“Sentiam-se mais seguros só por nos verem lá em cima a voar”
A nossa missão era a evacuação dos feridos e o abastecimento de víveres às tropas que estavam em locais inacessíveis
Saí de Lisboa a 20 de maio de 1970 e viajei no TAM – Transporte Aéreo Militar. Na primeira tirada, fiz oito horas de voo até Bissau . Depois do avião reabastecer, continuei a viagem até Luanda. Mais 10 horas de voo. Passei o resto do dia em Luanda e também a noite, porque os pilotos têm de descansar após algumas horas de voo. Depois, saí para Lourenço Marques (hoje Maputo), onde cheguei no final do mês de maio. Estive uns dias em Lourenço Marques e depois fui para Nampula. Éramos colocados nas várias bases e eu fiquei no Aeródromo Militar 51. Fazíamos vários destacamentos, de sensivelmente um mês, e estive também em Mueda, Tete e Vila Cabral (Lichinga). Antes de me meter a caminho tive um espécie de treino, uma preparação, para a nova condição de piloto-militar de helicópteros.
Quando cheguei a Mueda, no dia 10 de junho, estava uma parelha de jatos Fiat G-91 a descolar para uma missão de bombardeamento. Saiu bem o chefe após uma corrida de descolagem vertiginosa. Olho para o fim da pista e aí está ele no ar. Entretanto, não vislumbro o asa a descolar e o pessoal começa a gritar: ‘Acidente! Acidente!’
Em vez do avião vejo uma nuvem imensa a subir no ar, que, a princípio, penso ser de fumo, mas depressa me apercebi ser de poeira. Corri até à pista, juntamente com outras pessoas, e vejo o avião fora da pista, já com a poeira a assentar. Reparo então que o aparelho aterrara sobre as bombas de 100 quilos que levava sob as asas. Estava incólume. O chefe da parelha que descolara ficou apreensivo a perguntar pelo asa, mas depressa foi informado que o seu camarada se encontrava bem. O chefe prosseguiu a missão sozinho, uma vez que teria de largar as bombas que levava sob as asas, não podendo aterrar com elas.
Quando tudo acalmou, o piloto do avião acidentado contou o que tinha acontecido. Na corrida de descolagem levantou cedo demais a roda de nariz, devido a uma irregularidade da pista, e deveria ter baixado até atingir a velocidade indicada para o fazer. Ao tentar descolar a uma velocidade mais baixa, já com a roda de nariz no ar, o avião não saiu do chamado ‘efeito de solo’, continuando agarrado à pista. Logo que se apercebeu de que não iria descolar, recolheu o trem e aterrou fora da pista, com as bombas a fazerem as vezes do trem. Que sorte não terem explodido!
Socorrer os feridos
O nosso trabalho – pilotos de helicóptero – prioritário era a evacuação dos feridos em combate. Quando acionavam as minas ficavam amputados, era uma coisa tremenda. Íamos buscá-los ao mato e às picadas, quando as colunas de transporte terrestre eram atacadas. Também abastecíamos as tropas estacionadas em lugares inacessíveis por via terrestre (os chamados ‘buracos’) de víveres frescos e de ração de combate. Quando o Exército fazia uma operação, por exemplo, se atacava uma base da Frelimo, e depois os militares ficavam no local bastante tempo, era preciso serem reabastecidos. Levei barris de água a alguns locais, onde eles estavam sem beber há muito tempo – é impressionante a sofreguidão quando a sede é a sério.
Amigos dos Comandos dizem que ficavam mais seguros só pelo facto de andarmos lá por cima, a voar. Mas os helicópteros também eram atacados quando lançávamos no terreno tropas aerotransportadas, geralmente comandos e paraquedistas. Nessa altura, os aparelhos ficavam mais vulneráveis e, de vez em quando, aterravam todos furados.
Saíamos com alguma frequência e nalgumas missões várias vezes ao dia. Lembro-me de uma missão que foi do nascer ao pôr do sol. Sempre a abastecer e a levantar voo outra vez. Regressei a a Lisboa a 1 de julho de 1972.
Ex-combatente: Osvaldo dos Santos Francês
Moçambique (1970-72)
Piloto da Força Aérea
Tem 70 anos, é casado e tem uma filha
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