Setor emprega 23 mil portugueses e luta para sobreviver numa altura em que está instalada a guerra a um material presente em (quase) tudo.
Mal o Governo antecipou a diretiva europeia que previa a eliminação dos plásticos descartáveis no mercado até 2021, Anabela Geraldes, gerente da Ernesto Alexandre – uma empresa familiar de Lisboa que transforma e comercializa artigos de embalagem e higiene –, apanhou um avião para Madrid onde participou numa feira do setor à procura de alternativas. "Percebi que o mercado português não tem condições para comprar aquelas coisas carérrimas que estão a ser feitas na Suécia, por exemplo, que custam, no mínimo, seis a sete vezes mais do que o plástico. Estou a falar, por exemplo, de pratos de prensado de milho e de talheres de bambu. Sem falar de que os garfos não são ergonómicos porque os dentes são pequeníssimos e ninguém consegue comer com aquilo, e as facas não cortam: só têm um caráter decorativo", descreve.
"E as embalagens descartáveis para ‘take away’ feitas de prensado de milho, como é que se fecham? Sim, porque a gente não vai andar de esparguete à bolonhesa na mão. Isto é tudo muito engraçado, mas fecha-se com uma tampa de plástico. Então eu compro a parte de baixo que é biodegradável e a de cima não é?", questiona Anabela Geraldes, embrulhando a preocupação em ironia.
A empresa que o pai de Anabela fundou há setenta anos não se dedica exclusivamente à revenda de embalagens de plástico – transforma e fabrica papel. "Mas tenho obrigações para com os meus clientes que têm estabelecimentos de pronto a comer e que daqui a dias vão ter que pôr os produtos que fabricam noutro tipo de embalagens e eu tenho que estar à altura de resolver o problema deles. Por isso é que me mexi e já estou a planear ir à China para o ano porque estou a pensar importar contentores destas coisas. Estamos até a pensar incluir na nossa fábrica um segmento para produzir as novas embalagens. Mas ver os nossos parceiros a pensar que vão ter de fechar as casas porque não têm poder económico para converter as máquinas é muito triste", condena, apontando o dedo ao Governo, "que não deu tempo nem formação" aos empresários de um setor que "tem um peso crucial na economia portuguesa", como sublinha David Pimenta, presidente da Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos (APIP). O setor, composto por 998 empresas, emprega cerca de 23 mil trabalhadores e gera um volume de negócios de 5 mil milhões de euros, correspondendo a 2,4 por cento do PIB português.
A guerra ao plástico prende-se com uma preocupação ambiental – a ONU estima que oito milhões de toneladas de plástico acabam nos oceanos todos os anos; que a poluição por plásticos custa a vida a um milhão de aves marinhas e a 100 mil mamíferos e que causa 6,8 mil milhões de euros de danos nos ecossistemas marinhos – e tem dado que falar um pouco por toda a Europa (embora seja a Ásia a principal fonte de poluição plástica no mar). Em Itália foram vetados, no início de 2018, os sacos utilizados para fruta e legumes, o que levou os internautas a partilhar nas redes sociais formas de pesar um quilo de laranjas sem usar plástico, enquanto os franceses viram o plástico dos cotonetes ser proibido na mesma altura.
Reconversão em tempo recorde
Por cá, o Governo pretende ver os cotonetes definitivamente erradicados das prateleiras dos supermercados, bem como as palhinhas e toda a loiça descartável, antecipando-se às metas apontadas por Bruxelas e à diretiva que prevê para 2021 o fim da comercialização destes produtos. "A definição do período de um ano para a reconversão é manifestamente curta. É importante levar em consideração os investimentos avultados em recursos humanos, financeiros, tecnológicos, ou em equipamentos, cujo período de amortização pode variar entre cinco e oito anos", aponta a APIP.
Não é a primeira vez que o setor faz um esforço financeiro para se adaptar. Em 2015, quando entrou em vigor a taxa sobre os sacos plásticos leves, a Plasgal, de Leiria, viu-se obrigada a reduzir o pessoal da empresa que existe há mais de 40 anos. "Tínhamos 120 pessoas a trabalhar e ficámos com 90. Eu faturava 13 milhões e passei a faturar nove milhões, sem falar que a readaptação da fábrica custou-nos cerca de 800 mil euros", acusa Paulo Almeida, diretor-geral da empresa de produção de plásticos.
"Continua uma guerra sem sentido a um produto essencial para o nosso modo de vida. O que era ter óculos que fossem feitos só de vidro? E o sangue, que é um bem vital, pode ser armazenado se não for em plástico? Ou o soro?", pergunta, garantindo que "90 por cento dos microplásticos dividem-se por dois setores grandes: metade representa os pneus de automóveis e outra metade as fibras da roupa que vestimos". "Mesmo as tintas, hoje em dia, são todas plásticas; e se temos casas muito mais confortáveis hoje é porque algum plástico está a funcionar como isolante da temperatura", continua Paulo Almeida, da Plasgal.
"O plástico está em todo o lado e ainda bem que está. Os automóveis são mais seguros do que há 30 anos porque antes eram todos em metal e hoje em dia são maioritariamente em plástico: enquanto o metal propaga uma onda de choque, o plástico absorve-a. O mesmo acontece com os aviões... Não se consegue entender por que falamos constantemente dos malefícios do plástico, como se o problema fosse o produto e o problema sempre foi e sempre será o comportamento das pessoas. Nenhum dos plásticos que vemos nos oceanos foi para lá sozinho: foi lá abandonado pelas pessoas", acusa, apoiado por Ricardo Pereira, CEO da Sirplaste, um dos maiores recicladores da União Europeia.
"Há muitos anos que não vemos uma campanha de sensibilização na televisão, desde aquela publicidade do macaco Gervásio que deu muita polémica – ‘se ele consegue reciclar tu também conseguirás’ – e as visitas de estudo praticamente desapareceram. Todas as semanas recebíamos três e quatro escolas e os alunos depois iam para casa e chateavam os pais para separar os resíduos, agora sou pouco solicitado. Além disso, precisamos que os embaladores façam embalagens mais fáceis de identificar pelas pessoas para as colocarem no sítio certo. Muitas vezes os produtos mais apelativos são os piores para a reciclagem. Há algumas embalagens de leite, por exemplo, em que um terço é tetrapak e dois terços plástico, portanto não é uma coisa nem é outra e, por isso, não dá para reciclar. Também há uma embalagem de água do mar vendida nas farmácias que é toda de polietileno (um tipo de plástico), mas por dentro tem um tubo grande de borracha, pelo que se uma dessas embalagens entra nas linhas de triagem – porque não é separada por alguma razão – a borracha dá logo cabo de uma série de toneladas de matéria-prima", explica Ricardo Pereira, revelando que as taxas de reciclagem em Portugal se encontram estagnadas. Dados corroborados por um relatório da Comissão Europeia, que colocou Portugal numa lista de 14 países em risco de não conseguirem alcançar, em 2020, a meta da reciclagem de 50 por cento dos resíduos domésticos.
Copos de papel... têm plástico?
"Certo é que a diabolização e proibição do material plástico em determinadas aplicações, sem estudos que a suportem, gera uma distorção do mercado e coloca em causa a sustentabilidade ambiental devido à substituição do plástico por materiais tipicamente mais danosos para o meio ambiente", indigna-se o presidente da associação do setor.
"É o caso da solução para substituir os copos de plástico nas máquinas de ‘vending’, que é substituir copos de plástico por copos de papel. Mas como o papel não suporta humidade e, por isso, não pode conter líquidos e porque as máquinas de ‘vending’ distribuem, maioritariamente, produtos líquidos, estes copos de papel vão estar laminados com plástico...", acusa Paulo Almeida. "Tínhamos um produto que era o copo de plástico, de monomaterial, que utilizávamos, reciclávamos e podíamos aproveitar para outro fim após a reciclagem e agora passámos a ter um copo de papel com plástico que não pode ser reciclado, tem de ser incinerado ou vai para aterro", lamenta o diretor-geral da Plasgal.
"Antigamente íamos às compras e a operadora de caixa punha o queijo e o fiambre num saquinho e a lixívia noutro. Agora é tudo para dentro do mesmo, já não há cá problema nenhum de contaminação", ironiza Amaro Reis, da Sacos 88, uma empresa cujo nome não engana em relação ao produto que fabrica nem ao ano a que deve a sua existência. Mas longe vai o tempo em que a Sacos 88 só fabricava sacos de plástico. Hoje trabalha em várias áreas, todas no âmbito do plástico flexível.
"Isto é como um casamento. Poderíamos dizer ‘agora vou abrir uma unidade de sacos de papel’, mas quando acreditamos num produto e numa indústria que pode ser um exemplo de sustentabilidade, o nosso caminho passará sempre por este tipo de embalagem. O que vai acontecer é fabricarmos uma variedade maior de produtos para diluir o risco." Por isso – e porque em 2015 sofreram uma queda de faturação, na altura em que os sacos de supermercado começaram a ser taxados – tiveram que "disparar para vários lados" para conseguirem manter-se à tona da água. "O que fizemos foi aumentar a nossa quota de exportações, abrimos portas noutros mercados, como os países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP), e também investimos em áreas mais técnicas, como a área da embalagem farmacêutica", caso dos sacos que transportam os princípios ativos dos medicamentos. "Para apostarmos nesta área específica foi necessário pedir certificações e fazer um grande investimento em sala limpa para conseguir controlar o processo."
Paulo Almeida receia ter de continuar a reduzir o número de funcionários. "Acredito que isso será inevitável continuando a pressão atual sobre os produtos plásticos. Mas vamos continuar o caminho que traçámos. Acreditamos que cada vez mais os produtos vão ser reciclados e reutilizados e que, em algum momento, o poder político vai ter de ganhar juízo. Não podemos continuar a querer usufruir dos benefícios de um produto e, ao mesmo tempo, a dizer mal dele."
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