Fomos aos sítios mais problemáticos dos seis distritos com maior nível de criminalidade no País
Na Ameixoeira, só se ouvem tiros na Passagem de Ano' – é um coro uníssono esta afirmação de africanos, ciganos e brancos. Uns acrescentam o Carnaval. Então, é consensual: há armas no bairro. 'O cigano, desde pequenino, tem uma navalha ou uma pistola', confirma Fernando Batista, 54 anos. Ele próprio é cigano – mas de armas apreendidas; a última lá se foi em Moura (no Alentejo), 'matou um gaio' – e retrata parte da realidade de um dos bairros mais perigosos de Lisboa, que o Relatório da Segurança Interna 2008 classifica como o distrito do País com criminalidade mais elevada.
De manhã, o bairro da Ameixoeira respira o ar do silêncio. À porta do único café, entre as zonas 4 e 6 – e diz-se que é uma aventura ser lojista nos dois cantões mais perigos do bairro –, Nuno Simões, 34 anos, vai reinando: 'Aqui no bairro? Se há droga!? Ai meu Deus, é aos guarda-fatos cheios.' E enumera que por ali 'há muitos bandidos', que a Ameixoeira justifica os piores rumores de criminalidade... 'Há coisas que escuso dizer: este bairro é uma só coisa. Se a pessoa não for daqui, não anda cá à noite; mesmo os daqui já estão f*.' Nuno não trabalha, é casado, e joga PlayStation toda a tarde – diz ele.
A realidade de violência e tráfico está inscrita nos noticiários. Ana Cruz, coordenadora do Projecto Interligar, da Associação SOS Racismo, conta que os ciganos não são uma maioria no bairro, mas são sentidos como tal. Isto porque os idosos fecham-se em casa. 'Aqui as pessoas não são assaltadas na rua', garante. Pelo sim, pelo não, Benjamim Gonçalves, 65 anos, transformou a sua casa num cofre-forte. Pôs-lhe uma porta blindada.
O quotidiano dos arredores do Porto não é muito melhor. O Bairro dos Carreiros, em Rio Tinto, onde, há duas semanas, Alfredo Henrique Conceição, epiléptico, 21 anos, foi espancado e acabou por morrer, continua em estado de sítio. Ao mínimo sinal de gente estranha ou dos suspeitos apontados pela vizinhança, os moradores saem à rua como milícias.
'Se os vir aqui, dou-lhes uma coça que não se levantam', diz Jorge Coelho. Entre os principais edifícios do bairro existe uma linha de fronteira imaginária. De um lado os revoltados, do outro os que espancaram Alfredo e gravaram a brutalidade para distribuir na internet.
Foi sovado por quatro jovens, entre os 17 e os 22 anos, apontados pela polícia como suspeitos de furtos e tráfico de droga. Terá contado ao bairro os roubos que o grupo fazia e vingaram-se. Nos Carreiros, há quem prometa recorrer às armas para desforrar a morte ou para, numa primeira fase, patrulhar as ruas. 'Pego na pistola e só paro quando morrerem', ameaça Jorge, que garante saber quem eles são.
A manhã na Bela Vista, em Setúbal, cala as vozes que durante a noite se levantam. É o local que abriga o gang do ATM – cerca de 20 suspeitos de centenas de roubos e só três foram detidos. R., 20 anos, traje largo e ouro a brilhar nos dedos, assume que é do bairro. 'Curto viver aqui, estou com os manos, fumamos ganzas, bebemos cervejas'. Asneiras? 'Metemo-nos numas confusões de vez em quando, fazemos uns filmes quando bebemos, muita coisa'. Assaltos? 'Ya, mas agora já não'.
Mal anoitece, cerram-se as cortinas das janelas dos Sampaio. 'À noite tranco-me em casa, cada vez isto está pior', lamenta Isaura. 'Já fui assaltada tanta vez que nem tem conta. Uma vez ia de muletas e só vi uma mão aqui atrás (aponta para o pescoço), deram-me uma marrada com tanta força que caí no chão e fiquei toda negra', recorda, aos 54 anos, mãe de cinco filhos. 'À minha Patrícia apontaram-lhe uma faca ao peito.' Até o som dos tiros é balada conhecida aos ouvidos dela.
O dono de um estabelecimento comercial no bairro conhece esse desatino. 'Só este ano já fomos assaltados cinco vezes. Custa é que os patifes são malta daqui. Mas claro que há aqui muita gente boa '. Patrícia, 22 anos, está no lote dos ‘bons’. Defende o bairro onde nasceu e cresceu. 'Sinto-me mais insegura, quando saio à noite, noutros sítios da cidade do que aqui.'
No Bairro dos Índios, em Olhão, Armando Alves é conhecido como o ‘Cabeça’, alcunha que herdou do irmão porque 'abria portas trancadas à cabeçada'. Com 31 anos garante que já não anda metido nestes ‘esquemas’. Mas andou. 'Vendi muita droga, durante muito tempo, facturava 300 euros por dia, mas deixei tudo.'
Um bloco de prédios acima mora Maria Nascimento Lopes, pensionista de 56 anos, que vive com o filho doente. Está há cerca de 30 anos no bairro que 'já foi perigoso mas, agora, está mais calmo'. A vista à volta da casa inclui paredes graffitadas e lixo no chão. Nada que a afecte.
A constante entrada e saída do Centro de Atendimento a Toxicodependentes, junto ao bairro, cria algum sentimento de medo. Razões que levaram Eduardo Martins a ter em casa um rottweiller cruzado e um pitbull. É que a mãe já foi assaltada uma mão-cheia de vezes. 'Os cães não são para meter medo mas sim respeito', explica Eduardo, 20 anos.
Em Rio Meão, Aveiro, todos os caminhos percorridos por larápios parecem ir dar aos Correios – à média de quase um assalto por mês este ano. Naquela zona, nem a caixa de esmolas da igreja escapa ao apetite voraz dos assaltantes. Palmira Rodrigues, funcionária da Lavandaria Delicada, paredes meias com os Correios, jamais esquecerá um dos últimos ataques. 'Pareciam ninjas, como nos filmes, todos vestidos de preto e caçadeiras nas mãos. Um entrou na estação e outro ficou cá fora. Estava a chegar ao trabalho e um deles, de arma em riste, gritou-me: ‘Mete-te já lá dentro’', contou Palmira, relembrando o terror de seis outras pessoas obrigadas a deitar-se no chão durante o assalto. 'Sequestraram clientes e houve quem reagisse. Um dos assaltantes chegou mesmo a agredir uma pessoa.' Nas imediações, todos os estabelecimentos comerciais já foram roubados.
'Nos dias em que os idosos vêm levantar as reformas são frequentes os roubos por esticão. Muitas das vítimas, porque não querem abandonar as suas bolsas, acabam por se aleijar', contou Conceição Brito, moradora nas imediações.
Vítor Marques relembra o dia, há cinco meses, em que a sua mulher não ganhou para o susto. Um jovem entrou-lhe casa adentro. 'Ela estava a limpar o terraço e nem o viu entrar pelas traseiras. Levou-nos 2500 euros em ouro', relembrou.
O septuagenário Augusto Morais não facilita na segurança da ourivesaria desde há 'pelo menos três anos'. É que já contabiliza 16 assaltos e, agora, 'o medo é permanente'. O sentimento apanha todos os comerciantes da avenida de Santa Maria, em Viatodos, nos limites dos concelhos de Barcelos e Vila Nova de Famalicão.
Ninguém passa incólume à sucessão de assaltos e vandalismo. Desde a ourivesaria de José Augusto, ao supermercado, cafés, agência de seguros, farmácias, lojas ou até mesmo uma casa de ferragens. 'Vai tudo. Qualquer coisa serve', lamenta Carlos Menezes, que teve de esconder máquinas como berbequins e rebarbadoras.
A par dos comerciantes, os moradores também se queixam. 'Nunca se sabe quando nos apanham', alerta Marta Teixeira, lembrando os já vários casos com tiros. Marta já não sabe se é melhor viver na cidade ou na aldeia.
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