Quinta do Conde: Triplo homicídio a tiros de zagalote

Na tarde do último sábado de agosto, na Quinta do Conde, Um vizinho pôs fim a tiro a zangas antigas.

20 de setembro de 2015 às 15:30
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Nos últimos dias de agosto, um crime violentíssimo abanou a pacatez da Quinta do Conde, em Sesimbra. Morreram três pessoas. O presumível autor do crime é Rogério Coelho, um homem com 77 anos de idade.

O que terá levado este homem – um quase octogenário – a tirar a vida a três pessoas? Terá sido um ato louco, resposta violenta a uma situação concreta, ou estaremos perante um crime planeado e cometido com frieza, fruto de frustrações acumuladas, de uma tensão interior que explodiu naquele dia? A resposta não é fácil e, porventura, nunca saberemos com exatidão o que se terá passado na cabeça do presumível autor dos crimes. De acordo com os dados hoje públicos, podemos tirar algumas conclusões, embora existam aspetos por explicar que só a investigação da Polícia Judiciária poderá esclarecer.

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O caso em si mesmo, nada tem de novo. Rogério Coelho, o presumível homicida e José Pereira, uma das vítimas, eram vizinhos. Viviam na mesma rua, em duas moradias, muito próximas uma da outra. Viviam em conflito permanente há quase duas décadas. Tudo era motivo para queixas mútuas. Ninguém consegue precisar a origem desta guerra, por ser tão antiga. O que todos sabem e conheciam era a escalada de violência, as queixas-crime, os processos judiciais, sendo que – dizem – Rogério Coelho, há alguns anos, terá chegado a atacar o vizinho José Pereira, agente da PSP, com uma martelada na cabeça. A agressão deu origem a um processo e Rogério foi obrigado a indemnizar o vizinho.

Rogério Coelho entendia que o sistema de justiça e as Polícias, numa atitude corporativista, protegiam o seu vizinho José, prejudicando-o a si. A violência latente foi evoluindo e criando em Rogério uma raiva que o consumia e que tinha dificuldade em dominar.

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A tragédia era previsível. O detonador terá sido simplesmente um cão – a cadela que José Pereira teria adquirido há cerca de três anos e que atormentava Rogério com os seus latidos.

Mas terá sido o crime que presumivelmente cometeu fruto só de um impulso momentâneo? Aparentemente, não. De acordo com os dados que conhecemos, o crime resultou de uma ação fria e premeditada.

DE ATALAIA À JANELA

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No dia do crime, Rogério Coelho, o presumível homicida, esperou que a sua esposa saísse de casa para ir às compras. Não a quis acompanhar. Assim que ficou sozinho, subiu ao primeiro andar da sua casa, preparou a arma, uma caçadeira, carregou-a com cartuchos de zagalotes – chumbos mais grossos, que se utilizam na chamada caça grossa – e ficou à janela à espera, como um caçador espera a sua presa. Quando José Pereira apareceu, Rogério Coelho, caçador experimentado, apontou a arma e disparou, atingido mortalmente o vizinho. Foi a sangue-frio. Não houve nenhuma discussão ou troca de palavras. José Pereira foi atingido por um disparo à traição.

Logo depois, o filho de José Pereira, um jovem de 23 anos, correu na direção do pai caído no chão. O filho de José nem se terá apercebido da verdadeira natureza dos acontecimentos. Quando o jovem se baixava para ver o estado do pai, um novo disparo mortal foi feito.

Não houve troca de palavras ou discussão entre o jovem e o idoso, à janela de caçadeira. Os dois disparos, que mataram pai e filho, foram feitos com poucos minutos de intervalo.

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O pânico instalou-se naquela rua da Quinta do Conde. Os vizinhos saíram à rua. Foi chamado o INEM, os bombeiros e a GNR. Os militares são os primeiros a chegar ao local, devido à proximidade do posto da guarda com o local do crime. O soldado Nuno Anes é atingido na cabeça por um novo disparo. As fotografias são elucidativas: numa vê-se um grupo de pessoas de joelhos a tentar assistir José Pereira e o filho e noutra vê-se o guarda Nuno Anes já de pé, enquanto a sua colega, que seguia ao volante do carro-patrulha, ainda não tinha sequer saído da viatura.

Entre o momento em que José Pereira e o filho são mortos e o momento em que o militar da GNR Nuno Anes também é atingido decorre algum tempo, o suficiente para se perceber que Rogério Coelho, quando disparou sobre Nuno Anes, queria atingi-lo. Não foi o azar ou um ato louco. O disparo é feito diretamente contra o elemento fardado. O disparo é feito para tirar a vida ao militar da GNR.

Rogério Coelho é há muito tempo caçador. Conhecia bem a arma que tinha nas mãos. Sabia que disparar a cerca de 30 ou 35 metros das vítimas, com aquela arma, a probabilidade de os atingir e de lhes tirar a vida era quase de cem por cento.

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Até este momento, aparentemente não existem dúvidas sobre o decurso dos acontecimentos. A questão a explicar estará apenas na motivação do presumível homicida, o que assenta nos factos já conhecidos. O motivo será sempre fútil. Não existe razão suficientemente forte para tirar a vida a alguém de forma tão bárbara.

Mas é a partir daqui que começam as dúvidas. O que fez parar Rogério Coelho? O que fez parar este homem, que estava numa posição privilegiada, num plano superior, com uma visão total da rua, que tinha procedido de forma bárbara, disparando de forma sucessiva a matar. O que é que aconteceu para que o presumível homicida tenha deixado de disparar e descido ao piso térreo da casa, local onde mais tarde veio a ser detido? Este comportamento não faz sentido. Depois de momentos de loucura em que disparou sobre três pessoas, que acabaram por morrer, a loucura dissipa-se, a racionalidade regressa e senta-se à espera do que acontecerá a seguir.

PRESUMÍVEL SUICÍDIO

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Este comportamento leva-nos à próxima dúvida. Consta que o agressor ter-se-ia tentado suicidar, mas teria falhado o disparo e ficado ferido no maxilar. Não consigo acreditar nesta versão, sendo que nem sequer consigo acreditar que Rogério Coelho se tenha tentado suicidar. Com a arma que tinha, se ele tivesse querido mesmo a morte dele próprio – com um disparo feito por baixo da boca, junto à garganta – tinha morrido mesmo, sem qualquer hipótese de sobreviver. Como é possível que o homem que acertou em todos os alvos para onde disparou a 30 ou 35 metros de distância falhe o tiro mais fácil, aquele que disparou com o cano encostado ao alvo?

Com um disparo de caçadeira efetuado àquela distância, Rogério Coelho ficava pura e simplesmente irreconhecível. É inexplicável, por ser praticamente impossível, que alguém que encoste o cano de uma caçadeira junto ao queixo e faça um disparo falhe o tiro e fique apenas com ferimentos no maxilar, ferimentos aliás bastantes ligeiros – teve alta clínica três ou quatro dias depois.

Não consigo pois acreditar na versão da tentativa de suicídio. A última dúvida é a própria detenção de Rogério Coelho. Como é que este homem tão perigoso, tão descontrolado emocionalmente - apesar da frieza com que cometeu os crimes - se deixou deter, sem oferecer qualquer resistência? Rogério Coelho tem 77 anos. Sabe perfeitamente que se forem provados os crimes de que está indiciado, dificilmente escapará a uma condenação inferior a 25 anos de prisão. Com a idade que tem e sendo sentenciado à mais pesada pena de prisão que o sistema jurídico português prevê, é quase certo que Rogério Coelho não mais viverá em liberdade até ao fim dos seus dias. Não tendo nada por que lutar, tendo perdido tudo, como explicar a aparente cobardia de Rogério Coelho no momento da detenção?

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Estas são algumas das dúvidas a que a investigação responderá ou talvez não. Efetivamente importante era que tivesse sido possível evitar a morte daquelas três pessoas – homens ainda muito jovens. Não foi possível. A explicação do que aconteceu não serve sequer para qualquer tipo de prevenção, quando muito serve apenas para apaziguar as nossas consciências.

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