Foi Watzlawick, uma das cabeças da Teoria da Comunicação, que celebrizou a história duma equipa médica que, em 1988, deveria levar uma esquizofrénica dum pequeno hospital para Nápoles. Quando a foram buscar ao quarto, ela recusou-se a ir, alegando que aquele não era o seu nome e que não estava doente. Sinais de despersonalização, conclui a equipa. Administraram-lhe tranquilizantes. Nessas circunstâncias, qualquer comportamento da mulher era uma 'prova da sua psicose'. Só depois descobriram que ela não era a doente. Estava no hospital apenas para fazer uma visita.
No último filme de Clint Eastwood, embora a troca de identidade não seja com uma mulher, mas com um rapazinho, o resultado é o mesmo. A mãe insiste que a criança que a polícia encontrou não é o seu filho desaparecido e é atirada para um hospital psiquiátrico. Os ‘tratamentos’ vão desde a sedação pesada aos choques eléctricos, prática que se manteve até aos anos 70.
Este filme denuncia os abusos da psiquiatria, frequentemente posta ao serviço de outros poderes. E também revela como as mulheres estavam na base dessa cadeia alimentar. Elas não eram as únicas vítimas da prepotência. Mas eram presas fáceis, considerando as profundas desigualdades de então (nos anos 20 mal tinha começado a luta das sufragistas), algumas das quais ainda hoje se mantêm. ‘A Troca’ centra-se no drama pessoal de uma mulher, que parece saída dum quadro de Edward Hopper. Sem deixar de sublinhar a fluidez das fronteiras entre o privado e o público.
Sobre os EUA, Eastwood tem uma visão crítica moralista, por vezes maniqueísta, e os seus filmes, sobretudo de ‘Bird’ em diante, retratam casos de injustiça. Com um olhar que pode ser encarado como fatalista nalguns casos – como ‘Mystic River’ – Eastwood não apresenta alternativas colectivas. Já como verdadeiro contador de histórias, põe o espectador no lugar dos Outros. Quer sejam afro-americanos como Charlie Parker, japoneses combatentes da II Guerra (‘Cartas de Iwo Jima’) ou, simplesmente, velhos ‘Cowboys do Espaço’. Essa estratégia não o torna num revolucionário. Nem mesmo num reformista, pois denuncia o sistema sem o pôr em causa. E sem quebrar regras clássicas da gramática do cinema, fica o mérito de não seguir modas e de dar continuidade a uma tradição pré-blockbuster americana.
Para mais, ide à Cinemateca. O ciclo sobre Eastwood continua em Fevereiro.
PSICO-TORTURA
A actriz Frances Farmer também foi encarcerada numa instituição psiquiátrica e sujeita a electrochoques. Em ‘Frances’ (Graeme Clifford, 1982) denuncia-se ainda a lobotomia, metodologia dum português. Uma das mais bárbaras de sempre. Nobelizada.
PSICO-KILLER
O negativo de ‘A Troca’ é ‘Dirty Harry’ (Don Siegel, 1971), um caso dum assassino em série resolvido através da justiça pelas próprias mãos. Ou melhor: pela Magnum. Parece que Eastwood luta contra esse passado. A confirmar no seu próximo filme (por estrear) ‘Grand Torino’.
PSICO-OUTRO
Também protagonizado por uma figura feminina, o oscarizado filme ‘Million Dollar Baby’ (2005) é sobre uma mulher, mais ainda do ponto de vista masculino. A meio caminho do ‘A Troca’, portanto.
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt
o que achou desta notícia?
concordam consigo
A redação do CM irá fazer uma avaliação e remover o comentário caso não respeite as Regras desta Comunidade.
O seu comentário contem palavras ou expressões que não cumprem as regras definidas para este espaço. Por favor reescreva o seu comentário.
O CM relembra a proibição de comentários de cariz obsceno, ofensivo, difamatório gerador de responsabilidade civil ou de comentários com conteúdo comercial.
O Correio da Manhã incentiva todos os Leitores a interagirem através de comentários às notícias publicadas no seu site, de uma maneira respeitadora com o cumprimento dos princípios legais e constitucionais. Assim são totalmente ilegítimos comentários de cariz ofensivo e indevidos/inadequados. Promovemos o pluralismo, a ética, a independência, a liberdade, a democracia, a coragem, a inquietude e a proximidade.
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza expressamente o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes ou formatos actualmente existentes ou que venham a existir.
O propósito da Política de Comentários do Correio da Manhã é apoiar o leitor, oferecendo uma plataforma de debate, seguindo as seguintes regras:
Recomendações:
- Os comentários não são uma carta. Não devem ser utilizadas cortesias nem agradecimentos;
Sanções:
- Se algum leitor não respeitar as regras referidas anteriormente (pontos 1 a 11), está automaticamente sujeito às seguintes sanções:
- O Correio da Manhã tem o direito de bloquear ou remover a conta de qualquer utilizador, ou qualquer comentário, a seu exclusivo critério, sempre que este viole, de algum modo, as regras previstas na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, a Lei, a Constituição da República Portuguesa, ou que destabilize a comunidade;
- A existência de uma assinatura não justifica nem serve de fundamento para a quebra de alguma regra prevista na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, da Lei ou da Constituição da República Portuguesa, seguindo a sanção referida no ponto anterior;
- O Correio da Manhã reserva-se na disponibilidade de monitorizar ou pré-visualizar os comentários antes de serem publicados.
Se surgir alguma dúvida não hesite a contactar-nos internetgeral@medialivre.pt ou para 210 494 000
O Correio da Manhã oferece nos seus artigos um espaço de comentário, que considera essencial para reflexão, debate e livre veiculação de opiniões e ideias e apela aos Leitores que sigam as regras básicas de uma convivência sã e de respeito pelos outros, promovendo um ambiente de respeito e fair-play.
Só após a atenta leitura das regras abaixo e posterior aceitação expressa será possível efectuar comentários às notícias publicados no Correio da Manhã.
A possibilidade de efetuar comentários neste espaço está limitada a Leitores registados e Leitores assinantes do Correio da Manhã Premium (“Leitor”).
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes disponíveis.
O Leitor permanecerá o proprietário dos conteúdos que submeta ao Correio da Manhã e ao enviar tais conteúdos concede ao Correio da Manhã uma licença, gratuita, irrevogável, transmissível, exclusiva e perpétua para a utilização dos referidos conteúdos, em qualquer suporte ou formato atualmente existente no mercado ou que venha a surgir.
O Leitor obriga-se a garantir que os conteúdos que submete nos espaços de comentários do Correio da Manhã não são obscenos, ofensivos ou geradores de responsabilidade civil ou criminal e não violam o direito de propriedade intelectual de terceiros. O Leitor compromete-se, nomeadamente, a não utilizar os espaços de comentários do Correio da Manhã para: (i) fins comerciais, nomeadamente, difundindo mensagens publicitárias nos comentários ou em outros espaços, fora daqueles especificamente destinados à publicidade contratada nos termos adequados; (ii) difundir conteúdos de ódio, racismo, xenofobia ou discriminação ou que, de um modo geral, incentivem a violência ou a prática de atos ilícitos; (iii) difundir conteúdos que, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, tenham como objetivo, finalidade, resultado, consequência ou intenção, humilhar, denegrir ou atingir o bom-nome e reputação de terceiros.
O Leitor reconhece expressamente que é exclusivamente responsável pelo pagamento de quaisquer coimas, custas, encargos, multas, penalizações, indemnizações ou outros montantes que advenham da publicação dos seus comentários nos espaços de comentários do Correio da Manhã.
O Leitor reconhece que o Correio da Manhã não está obrigado a monitorizar, editar ou pré-visualizar os conteúdos ou comentários que são partilhados pelos Leitores nos seus espaços de comentário. No entanto, a redação do Correio da Manhã, reserva-se o direito de fazer uma pré-avaliação e não publicar comentários que não respeitem as presentes Regras.
Todos os comentários ou conteúdos que venham a ser partilhados pelo Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã constituem a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição do Correio da Manhã ou de terceiros. O facto de um conteúdo ter sido difundido por um Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã não pressupõe, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, que o Correio da Manhã teve qualquer conhecimento prévio do mesmo e muito menos que concorde, valide ou suporte o seu conteúdo.
ComportamentoO Correio da Manhã pode, em caso de violação das presentes Regras, suspender por tempo determinado, indeterminado ou mesmo proibir permanentemente a possibilidade de comentar, independentemente de ser assinante do Correio da Manhã Premium ou da sua classificação.
O Correio da Manhã reserva-se ao direito de apagar de imediato e sem qualquer aviso ou notificação prévia os comentários dos Leitores que não cumpram estas regras.
O Correio da Manhã ocultará de forma automática todos os comentários uma semana após a publicação dos mesmos.
Para usar esta funcionalidade deverá efetuar login.
Caso não esteja registado no site do Correio da Manhã, efetue o seu registo gratuito.
Escrever um comentário no CM é um convite ao respeito mútuo e à civilidade. Nunca censuramos posições políticas, mas somos inflexiveis com quaisquer agressões. Conheça as
Inicie sessão ou registe-se para comentar.