João Vaz: "A boa capa é aquela que desperta empatia"

Antigo diretor-adjunto reúne em livro as capas mais emblemáticas dos 40 anos do Correio da Manhã.

03 de fevereiro de 2019 às 10:00
A capa do incêndio do Chiado foi dupla, a fotografia ocupava a primeira e a última páginas do jornal. O exemplar em arquivo está agrafado, restou aquele da Biblioteca Nacional mas que tem carimbo. Quem o tiver guardado terá uma preciosidade Foto: João Miguel Rodrigues 
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A missão afigurava-se difícil – selecionar para um livro as mais emblemáticas capas do Correio da Manhã entre as mais de 14 mil já publicadas nos 40 anos de existência do jornal, completados no próximo dia 19 de março. João Vaz, antigo diretor-adjunto do diário, aceitou a missão e fixou o número - 140 - que, de alguma forma, mostra como foi o País nas últimas quatro décadas.

Quando aceitou o convite para o livro o que pensou?

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Que era muito fácil fazer a história do País através das capas do CM porque sempre foi um jornal muito próximo dos portugueses, que sempre se preocupou em estender a sua influência ao interior do território, nomeadamente através de delegações.

O que é que tem encontrado?

As mais variadas e algumas surpreendentes. A primeira capa do CM juntava o então Presidente da República, general Ramalho Eanes, a propósito da crise política, a Salomão Ayala, personagem de uma telenovela. Percebi que, desde o início, o jornal se preocupou com os temas da Saúde, através de grandes reportagens de operações inéditas que então se faziam em Lisboa, nomeadamente no IPO, e que dava também atenção à agricultura e ao Interior de uma forma geral. Lembro-me ainda de uma primeira página, no lançamento das Doce, em que o grupo foi fotografado em cima de um carro, a Renault 4L do jornal em que se deslocavam repórteres e fotógrafos.

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O CM fez uma edição especial com a morte da princesa Diana, uma entre muitas. De que outras edições especiais se recorda?

Tantas. Em 1991, por causa da Guerra do Golfo, houve três edições numa só noite. Já comigo a trabalhar aqui, em 2002, a nova guerra no Iraque levou a que fizéssemos duas. Ainda a propósito da princesa Diana, a quem o CM sempre deu atenção, por altura do casamento fez-se a primeira revista a cores publicada pelo jornal.

Chegou ao CM em 1999, qual foi a sua primeira capa?

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A primeira capa importante acho que foi sobre Timor. Vivíamos um momento de solidariedade internacional. O CM fez manchete com o massacre de Santa Cruz, em 1992, com o prémio Nobel a Ximenes Belo e a Ramos Horta e, nesse mês de setembro de 1999, os jornais publicaram a primeira em branco, só com a palavra Timor escrita. O CM não o fez, achou que deveria dar essa notícia e todas as outras.

O que é uma boa capa?

É aquela que desperta a empatia do leitor, a curiosidade, que fornece um ponto de vista libertador e que afirma uma identidade crítica e independente. O primeiro editorial afirmava exatamente isso – um jornal privado e independente. E houve capas de todo o género, com manchetes factuais, de que é exemplo "Eanes foi reeleito", em dezembro de 1980, e outras como esta, de crítica divertida, meia dúzia de dias depois da queda do muro de Berlim, "Cunhal no Rock não muda música", que reportava a uma intervenção do então secretário-geral do PCP na sala do Rock Rendez-Vous [clube de Lisboa] às juventudes comunistas insistindo que a queda do muro não significava nada.

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Lembro ainda outras duas capas: a do incêndio do Chiado, em que uma foto ocupava a capa e a contracapa, e a capa a cores por ocasião da visita de João Paulo II a Portugal, que foi impressa a cores, proeza só repetida uma dúzia de anos mais tarde. Digamos que, nesse dia, o CM antecipou o seu próprio futuro.

As manchetes são um elemento distintivo do CM...

São em maiúsculas, inspiração dos jornais ingleses, que ‘A Capital’ já usava. A distribuição dos assuntos na primeira traduz aquilo que o jornal quis registar: a história, quando há eleições, morre alguém importante ou há tragédias que abalam o País, mas na maioria dos dias a preocupação é ir ao encontro dos principais fatores de interesse dos leitores. Uma capa interessante é da adesão à CEE - "Hoje há festa todo o dia. De manhã CEE à noite Santo António", que juntava um facto de grande relevo histórico a uma manifestação popular.

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Na primeira do CM de hoje encontramos os acontecimentos de cariz político e económico, que são importantes para a vida dos cidadãos pois valem dinheiro, e ainda as coisas lúdicas, a vida cor de rosa, os espetáculos e o futebol. O CM é um retrato exato do que é o País. Basta ver o que tem sido a luta do jornal pela transparência, contra a corrupção e o enriquecimento ilícito que há mais de uma dúzia de anos motiva ataques ao CM mas que também o impôs como testemunha independente e decisiva.

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