As cheias isolaram 30 pessoas em Reguengo do Alviela. Retratos de quem viu, depois da chuva, a água chegar à cintura
Por estes dias, a rotina de Ema Graça, de 10 anos, está virada do avesso. Em vez da viagem habitual no carro do pai desde Reguengo do Alviela até à escola da Golegã, onde estuda no 5º ano, Ema vai de barco. A culpa é das águas do Tejo, que voltaram a isolar a típica aldeia ribatejana, onde os 30 residentes vivem desde sempre habituados aos humores instáveis do maior rio da Península Ibérica. "Temos de saber respeitar a Natureza. Isto dá-nos a dimensão do quão pequenos somos", diz Luís Graça, pai de Ema.
A família de quatro - Luís, a mulher, Seomara, e as filhas, Sara, de quatro anos, e Ema - mudou-se para o Reguengo do Alviela há dois anos. A mãe de Luís nasceu ali, ele sabia no que se estava a meter quando trocou Alverca pelo Reguengo: "As cheias são o pequeno preço que pagamos pela qualidade de vida que temos aqui."
ALDEIA ISOLADA
O isolamento da aldeia obriga Ema a acordar às seis e meia da manhã para conseguir estar na escola às oito e meia, com a ajuda dos Bombeiros de Pernes. "É uma criança que gosta muito de aprender, custava-lhe mais se não pudesse ir à escola", conta o pai. Luís é técnico de máquinas e viu-se obrigado a adiar serviços que tinha marcados. "Se houver alguma emergência, consigo sempre sair de barco", explica.
Luís Ferreira, subchefe dos Bombeiros de Pernes, é agora o responsável por levar Ema - uma das quatro crianças da aldeia - à escola. Mas há muito mais gente a precisar de ajuda. "Temos dois barcos disponíveis 24 horas por dia para ajudar em tudo o que for preciso. Trazemos pão e mercearias, distribuímos o correio, levamos quem quer sair da aldeia a terra firme", conta o bombeiro, que há 15 anos faz o improvisado trajeto fluvial entre Pombalinho, Vale de Santarém e Reguengo do Alviela. "Conhecemos bem a região, sabemos por onde navegar para evitar vinhas, portões, muros e outros obstáculos."
Júlia Gaspar, de 74 anos, não troca o Reguengo por nada. "É o meu país", explica. Ali nasceu, ali se casou, ali teve os dois filhos, que hoje moram em Santarém. "O meu filho vem ver como eu estou e telefona-me todos os dias. A minha filha já me disse para ir para casa dela, mas eu não ficava descansada de saber que a minha casa estava em risco." A subida das águas obrigou-a a mudar as galinhas do quintal, mas para já a água ainda não lhe chegou à porta. Agricultora toda a vida, Júlia lamenta o transtorno que as inundações causam a toda a gente , mas não desdenha o bem que o Tejo faz aos campos: "As cheias são o melhor adubo que há para as terras."
PREVENÇÃO DAS CHEIAS
A proximidade da água também já não assusta a população de Ribeira de Santarém, habituada que está a conviver com as cheias sempre que a chuva insiste em cair. "Estamos na expectativa de que o rio não venha a alterar o seu caudal, mas se a situação meteorológica mudar, isto aqui pode piorar", explica Fernando Rodrigues, de 67 anos, reformado da Função Pública e um dos responsáveis pela freguesia local. Ruas inundadas, metro e meio de altura de água na zona de Palhais e pontes submersas fazem parte do quotidiano de quem escolhe aquela região para viver. "Aqui já somos ‘doutorados' em cheias", acrescenta Fernando Coelho, enquanto explica que todos mudam móveis e outros haveres para cima de cavaletes. "A água já entrou em algumas habitações, mas a situação mais complicada é nos campos, onde quatro quintas da lezíria estão isoladas", diz.
Com 52 anos de idade e outros tantos de cheias, também José Condesso admite que tem "a situação controlada". A água do rio pode subir com as marés, mas este ano a sua unidade hoteleira não foi afetada. "Estamos acima da linha férrea, uma espécie de barreira psicológica que delimita a zona da qual a água nunca passou. Em princípio, este ano não vai ser pior, mas nunca sabemos para onde a água vai quando é muita", nota.
QUEDA DE PONTES
Mais surpreendidos ficaram os habitantes de Fervença, em Alcobaça, onde a subida inesperada do caudal das águas alterou a rotina. Carlos Coelho, proprietário do talho local, precisa de recuar 15 ou 16 anos para recordar cheias semelhantes às que alagaram a zona na passada terça-feira. "Há muitas estradas cortadas e zonas com mais de meio metro de água. E a confusão instalou-se", diz. A subida inesperada das águas levou o caos àquela localidade. "Não sabíamos para que lado estava a situação pior, e quem se fazia à estrada desconhecia qual o melhor caminho a seguir. Na minha terra, Rebotim, onde ainda tenho um moinho, caíram as duas pontes", relata.
Chamados a retirar carros de garagens, a inundações domésticas e a socorrer um homem de 80 anos cujo carro foi arrastado pelas águas, os Bombeiros de Alcobaça encontraram no Hotel & Spa, antigo Termas da Piedade Hotel, a situação mais complicada, depois de a água ter entrado sem ser convidada e ter atingido a altura de um homem. "Tivemos de evacuar o hotel e retirar as 13 pessoas, entre clientes e funcionários, que lá se encontravam", confirma o comandante Mário Carol. "Já assistimos a enchentes, mas nunca como a deste ano", admitiu uma empregada da unidade hoteleira. Com os jardins alagados e a piscina exterior inundada, o hotel fechou para manutenção. "Agora, é meter mãos à obra." D
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