Presidenciais: Candidatos como nós

As histórias de vida dos dez candidatos à cadeira da presidência da república também se fazem de episódios improváveis

10 de janeiro de 2016 às 09:00
08-01-2016_14_15_23 11213274.jpg Foto: Jorge Paula
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‘Celinho’ era o filho preferido de Maria Fernandes Duarte, apesar de não ter sido um bebé fácil: quase não dormia à noite para palrar, para desespero dos pais, que, quando compraram um carocha, chegavam a andar por Lisboa de madrugada a tentar adormecê-lo. A mãe era assistente social. Marcelo Rebelo de Sousa "ia com ela para o trabalho, mesmo para os bairros mais pobres de Lisboa", conta Vítor Matos, autor da sua biografia.

Depois, tornou-se um pinga-amor. O primeiro namoro foi aos 12 anos, com Isabel Coelho Alves. O romance na Escola de Ténis do Estoril e continuou em passeios de gaivota na praia. Para ganhar os primeiros trocos, fez novelas radiofónicas na Emissora Nacional, com a atriz Ana Zannati, com quem teve um romance efémero.

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Para a impressionar, desceu a av. Estados Unidos da América, em Lisboa, de costas viradas e sem as mãos no guiador. Sempre foi atrevido. Uma vez, foi retirado em braços pela polícia de um concerto de Sylvie Vartan, de quem era fã fervoroso. Outra, ia matando de susto a avó: meteu-se debaixo da cama da senhora e foi de tal maneira convincente a simular um tremor de terra que ela ia saindo porta fora em camisa de dormir.

O Segredo de Belém

Ainda antes de nascer, Maria de Belém já tinha em casa à sua espera um medalhão com as inicias M.B. Mas a data inscrita na joia não é a do seu nascimento, a 28 de julho de 1949, mas a da sua irmã mais velha. É que a mãe da candidata presidencial, ainda antes do nascimento de qualquer um dos seus cinco filhos, decidiu que a primeira menina seria Maria de Belém. "O nome vem de uma irmã da minha mãe que morreu nova, de tifo, e tinha uma explicanda de quem gostava muito com esse nome. A minha mãe queria muito, mas nem a minha irmã mais velha nem a que nasceu a seguir puderem ser Maria de Belém. O bispado não autorizou." Assim explicou em entrevista a ex- -ministra da Saúde, natural de Sabrosa e criada no Porto. A mais nova de cinco irmãos (três raparigas e dois rapazes), cursou Direito em Coimbra. Entrou como jurista no Ministério do Trabalho em 1973 e filiou-se no PS três anos depois. Casada, tem uma filha, Helena, que vive em Londres com o marido italiano. A candidata está prestes a ser avó.

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Ás da bola

Quando Maria de Belém acabou o curso de Direito, em 1972, já andava por Coimbra António Sampaio da Nóvoa. Nascido em Valença, morava com os pais e os quatro irmãos em Oeiras quando foi descoberto por um ‘olheiro’ da Académica. "Jogava a médio-defensivo. Tinha talento, mostrava espírito de equipa e não falhava um treino", lembra à ‘Domingo’ o seu treinador da altura, José Manuel Crispim. Cursava Matemática, mas destacava-se no teatro. Foi a paixão pelos palcos que o levou a mudar-se para Lisboa, onde ingressou no Conservatório. Acabou aí a carreira de futebolista. "Foi um dos nomes que indiquei para subir à equipa sénior. Tinha tudo para ser profissional", conta José Crispim. O antigo reitor da Universidade de Lisboa tem hoje 61 anos e mais depressa pega na bicicleta do que nas chuteiras. Com dois doutoramentos, em Ciências da Educação e História, é casado e pai de um filho.

A menina das cabras

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Marisa Matias não gosta de falar de si, mas, numa entrevista televisiva com o líder do Podemos, Pablo Iglesias, contou bastante. Marisa é filha de um guarda florestal e de uma empregada de limpezas com três filhos. Viviam em Alcouce, Coimbra.

Fazia 5 km a pé para ir à escola primária e quando regressava pastava o gado da família e ajudava na agricultura. Às vezes perdia umas quantas cabras pelo caminho, que a mãe tinha de ir procurar à noite. Marisa Matias era das poucas na aldeia que conversavam sem constrangimentos com o vizinho comunista, Álvaro Febra. Começou a trabalhar com 16 anos. "Eu via as dificuldades que havia dentro de casa", contou. Trabalhou em limpezas, foi rececionista e secretária. Foi a primeira da família a licenciar-se. E a fazer um doutoramento.

Em 2011, enquanto eurodeputada, foi ao Egito em plena revolução. Quando precisou de um táxi não havia. "Então o taxista ligou a um primo que tinha um cavalo, o ‘Charlie Brown’." E foi assim, no atrelado, numa via rápida e em sentido contrário, que atravessou o Cairo.

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Vida ganha a pulso

Henrique Neto nasceu num quarto da casa do chefe da polícia da esquadra da Boavista (Lisboa), onde o pai trabalhava. Gostava de andar pendurado nos elétricos e de livros, que lia à socapa no chão da Bertrand. O escritor Aquilino Ribeiro achava-o curioso e, amiúde, perguntava-lhe o que é que andava a ler. Do avô materno reza uma história macabra: "matou um homem e foi condenado a 20 anos, mas só lá esteve um ano. A minha mãe diz que ele matou também a minha avó, com um pontapé na barriga quando estava grávida. Estranhamente, dava-me bem com ele, embora o tivesse conhecido noutra fase da vida", confidenciou numa entrevista ao ‘Jornal de Negócios’. Aos 13 começou a trabalhar. Ajudava a fazer caixotes de madeira e entregava-os, de burro pela mão, nas fábricas da zona. Dava o dinheiro todo à mãe. Foi assim até ir para a tropa. Tornou-se militante do MUD juvenil. E a mãe, em pânico, viu entrar pela casa adentro uma máquina de escrever e um stencil para imprimir manifestos. Mas Henrique não soçobrou. Nem mais tarde, quando foi preso nas Caldas da Rainha por andar a colar cartazes.

Havia de tornar-se num dos maiores empresários lusos (dono da Ibermoldes) mas em 2009 vendeu tudo ao sócio. Salomé Rios, ex-secretária, lembra-se de outra coisa: "Tratou de tudo, arrumou tudo, fechou o gabinete… mas ali estava eu… o último adeus." Só então chorou.

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‘Padre Vermelho’

Edgar Silva perdeu o pai de forma trágica. Estava-se em 1986 e o carteiro e militante socialista fervoroso sofre um ataque cardíaco ao ver Mário Soares presidente.

O político madeirense jogou no Nacional e chegou a ser detido pela PSP quando dormiu à porta do tribunal para apoiar uma família que tinha sido despejada. Vive com a companheira e tem um filho, apesar de ter sido padre durante décadas. Era conhecido como o ‘Padre Vermelho’, até que, em 1997, comunicou ao Bispo do Funchal a sua desvinculação do ministério sacerdotal para se inscrever no PCP. Só se sente obrigado a um dever: "o da intervenção". Em Lisboa, quando estudava no seminário de Almada, andava pelos bairros da Curraleira e do Relógio a ajudar os pobres. Quando regressou à Madeira, foi o protetor que muitos miúdos não tinham: denunciou e foi o maior defensor das crianças das caixinhas, que mendigavam e se prostituíam.

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Astrónomo falhado

Em Viana do Castelo, ainda perdura na memória dos mais velhos a existência da fábrica de plásticos ‘Papa Léguas’. Encerrada há muitos anos, tinha como proprietário Casimiro Teixeira de Morais, pai do candidato presidencial Paulo de Morais, de 52 anos. Foi em Viana que Paulo de Morais deu os primeiros passos na política, ao militar na JSD, mas quando foi estudar para o Porto, passou para lá a sua atividade política. E se é conhecido por apontar as questões bem terrenas da corrupção, durante a juventude foram os astros que o inspiraram. "Ainda adolescente, queria ser astrónomo e isso levou-me a escolher a Matemática como formação superior", conta no seu site.

Paulo de Morais foi vereador no primeiro executivo camarário de Rui Rio, no Porto. Saiu com estrondo, acusando a câmara de pactuar com os interesses imobiliários e, desde então, fez da luta contra a corrupção a sua bandeira. Professor universitário, casado e pai de cinco filhos, faz do Natal uma festa de reunião, já que viu os descendentes partir para o estrangeiro para construírem as suas vidas profissionais.

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Médico colecionador

O projeto ‘Museu das Coleções’ é falado em Cantanhede há vários anos. A ideia é reunir debaixo do mesmo teto as mais de 700 mil peças doadas pelo médico Cândido Ferreira, um filho da terra. A coleção inclui pintura portuguesa dos séculos XIX e XX, selos, moedas, peças arqueológicas e outras raridades.

Cândido Ferreira tem 66 anos e é médico, especialista em nefrologia (rins). Participou nas primeiras transplantações de rins com cadáveres em Portugal, realizadas em Coimbra, onde se licenciou. Vive em Leiria, onde manteve até há pouco tempo uma clínica de diálise. Mas a sua grande paixão, além da arte, está mais a sul. É proprietário da Casa da Urra, em Portalegre, onde produz vinhos. Militante do PS desde 1974, chegou a liderar a distrital de Leiria e dirigiu uma das campanhas presidenciais de Jorge Sampaio. Deixou o partido em 2011, crítico da liderança de José Sócrates.

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Venha a ‘sonhalidade’

Em outubro, o psicólogo Jorge Sequeira foi à Filarmónica Senhor dos Aflitos do Soutocico (Leiria) fazer uma palestra. Fernando Vieira, presidente da coletividade, conta à ‘Domingo’: "Contactámos o professor Jorge Sequeira e ele aceitou vir cá sem outro pagamento que não fosse o de o ajudarmos a recolher assinaturas para a candidatura." E assim, em vez de pagar os 2000 a 2500 euros que custa uma palestra do psicólogo, os sócios ouviram então falar de "espírito de equipa" e "realização pessoal", em troca de 400 assinaturas.

Jorge Sequeira, de 49 anos, apresenta-se como docente universitário, ‘motivational speaker’, investigador, comentador desportivo, empresário e consultor. Com raízes em Braga, já trabalhou no Sporting local com Jesualdo Ferreira e orgulha-se de já ter tido José Mourinho como aluno. Nas palestras, usa uma palavra que inventou: ‘Sonhalidade’, a conjunção das ideias de sonho e realidade.

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Calceteiro do povo

Vitorino Silva, conhecido por Tino de Rans, descobriu cedo as agruras da vida. Veio ao mundo na palha, e tinha nove anos quando perdeu o pai, num acidente de trabalho. Viria a perdeu um irmão da mesma forma brutal.

A mãe ficou então viúva e com oito filhos para criar – seis deles ainda menores de idade –, e Tino foi trabalhar ainda menino para as obras. Aos 22 tornou-se no mais jovem presidente de freguesia (Rans). Saiu do anonimato em 1999, quando abraçou António Guterres no Congresso do PS, no Coliseu de Lisboa, e destacou-se no programa ‘Big Brother VIP’. A filha Catarina, de 18 anos, foi a última das 7500 assinaturas necessárias para entregar a candidatura à Presidência.

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Quanto custam as campanhas

Sampaio da Nóvoa é o candidato com orçamento mais elevado. O professor universitário prevê angariar 968 mil euros, quase todos de subvenção estatal (calculada em função do resultado obtido) e gastar 742 mil euros. Maria de Belém prevê receitas de 896 mil euros e gastos de 650 mil. Edgar Silva é o único que admite receber dinheiro de um partido – o PCP. Prevê receitas e despesas de 750 mil euros. Marisa Matias é apoiada pelo BE, mas não refere financiamento do partido. O orçamento é de 455 mil euros. Apontado como favorito nas sondagens, Marcelo Rebelo de Sousa prevê gastos de 157 mil euros, dos quais 45 mil vêm de donativos. Paulo de Morais tem orçamento de 93 mil euros, Henrique Neto estima gastar 275 mil. Jorge Sequeira tem orçamento de 123 mil euros, Cândido Ferreira, 60 mil, e Tino de Rans 50 mil. Os três não preveem qualquer subvenção estatal. 

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