia dá quase para não fazer mais nada o resto da vida. Nós com a mesma marca conseguimos apenas um bom ano.

Dá para viver só disso?

Depende dos anos. Nos primeiros foi difícil, tinha de ter sempre uma merdinha paralela para ir busca algum, e ainda hoje acontece. Só dá para viver da música quando se está em alta, e ninguém consegue isso eternamente.

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Que trabalhinhos arranja à margem?

Tem sempre algo a ver com duas áreas: escrita e música. Já tive colaborações para jornais, faço uma rubrica na rádio.

Vê-se como líder da juventude de hoje?

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De forma nenhuma.

E, pelo menos durante o concerto, como agitador de massas?

Tento ter uma atitude descontraída e mostrar às pessoas que não sou nem mais nem menos do que elas. Apenas faço música. No outro dia estava a dar um concerto na MTV, não tinha cigarros e pedi um a alguém do público. Fumei na boa, sem a questão de ser ou não um mau exemplo, porque se eu sou músico provavelmente muita gente do público faz cenas fantásticas a outro nível. Se calhar tenho muito mais defeitos do que quem me vê em cima do palco, não posso ser modelo para ninguém. Houve uma altura em que ainda pensei se devia ou não fazer isto ou aquilo, mas depois caguei, tenho a minha vida.

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É curioso que os Da Weasel tenham uma vertente política presente sem a ostentarem...

É verdade. Tem a ver com a nossa atitude, com a maneira de estar e de falar. Se calhar não vamos tão directos ao assunto, mas só a forma como nos apresentamos dá ideia daquilo que somos e sentimos. De resto, acho que há gajos que têm uma consciência política do caraças neste país, como o Valete, que tem um tema, ‘O Fim da Ditadura’, onde mostra os seus conhecimentos. Tenho a certeza de que aquela letra, destinada ao pessoal do hip hop, muitas vezes habituado a ouvir conversa de tanga, marcou muita gente.

Tem medo de, com letras intimistas, expor a sua vida?

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Não, e lixo-me por causa disso.É complicado mostrar pedaços da minha vida e dar uma ideia daquilo que sou. Às vezes ficam com uma ideia errada de mim, só porque em determinada letra escrevi isto ou aquilo. Por exemplo, já deixei de fumar charutos há uns anos, mas como a questão das drogas está presente em várias canções de vez em quando depois de um concerto vem um gajo ter comigo a oferecer-me ganzas. Rejeito e gera-se ali a confusão, passo por farçolas porque as cenas já não são como eram. Até já dei umas passas por simpatia, só para não ficar mal.

Alguma experiência foi realmente negativa a esse nível?

Certa vez uma gaja chamou-me ‘sidoso’, sem me conhecer de lado nenhum, porque se calhar ouviu o ‘Remorso’ e pensou que ando com muitas tipas e tenho relações sem preservativo. Foi uma cena marada.

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Como é que lida com o assédio das fãs?

Não costumo entrar em stress, sempre fui de apenas uma relação, quando até podia ser um putanheiro. Mas não. E custa-me esse tipo de merdas de virem ter comigo porque sou cantor. As pessoas quando se dirigem a mim estão a falar com um boneco que criaram, uma imagem ou ideal que não corresponde à realidade.

O documentário incluído no DVD serve para mostrar aquilo que são realmente?

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Tem essa função, porque nós somos mesmo aquilo. Em alguns casos, como vomitar antes do concerto, até pensei que não deveria ser tão real, que há coisas que teria sido melhor não termos posto, porque quem as vê pode tirar ilações erradas.

Daqui a dez anos vai ter alguma nostalgia ao ver as imagens do DVD?

É capaz, e provavelmente vou rir de muita coisa que ali está. Imagino o que é que os U2 pensam ao verem o ‘Live Aid’; o Bono com aquele corte de cabelo, as calças para dentro das botas. Na altura nós éramos putíssimos e tripámos com aquela merda, e agora vemos aquilo de uma forma que até ficarmos arrepiados.

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Eu já gostei dos Duran Duran…

Também eu, e já perdi um bocado essa paranóia de esconder aquilo de que gostava só porque hoje parece piroso. Há muitas coisas que continuamos a gostar, por muito azeite que aquilo se tenha tornado. O Quaresma no outro dia comprou umas coisas de Iron Maiden em CD. Eu vinha a ouvir aquilo no carro, quando dei por mim a pensar que existem partes ali que já não dá, mas há outras que são muito boas.

Daqui a alguns anos é bem capaz de acontecer o mesmo com bandas novas que oiçam agora os Da Weasel…

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É pá, se isso acontecesse sentia-me muito orgulhoso. Por exemplo, deu-me uma grande alegria ouvir os Yellow W Van dizerem que as influências deles eram grupos como os Zen, Da Weasel e outras cenas ‘tugas’. Assim é que deve ser, tenho pena de isso não ter acontecido quando eu era puto, porque na maior dos casos as influências são sempre estrangeiras. Já é altura de termos orgulho naquilo que é nosso.

Tem noção de que apesar de novo construiu uma carreira na música portuguesa?

Já é uma carreirinha, mas no dia em que me derem um Prémio Carreira estou tramado, e espero que aconteça só daqui a dez anos. Posso dizer que o meu ideal é ter uma cena como os Xutos, que têm uma grande maneira de estar, ganharam o espaço deles, são respeitados.

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Muita gente ainda olha para si como um ‘puto grande’?

Eu mesmo considero-me um ‘puto grande’. O Manel Cruz (ex-Ornatos Violeta) disse uma coisa brilhante no outro dia. A mãe ligou-lhe, perguntou se estava tudo bem e ele respondeu: “Sim, sim. Vim com o Carlão brincar cá para casa”. É daquelas frases que um gajo diz quando é criança, mas trata-se da mais pura realidade, de ir para casa dele trocar ideias, fazer uma musiqueta, beber umas cervejolas. É a nossa curte, a cena da infância já sem a brincadeira dos índios e ‘cowboys’, porque a música pode e deve ter esse lado de divertimento.

Sente-se um privilegiado por isso?

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Se calhar tenho mais tempo para curtir, e faço aquilo que realmente gosto. Todas as pessoas deviam pensar assim, porque se não estão a anular-se, a seguir um caminho que escolheram e não gostam. O problema são as porcarias para pagar, a renda da casa, os filhos, que obrigam a continuar naquela rotina.

Apesar do estilo descontraído, tem alguma preocupação do ponto de vista monetário, de fazer um mealheiro para a reforma?

Há fases em que até me concentro… Mas não, sou muito mau nessas coisas. Muita gente segue o lema ‘vive cada dia como se fosse o último’, e às vezes isso acontece um bocado comigo. Lixo dinheiro quando não o posso fazer, nos copos, nos jantares, nos filmes, nos discos, e não me concentro na cena do futuro. Que se lixe, um gajo está cá para aproveitar, nunca se sabe se alguma coisa corre mal. Mas também não sou aquele gajo de chegar ao fim do mês e não ter dinheiro para a renda da casa.

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Junta a irreverência daquele puto grande à ideia de um tipo atento aos assuntos do quotidiano. Que análise faz da situação política portuguesa?

Sempre me identifiquei com os valores da esquerda e achei um piadão ver o Santana Lopes assumir o cargo de primeiro-ministro, porque aquilo não é mesmo a cena dele. Foi um alto erro de ‘casting’ e tenho pena de o Sampaio não ter tido coragem para logo na altura do abandono do Durão ter cortado com aquilo. Depois passámos por um ambiente muito mais estranho, até chegarmos agora àquela história de haver, ou não, coligação. Não me importava, sinceramente, que isto voltasse para a esquerda.

Como muita gente neste país, também tem uma visão desencantada da classe política?

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A política é um meio tramado, e qualquer tipo que chegue àqueles cargos tem de ser automaticamente um pouco canalha, tem de dever favores, de entrar no esquema, mesmo que ao início existisse uma pureza de ideais.

Faz-me muita confusão ver alguém como o Portas no poder, ou como o Santana Lopes, que dantes assumia aquele lado de ‘bon vivant’. Hoje, quando está a falar, já nem é ele, e se calhar esta fase só foi boa enquanto experiência sociológica. Mas é melhor esquecê-la depressa.

O público dos Da Weasel é muito jovem. Que ideia faz da juventude actual?

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Todas as gerações são mais ou menos iguais num aspecto: há quem tenha alguma coisa dentro da cabeça e também quem não tenha, que se esteja a cagar para tudo. Isso só depende da educação, mais nada, e muitas vezes foge-se da responsabilização dos pais, esquecemo-nos de que ‘a culpa não é do jardim, é do jardineiro’.

As referências ao ‘seu’ Benfica é que andam desaparecidas das letras…

É verdade, fizemos uma há muito tempo, ainda o João Pinto jogava no Benfica, só que aquilo anda tão mal que até tenho ligado menos ao futebol. Preocupo-me mais em tentar resolver os meus problemas. Mas às vezes é um bom escape, e não tenho problemas em que o tema apareça nas canções.

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AO VIVO, A CORES E EM DVD

Ao contrário do que à partida se poderia pensar, os Da Weasel não incluíram no seu primeiro DVD um concerto realizado em grandes recintos, como um dos vários festivais de Verão em que participaram no último ano. A banda de Almada optou por mostrar um espectáculo em Tondela, num clima mais intimista, onde se pudesse ter melhor percepção da união entre quem está em cima do palco e o público. Apesar da energia demonstrada, o resultado fica alguns pontos atrás daquilo que muitos viram no Sudoeste, por exemplo. A falha é colmatada num documentário sobre o trajecto que Pac e companheiros fizeram ao longo da digressão de 2004. O filme, bem mais extenso do que à partida se poderia imaginar, inclui excertos junto das famílias dos músicos, lembraças dos ensaios e outros pedaços importantes da vida da banda, não só do ponto de vista profissional como pessoal. Para os fãs, e também para todos aqueles que pensam que a vida de artista é tarefa fácil, este pedaço muitas vezes esquecido do outro lado dos holofotes traça sem apelo nem agravo as vantagens e desvantagens de se ser músico em Portugal.

MEIA DÚZIA DE CAPÍTULOS EM 11 ANOS DE VIDA

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- Antes da fama, o primeiro passo na carreira dos Da Weasel acontece em inglês. Apesar da originalidade da música e do espírito pioneiro, a abrir portas para o hip hop em Portugal – estávamos em 1994 –, ‘More Than 30 Mother f...s’ não se revela suficiente para transformar o conjunto de Almada num caso de amor à primeira vista. Na memória fica o tema ‘God Bless Johnny’, um dos hinos do grupo.

- Considerado o primeiro LP de hip hop gravado por uma banda portuguesa, ‘Dou-lhe Com a Alma’ tem como principal condão a mudança do inglês para a língua de Camões. O guitarrista Pedro Quaresma e o baterista Guilherme Silva juntam-se ao colectivo, num registo com dois temas em destaque: ‘Adivinha Quem Voltou’ e ‘Ressaca’. O primeiro deles ajuda a transformar a banda num fenómeno de culto urbano.

- PacMan e companhia fazem mexidas, com a saída de Yen Sung e a entrada de Virgul, no disco de entrada para uma multinacional, a EMI. Apesar do contrato, a banda resiste ao apelo da fama imediata e realiza em ‘3º Capítulo’ um dos seus registos mais duros ao nível do discurso e da sonoridade. ‘Todagente’ dá um empurrão na carreira, embora existam outros grandes temas, como ‘Dúia’ e ‘Tudo na Mesma’.

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- Com ‘Iniciação a Uma Vida Banal – o Manual’ contém alguns dos maiores ‘clássicos’ dos Da Weasel, entre eles ‘Outro Nível’, ‘O Puro’ ou ‘Agora e Para Sempre - (Paixão)’. A digressão seguinte é um verdadeiro sucesso, onde se inclui um surpreendente concerto no Pavilhão Atlântico, altura em que têm o privilégio de fazer a primeira parte do espectáculo dos norte-americanos Red Hot Chili Peppers.

- Ao quinto álbum os Da Weasel criam um marco incontornável na história da música portuguesa. ‘Podes Fugir Mas Não Te Podes Esconder’ continua a ser olhado como o mais importante passo na carreira da banda, a merecer a chegada ao Disco de Ouro. Parte da aceitação fica ligada ao ‘single’ ‘Tás na Boa’, embora não seja de descartar a participação dos cubanos Orishas em ‘Sigue, Sigue!’ e a produção de Mário Barreiros.

- A fasquia estava alta em termos de qualidade musical e quantidade de discos vendidos, mas os Da Weasel – em sexteto desde a entrada de DJ Glue, na digressão de ‘Podes Fugir Mas Não Te Podes Esconder’ – não se amedrontam. ‘Re-Definições’ revela desde logo o espírito descontraído e a forma como a banda encara uma nova etapa. Torna-se no seu maior sucesso, com distinção pela MTV e direito a um DVD.

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