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Beatles - História a preto e branco

Longe vão os tempos em que de, capa e batina, corria as discotecas de Coimbra à procura dos discos da altura. 'Entrava como estudante e saía com os discos escondidos debaixo da capa. Depois ia confessar-me ao padre, que me mandava logo devolvê-los. Claro que eu escolhia os que me interessavam e só entregava os outros. Geralmente ficava com todos os que eram dos Beatles'.

23 de novembro de 2008 às 00:00

Foi em 1964, num gira-discos portátil e debaixo de um sobreiro, em Coimbra, na altura em que andava a tirar Direito, que Luís Pinheiro de Almeida descobriu a paixão pelos Beatles, uma paixão que foi crescendo com os anos e que o levou a tornar-se um dos maiores coleccionadores em Portugal. Entre as raridades que hoje guarda religiosamente e que contribuíram para transformar a sua casa num verdadeiro santuário dos ‘fab four’ encontra-se um vinil de 1968 do famoso ‘Álbum Branco’, que este fim-de- -semana comemora 40 anos de edição. A cópia da altura, que adquiriu já em Lisboa por 1 euro, está hoje avaliada em cerca de 3570 euros e é já uma verdadeira peça de museu com todos os extras envolvidos, incluindo o tal poster que na altura causou polémica por causa de uma foto de John Lennon na banheira.

Visto como um dos mais importantes discos da História, não só pelas canções que contém mas também pelos episódios que o envolvem, o ‘Álbum Branco’ foi o primeiro disco duplo gravado por uma banda; o primeiro dos Beatles a contar com a participação de Yoko Ono; o primeiro a ter sido gravado numa mesa de oito pistas e o primeiro a ter registado tensões graves na banda (os relatos da época falam de cenas de ciúmes, amuos e desertores). Do ponto de vista musical, contém de tudo um pouco, 'música pimba, reggae, rock, experimentalismo, baladas e surf music', diz Luís Pinheiro de Almeida. As opiniões dividiram-se. E muito. Se na altura o ‘The Observer’ aproveitou o lançamento para considerar Lennon e McCartney os melhores compositores depois de Schubert, já o ‘The New York Times’ rotulou o disco de 'medíocre'.

Quando o ‘Álbum Branco’ foi editado a 22 de Novembro de 1968 em Londres, já João Vasco Mora era fã assumido do quarteto em Portugal, ou não tivesse sido ele o primeiro radialista a ter tocado Beatles no nosso País seis anos antes, a 5 de Outubro de 1962 na então Rádio Peninsular. Reconhecendo que o disco não foi consensual na altura, João salvaguarda que o ‘Álbum Branco’ é um disco recheado de mensagens, o que na altura poderá não ter sido muito bem compreendido. 'Os Beatles fizeram um álbum sem letras precisamente para alimentar algum mistério', diz. Um mistério que Lennon gostava de promover, o mesmo Lennon que já havia afirmado que os Beatles eram mais populares do que Jesus Cristo. Nuno Caldeira da Silva, conselheiro político na delegação da Comissão Europeia em Banguecoque, na Tailândia, e fã incondicional dos Beatles aos 60 anos, acrescenta: 'O ‘Álbum Branco’ não é para ser falado, é para ser ouvido. O que adianta falar dele se não o ouvimos, se não entendemos o que queriam dizer e o que estava em preparação na evolução dos Beatles? Antes foi ‘Sgt. Pepper’s’. O psicadélico, a aventura, mas a união. O ‘Álbum Branco’ é a questão, são as perguntas, são as emoções individuais a sobressair. Era o momento em que começavam a questionar a continuidade como agrupamento'.

Mas, para a História, ficarão sobretudo as canções: ‘Ob-La-Di, Ob-La-Da’, ‘While My Guitar Gently Weeps’, ‘Don’t Pass Me By' ou ‘Helter Skelter’, o tal tema que seria adoptado pelo ‘serial killer’ Charles Manson. Mas, afinal, quem não sabe nos dias de hoje trautear uma única música que seja do ‘White Album’?

'Antes de saber o que era o ‘Álbum Branco’, já eu sabia cantar ‘Ob-La-Di, Ob-La-Da’. Está gravado em fita de bobine, guardada algures numa arrecadação. Tinha apenas 3 anos. A minha tia colocava o disco a rodar num pequeno Phillips e eu cantarolava por cima. Tudo em casa da minha avó. E enquanto esse prédio foi demolido há mais de uma década, o ‘Álbum Branco’ parece resistir à erosão do tempo', conta Pedro de Freitas Branco, 41 anos, músico português a viver no Rio de Janeiro e autor do livro ‘O Segredo dos Beatles’. 'O disco da minha tia foi usado e abusado. Recortei a montagem de fotos do poster grande para colar no caderno da escola e tudo', conta.

E a verdade é que quem na altura não deu atenção ao disco, hoje quase se penitencia por isso. Rui Pato, ex-guitarrista de José Afonso e actual presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de Coimbra é um deles. 'Só muito tarde descobri o valor musical dos Beatles porque fiz parte daqueles que, na altura, desprezavam toda a cultura artística anglo-saxónica, virando-nos apenas para os que faziam da arte uma arma de contestação ao poder ‘imperialista’. Só mais tarde, eu e todo esse ‘cluster’ de músicos contestatários nos viemos a aperceber da verdadeira dimensão musical, também social e política, desses meninos de Liverpool'.

Amado por uns e odiado por outros, o certo é que o ‘Álbum Branco’ é um disco histórico. Muitos insistem na tese de que não deveria ter sido um álbum duplo. Outros surpreendem-se pelo seu conteúdo modernista. Ele deu que falar e deu ainda mais que discutir no seio do grupo. A verdade é que quando se pergunta se efectivamente marcou o início do fim dos Beatles, Luís Pinheiro de Almeida torce o nariz e remata: 'Eu acho que eles ainda não acabaram'.

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