“Não sou nada uma ‘femme fatale’!”

Aos 25 anos, Aurea edita o seu segundo disco, no mesmo registo soul que a transformou num caso sério de sucesso

02 de dezembro de 2012 às 15:00
“Não sou nada uma ‘femme fatale’!” Foto: João Miguel Rodrigues
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- Antes de gravar o seu primeiro álbum, frequentava o curso de teatro, na Universidade de Évora. Sonhava mesmo ser actriz?

- Não, mas também nunca sonhei ser cantora! Foram duas das boas surpresas que aconteceram na minha vida. O meu percurso é atípico. Saí do Algarve, onde vivia com os meus pais, para vir primeiro para Lisboa estudar Linguística, na Faculdade de Letras. Mas depressa percebi que não me identificava com o curso. Decidi então ir à página da net da Universidade de Évora – porque sempre adorei a cidade e achava que deveria ter um ambiente estudantil muito interessante –, e encontrei o curso de teatro. Vi as cadeiras, verifiquei que me interessavam e resolvi ingressar no curso. Mas até aí nunca o teatro tinha sido um objectivo.

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- Foi lá que se cruzou com Rui Ribeiro, então estudante de música na mesma universidade, que a ouviu por acaso cantar, compôs a sua primeira música e, depois, o seu álbum de estreia. Acredita no destino?

- Ui… se fôssemos falar disso! Ir para Évora foi um acaso muito feliz e, com o Rui, também houve um encontro feliz. Foi tudo muito inesperado mas muito positivo.

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- Nos dois últimos anos, com o sucesso do seu primeiro disco, saiu do anonimato, deixou a faculdade, passou a correr o País a cantar. O que mais mudou na sua vida?

- Basicamente mudou tudo, de forma bastante radical. Para começar, mudei-me de Évora para Lisboa. Depois, tornou-se muito mais preenchida de pessoas e de acontecimentos. Foram dois anos com muitas viagens, muitas horas passadas dentro de uma carrinha. Mas é muito bom ir ao encontro do carinho e do apoio do público. No balanço final, acho que ganhei muita coisa, porque foram mudanças importantes para o meu trabalho.

- Que palavras lhe dirigem os fãs? Alguma frase a tocou mais profundamente?

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- Não consigo identificar uma situação específica, porque são sempre palavras carinhosas, mas talvez sejam os elogios que mais marcam, quando dizem que gostam e que se identificam com uma música. Isso significa que o objectivo do nosso trabalho foi conseguido. É gratificante para toda a equipa.

- E você, na medida em que não é autora das músicas, também se identifica assim com elas?

- No primeiro álbum não tanto, mas neste sim. Reuni-me com o Rui Ribeiro para conversarmos sobre o que eu queria de que as letras falassem. E por isso agora falam sobre pessoas e situações da minha vida, pensamentos meus. É muito mais pessoal.

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- Que tipo de coisas resolveu partilhar com o público?

- Experiências como mulher e como ser humano. O primeiro single, por exemplo, ‘Scratch my Back’, fala daquelas pessoas que não gostam de trabalhar mas que se aproveitam do trabalho dos outros para sobressair e que, infelizmente, já se cruzaram comigo e, provavelmente, com quase toda a gente. Falo também daquele ponto de uma relação, de amizade ou de amor, em que já se está farto de ouvir o outro, já não há identificação e só nos apetece fugir dali para fora. Outra música fala de como é estar apaixonado pela primeira vez.

- Lembra-se do seu primeiro amor?

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- Todos nós nos lembramos do momento em que começámos a sentir borboletas no estômago. O amor é algo que sentimos desde que nascemos, primeiro pelos nossos pais, depois por um amiguinho na escola, quando se fica nervoso só pelo facto daquela pessoa estar presente…

- Confessava os seus amores?

- Às amigas, e também aos meus pais, até porque sempre tivemos uma excelente relação.

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- Enquanto estudante, o ambiente de Évora, correspondeu às expectativas?

- Totalmente. É um sítio onde a comunidade estudantil ainda mantém um espírito verdadeiramente solidário, onde todos se entreajudam.

- Mas entretanto abandonou o curso. Tem planos para retomar?

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- De momento não, porque a música está a absorver todo o tempo. No início ainda tentei conciliar, mas rapidamente se revelou complicado porque tinha de estar constantemente entre cá e lá. Ora tinha concertos e gravações em Lisboa, ora tinha testes e trabalhos em Évora. Quando conclui que não dava mais para conciliar, fui ao Algarve falar com a minha família. Expliquei-lhes que queria dedicar toda a minha vida à música. Inicialmente, ficaram um pouco preocupados, mas apoiaram-me a cem por cento. E eu vim para Lisboa, fazer a bela da mudança.

- O vídeo de ‘Scratch my Back’ puxou um bocadinho pela sua costela de actriz?

- Sim, e também pela minha costela de bailarina, porque o grande desafio foi mesmo a coreografia! Digamos que os bailarinos tiveram muita paciência comigo…

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- Nesse vídeo veste um bocadinho a pele de uma ‘femme fatale’, aliás, em toda a imagem do disco. Há algo de realidade ou é pura ficção?

- Mas não sou nada assim!

- Também aparece morena. Gostou de se ver?

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- É diferente, mas gostei.

- Mas é morena, de origem. O cabelo louro foi uma vicissitude da carreira artística?

- O meu cabelo é louro escuro, mas eu pinto há muitos anos (talvez nove), muito antes de imaginar que iria pisar um palco!

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- Nasceu em Santiago do Cacém, mas saiu do Alentejo com apenas dois anos, para ir viver para Silves, no Algarve. Mantém alguma ligação à terra?

- Na verdade, mantenho ainda grande ligação a Alvalade do Sado, pois daí é praticamente toda a minha família. Só que os bebés iam nascer a Santiago do Cacém, ao hospital. As recordações de infância, das festas de aniversário, dos Natais, dos amigos, das férias em casa dos avós, são de Alvalade do Sado, que guardo num cantinho do coração com muito carinho. Ainda hoje, sempre que posso, vou lá. Depois, também tenho uma grande ligação a Silves, onde cresci, onde vivem os meus pais e o meu irmão, onde tenho o meu núcleo de pessoas mais chegado.

- Faz música soul, ou seja, um estilo musical que se chama ‘alma’. O que representa a soul para si?

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- Nunca pensei cantar soul e quando começámos este trabalho não sabíamos que era isso que ia acontecer. Mas, depois, quando fizemos a primeira maqueta, cada música tinha um estilo diferente. Era a busca. Percebemos que era soul com a ‘Busy (for me)’. Assim que ouvi, percebi que tínhamos descoberto. Esse sentimento ainda hoje se mantém: é algo que nos enche a alma. Cantar soul em cima do palco é impressionante, pela envolvência. Sente-se tudo: alegria, tristeza... tudo é sentimento.

- Além da música, o que lhe enche a alma?

- Ver as pessoas que eu gosto felizes e poder garantir isso.

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- Há pouca soul em Portugal. É fácil transmiti-la?

- Há pouca, é verdade. Mas espero que o facto de nós o fazermos sirva para abrir uma porta, para que as pessoas arrisquem e apareçam. Há boas vozes em Portugal, muita gente a fazer boa música, mas que não tem a oportunidade certa para surgir. Lançar é um grande risco.

- Esse risco preocupou-a?

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- Tentámos não nos preocupar grandemente com o risco. Acredito que devemos ser o mais empenhados e genuínos possíveis quando nos propomos a fazer um trabalho. Se sentimos que está ali tudo o que queremos, devemos então arriscar e mostrá-lo às pessoas. O resto são factores-surpresa, que não estão nas nossas mãos.

- O sucesso foi uma grande surpresa?

- Enorme. Desde o primeiro momento em que estava numa esplanada e ouvi , na rádio, a ‘Busy (for me)’. Primeiro fiquei paradinha, a estranhar ouvir a minha voz, depois disse a um amigo: "Olha, esta sou eu!". Com o tempo habituamo-nos: aos palcos, às entrevistas, aos fotógrafos, a tudo o que faz parte do ‘bolo’. Agora faço-o com naturalidade. Talvez porque gosto de ultrapassar desafios. É assim que crescemos.

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- Gosta de ouvir a sua voz?

- É uma pergunta delicada. É sempre um bocado estranho.

- Consta que foi o seu pai que lhe incutiu as primeiras referências musicais.

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- O meu pai toca guitarra e viola de fado, como amador (é motorista de profissão). Sempre me mostrou a mim e ao meu irmão muita música.

- E já alguma vez cantou fado?

- Faço-o só entre os meus, porque é uma coisa que é muito íntima para mim. O fado é outro patamar.

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- E a sua mãe, o que faz?

- Trabalha numa creche, com bebés. Aliás, é das mais doces memórias que tenho: ir ter com ela e ficar lá a abraçar os bebés pequeninos.

- Há aí uma costela maternal a despontar?

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- Há em todas as mulheres, mas ainda falta muito para ser mãe.

- Aprendeu a cantar?

- Não. Sou completamente autodidacta. No curso de teatro tive aulas de colocação de voz, mas não de canto.

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- Tem várias tatuagens espalhadas pelo corpo. Estão relacionadas com algo ou alguém em especial?

- São quatro, todas relacionadas com a família. A primeira, sete estrelas, fi-la com 21 anos. Foi oferecida pelos meus pais, como presente de aniversário.

- Aurea é só nome artístico ou também de baptismo?

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- É o meu nome de baptismo.

UMA INFÂNCIA A OUVIR OS HINOS DO 'REI' ELVIS

Quando Elvis Presley morreu, em 1977, Aurea nem sequer tinha nascido, mas isso não a impediu de crescer a ouvir o ‘rei’ que o pai lhe mostrava em canções. A menina de olhos cor de mel, nascida em Santiago do Cacém e criada em Silves, nunca sonhou ser artista, mas Rui Ribeiro, um colega de faculdade, mudou tudo isso no dia em que a ouviu cantar na escola.

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Foi ele, depois, o autor de nove dos dez temas do seu álbum de estreia, homónimo, de marcadas influências soul. Com um único disco, Aurea transformou-se, aos 23 anos, num caso sério de sucesso, que agora (dois anos depois) nos oferece o seu segundo registo, intitulado ‘Soul Notes’.

Vive em Sintra, onde está "próxima de Lisboa e do mar, mas ao mesmo tempo suficientemente longe da cidade"...

NOTAS

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OURO

Em 2011, Aurea recebeu o Globo de Ouro na categoria de Melhor Intérprete Individual.

MTV

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Em dois anos consecutivos (2011 e 2012) venceu a categoria de Best Portuguese Act dos Prémios MTV.

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