Este e outros apelidos portugueses explicados pelo alfarrabista e investigador Carlos Bobone.
A história dos apelidos portugueses "é um emaranhado que nem sempre se consegue deslindar", afirma Carlos Bobone, investigador em História e Genealogia e autor do livro ‘Os Apelidos Portugueses – Um Panorama Histórico’ (D. Quixote).E isto porque em Portugal nunca houve uma regra fixa para a atribuição do apelido: "Cultivou-se desde muito cedo o hábito de transformar o nome numa permanente invocação dos parentescos que cada pessoa prefere lembrar".
Por isso, os percursos que os nomes seguiram ao longo das gerações não se guiaram por regras simples. "E isto quando se descobre o fio genealógico, pois há famílias em que os apelidos brotam espontaneamente, de uma geração para outra, sem que se consiga encontrar uma explicação para eles. Claro que muitos destes são alcunhas, e para explicar o seu nascimento é preciso conhecer a história íntima da comunidade onde eles se fixaram", frisa o autor.
São, por exemplo, os casos dos apelidos Moura, Ourém, Baroche, Baharém, que se atribuíram às famílias que conquistaram determinados territórios de Portugal e aos seus descendentes. Os Hortênsios e os Serranos (como a atriz Fernanda Serrano) são apelidos de origem romana e "chamavam-se assim porque tinham grandes campos para semear". Já os Araújo têm definitivamente raízes no Oriente, tendo o nome original (’Arrozoo’) sofrido um aportuguesamento.
OS REBELOS DE SOUSA & CO.
Quanto ao segundo, qualquer pessoa que se interesse por estudos genealógicos sabe que se estiver a estudar uma família francesa, inglesa ou italiana, tem grande probabilidade de verificar que os Dupont, Williams ou Rossi de hoje são descendentes por linha masculina de pessoas que usaram sempre esse apelido desde há três ou quatro séculos. Mas isso não acontece em Portugal, apesar de a maioria achar que o apelido é aquilo que melhor traduz a filiação. "A probabilidade maior é a de que os Sousas, Silvas ou Almeidas tenham herdado os seus apelidos atuais por um acidentado percurso cuja reconstituição os levaria ao encontro de várias linhas da sua ascendência", refere o autor. E basta relembrar o caso de Nuno Álvares Pereira, cujos netos acabaram por adotar o apelido Botelho.
"Quanto ao último ponto, todos nós conhecemos na vida pública ou privada pessoas que se identificam pela conjunção de dois apelidos. Um Lobo Antunes ou um Rebelo de Sousa dirão sempre que o seu nome não é Sousa nem Rebelo, nem Antunes nem Lobo, e que nada têm em comum com as famílias que usam estes apelidos isoladamente", diz o autor, relembrando o caso do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Em 1942, o governo criou até uma lei especial para o uso dos apelidos compostos para que "uma parte da linhagem não tivesse de se sacrificar à outra".
Carlos Bobone dedicou ainda uma parte considerável do seu estudo a anedotas, provérbios, trocadilhos e até mesmo poemas, relacionados com os apelidos. "Acredito que para muita gente os apelidos mais engraçados serão os que tenham significados ridículos ou chocarreiros, sobretudo as famosas alcunhas alentejanas", afirma. Mas os que lhe parecem mais dignos de interesse são os apelidos cuja história vai ganhando ou perdendo sentido ao longo dos tempos. "Um caso particularmente revelador da influência mútua entre o social e o cultural é o do apelido Eanes. Este nome é o equivalente a Joanes, apelido patronímico, que significa ‘filho de João’. As duas formas foram usadas indiferentemente e nos finais da Idade Média constituíram o apelido ou sobrenome mais vulgar em Portugal. A sua vulgaridade era reconhecida, e traduziu-se no provérbio ‘Muitos Pedr’Eanes há na terra’, e teve a consequência natural de tornar o nome Joanes ou Eanes sinónimo de pessoa insignificante, de baixa extração, ignorante", conta. No teatro do século XVI, a figura de ‘Joanes’ é sempre "sinónimo de figura servil, atoleimada, com pouco senso".
A perda de prestígio do nome foi tal que acabou por traduzir-se, naturalmente, no seu abandono. "E foi tão rápida a decadência das duas formas que já no século XVIII Eanes se tinha tornado um apelido raro e de sabor arcaico", refere.
Outro caso curioso que Carlos Bobone faz questão de referir é o de um fidalgo do século XVII que fez o seu testamento instituindo um morgado composto de avultada herança. "No fim do testamento deixou pormenorizadas instruções sobre os apelidos que os herdeiros do morgado poderiam escolher entre as muitas linhagens ilustres de que descendiam. Pois ele aproveitou esse momento para ajustar contas com os ramos de que julgava ter razões de queixa. O que contava não era apenas se os apelidos correspondiam a famosas famílias, e o testador riscou da lista dos nomes recomendáveis duas linhas da sua ascendência, uma porque tinha vendido sem necessidade um senhorio importante, e outra porque tinha tratado com altivez alguns antepassados menos ilustres mas mais chegados ao coração daquele seu herdeiro!". Chegou tarde mas não faltou, a vingança.
Neste livro sobre a história dos apelidos portugueses há ainda alguns detalhes engraçados das incursões portuguesas pelo Mundo. Por exemplo, sabe-se hoje que a grande maioria dos cidadãos nascidos em Macau, Singapura, Malaca ou Ceilão, que outrora foram território português, tem ainda hoje e com frequência apelidos como Meneses, Silva, Pereira, Sousa, Albuquerque, Noronha ou Gama, pois estes deviam-se precisamente ao hábito de naquela época os indígenas convertidos terem sido batizados com os nomes dos governadores ou vice-reis do território como Afonso de Albuquerque, Estevão da Gama, D. Duarte de Menezes ou D. Afonso de Noronha, entre outros.
Já no Brasil, o processo fez-se ao contrário no dealbar do século XIX e por força do furor independentista: muitos portugueses resolveram enfeitar os seus nomes com outros de origem indígena. Por exemplo, o visconde de Jequitinha, que começou a vida como Francisco Gomes Brandão, transfigurou-se em Francisco Gê Acaiaba Montezuma. ‘Sinhôzinho’, que tanto ouvimos em telenovelas de época brasileiras, é na verdade uma derivação dos apelidos Sousa Leão. No Congo, o mesmo fenómeno: Ndonderi (Dom André) ou Ndonbele (Dom Abel) são na realidade nomes de origem lusa.
CURIOSIDADES DOS NOMES
Alcunhas
Existem no nosso país muitos sobrenomes nascidos de alcunhas, especialmente no sul do continente: Preto, Trigueiro, Moreno, mas também Barriga, Calvos, Perna, Delgado, Feio, Magro, Pestana, Novo ou Velho.
Heróis de guerra
Alguns apelidos foram formados pelas façanhas alcançadas em guerras: Bandeira, Machado, Torres, Menagem, Corte Real, Mesquita ou Mina.
Profissões
Instrumentos e acessórios de trabalho também se tornaram o nome de muito boa gente: Viola, Correia, Lemes, Caldeira ou Ponte, são exemplos.
Animais
Em Portugal são comuns os apelidos que derivam de alcunhas sugeridas pelo reino animal: Peixe, Touro, Falcão, Sardinha, Coelho, Raposo, Salema, Perdigão, etc.
Descendência
As crianças portuguesas nem sempre foram batizadas com os nomes dos pais: houve épocas em que se usavam os apelidos dos tios ou dos padrinhos. Durante muito tempo, as mulheres casadas também não adquiriram o apelido do marido (e nem os filhos tinham o nome das mães). É uma das razões da complexidade desta genealogia.
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