page view

1972: O ano em que o porno se tornou chique

Há 33 anos, ‘Garganta Funda’ escandalizou e apaixonou a América. De um lado, a moralidade dos Estados conservadores, prontos a vetarem qualquer manifestação que fosse contra os bons costumes. Do outro, os liberais, fartos de verem parte da população apoiar filmes sangrentos e ficar de boca aberta graças às desventuras de uma mulher com o clítoris na goela, à procura de prazer oral.

18 de setembro de 2005 às 00:00

Esse, e apenas esse, era o reduzido argumento da película dirigida por Gerard Damiano, também actor naquela hora de imagens libidinosas, o primeiro a ser criticado quando as filas à porta das salas de cinema começaram a crescer. O filme de orçamento reduzido, construído com uns míseros 25 mil dólares, estava a fazer História. Nunca, como até ali, um objecto ‘hardcore’ tinha ousado romper fronteiras, chegar aos ecrãs onde habitualmente era visto outro tipo de acção. Ajudas não faltaram.

Para atingir os píncaros da fama ‘Garganta Funda’ contou com um artigo do ‘New York Times’ e, naturalmente, com a posterior perseguição que lhe foi movida pelos ‘velhos do Restelo’ – 23 Estados proibiram a sua exibição. Se um jornal de referência falava de forma tão entusiástica das façanhas sexuais de Linda Lovelace, se meia nação andava a censurá-la de forma tão veemente, havia que constatar ‘in loco’ as artes da senhora.

O CORRUPIO FOI TANTO que o lucro chegou num instante. Contas feitas, estima-se que até hoje tenha atingido 600 milhões de dólares de bilheteira, número que o coloca no primeiro lugar da tabela das obras cinematográficas mais lucrativas de sempre – no rácio entre custo de produção e ganhos totais. Nada mau para apenas seis dias de rodagem.

Gerard Damiano estaria agora a aproveitar os luxos de uma reforma dourada se todos os tostões amealhados tivessem revertido para a sua conta. Só que, com tantas pragas rogadas pelos puritanos, os protagonistas da malfadada película caíram mesmo em desgraça.

Ele, por exemplo, não vive na miséria mas jamais se transformou num Hugh Hefner da pornografia. ‘Dentro de Garganta Funda’, o documentário que na próxima quinta-feira explode nas salas portuguesas, explica porquê: Damiano recorreu ao dinheiro sujo de uma das cinco famílias mafiosas de Nova Iorque para rodar o filme. Um mau negócio.

Em vez de guardar um terço das receitas, como havia acordado, acabou por ser ‘convencido’ a vender a sua percentagem por 100 mil dólares, única forma de se afastar dos perigosos boatos. E não ser morto. Até 1994 continuou na indústria para adultos, a realizar outras pornochachadas, sem a alma daquela que marcou profundamente a década de 70.

LINDA LOVELACE teve história ainda mais triste. Figura maior do ‘triple X’ durante um ano, chegou a ser convidada a emprestar o talento (?) em grandes produções de Hollywood, onde bastaria ser menos ousada para ganhar fortunas. Recusou sempre, dizendo que o seu futuro estava na pornografia. Qual estrela cadente, participou noutros três filmes antes de dar uma volta de 180 graus à carreira e transformar-se em puritana de trazer por casa. Juntou-se a um movimento feminista radical e dez anos após o sucesso de ‘Garganta Funda’ – pelo qual recebeu um ‘cachet’ de 1200 dólares – era vê-la dar novo uso às cordas vocais: berrar que só obrigada dera o corpo ao manifesto. Jamais se livrou das contradições de um trajecto conturbado. Teve dois filhos e dois casamentos. Morreu a 22 de Abril de 2002, vítima dos ferimentos provocados por um acidente de viação. Contava apenas 53 anos e estava desfigurada devido às operações plásticas realizadas quando estava em alta.

O título do filme onde se transformara num ícone, esse, chegou a ser utilizado pelo editor do jornal norte-americano ‘Washington Post’ para dar nome ao informador do escândalo ‘Watergate’, que levou ao afastamento do presidente Nixon. Curiosamente, o chefe do Governo que um ano antes tentara proibir tamanha obscenidade no grande ecrã. Como se percebera desde cedo, tudo não passava de uma questão política.

Não tem tabus em relação à pornografia e espera ver um documentário que, tal como o filme que o inspira, mistura cenas mais ousadas com doses massivas de humor.

ARTE OU PORNOGRAFIA?

'OS IDIOTAS' - 1998. Lars von Trier termina o drama com uma cena de sexo explícito. Críticos não faltaram.

'ROMANCE' - 1999. Catherine Breillat realizou um filme-escândalo com o actor porno Rocco Siffredi no papel principal. Será arte ou pornografia?

'BAISE-MOI' - 2000. Uma espécie de ‘Thelma & Louise’ em versão ‘hardcore’, mas a tentar a escapar ao carimbo ‘triple x’.

'KEN PARK' - 2002. O controverso Larry Clark filma vários jovens californianos em famílias disfuncionais. Com muito sexo à mistura.

'THE BROWN BUNNY' - 2003. Vincent Gallo concebe e interpreta um filme que acaba com cena de felação. A crítica aplaudiu-o.

'9 SONGS' - 2004. Rock e sexo, numa história fraca. As actuações musicais são boas, as cenas escaldantes nem por isso.

Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?

Envie para geral@cmjornal.pt

o que achou desta notícia?

concordam consigo

Logo CM

Newsletter - Exclusivos

As suas notícias acompanhadas ao detalhe.

Mais Lidas

Ouça a Correio da Manhã Rádio nas frequências - Lisboa 90.4 // Porto 94.8