Rogério Martins vive com o coração nas mãos. A estrada fica a dois passos da sua porta e os acidentes, com frequência, acabam no seu quintal.
Há quem nunca tenha visto um corpo sem vida. Não é o caso de Rogério Martins. Há quatro anos, este polícia foi arrancado da cama pelo estrondo metálico dos acidentes graves. Já era madrugada mas mesmo assim arriscou sair à rua para ver o que se passava.“Vim cá fora porque alguém podia precisar de ajuda”, recorda. Já nada havia a fazer – um cadáver repousava no seu quintal. O morto era o condutor de um motociclo projectado pela violência do embate com um carro fora-de-mão.
No Casal da Lagoa, lugar do concelho de Pombal dividido ao meio pelo Itinerário Complementar nº 8, os moradores vivem com o credo na boca. É que mesmo no aconchego do sofá, estão à mercê das tragédias ocorridas na estrada. Mas Rogério Martins, de 52 anos, tem o prémio do azar. Já são três as vezes que um acidente lhe bate à porta. “Se soubesse o que sei hoje não tinha feito aqui a casa”, resmunga, insatisfeito.
Houve o cadáver no quintal, um Fiat 127 a despenhar-se no jardim e, há duas semanas, o pesadelo maior: um agente da PSP de Pombal, seu amigo de infância , morreu no regresso do serviço após um choque frontal. A outra viatura, seguiu desgovernada durante 150 metros até atingir e destruir um Renault 9 de Rogério Martins. Ficou sem conserto.
Entre o último milímetro de alcatrão e a porta desta casa maldita são 28 passos – apenas o espaço de um curto declive, um caminho de terra batida e um relvado diminuto. Entre outras, a explicação da velocidade parece resolver muitas interrogações. “Durante a noite passam aqui a mais de 150 km/hora. Nunca se sabe quando é que nos vem ter um carro em cima”, afirma o polícia. A mulher anda receosa, mas ele bem tenta aveludar a ansiedade com uma dose de sabedoria : “A gente tem de morrer em algum lado”, repete quase mecanicamente.
Há duas semanas, a colisão deixou a população de Casal da Lagoa em estado de choque. A vítima, Francisco Borges, que deixa três filhos menores, era muito conhecido e estimado na região.“Foi uma tragédia nunca vista”, uma coisa como “nos filmes”, afirma La Salete Santos, uma habitante do lugar. A romaria mórbida durou dias a fio.
CONVITE AOS ACELERAS
Com duas faixas de rodagem, o IC 8 apresenta-se ali em óptimo estado. Convida a ‘espremer’ o acelerador. Trata-se de uma recta de boa visibilidade que no sentido Pombal-Ansião termina numa curva aberta. Permite ultrapassagens e sucede a zonas de traço contínuo, o que aumenta a tentação. De tempos a tempos, um condutor falha o desenho da estrada e os acidentes acontecem. “Não me sinto aqui descansado”, reforça.
Quando Rogério Martins iniciou a construção da moradia, há 18 anos, num terreno herdado do pai, o trânsito automóvel era bem diferente. Naquele tempo o IC8 ainda não era esta espécie de auto-estrada dentro de povoações. “Construí porque me autorizaram”, argumenta o polícia, destacado em Lisboa, onde passa a maior parte do tempo. “Isto aqui é o meu Algarve”, desabafa.
AZAR OU INCÚRIA
A carrinha que lhe destruiu o Renault 9 azul-escuro, era conduzida por um indivíduo que acusou 0,84 gr/l no teste de alcoolémia. Depois de cruzar a faixa de rodagem, enfiou-se para lá das fronteiras da estrada, apontado à propriedade de Rogério Martins. Dois metros à direita e a marcha teria sido amparada pelo rail de protecção do IC8. “Desde o sítio do embate até aqui eu contei 150 passos”, anuncia o polícia, ainda surpreendido.
Azar ou incúria, é difícil dizer. Mas o agente Martins tem pelo menos duas ideias para abordar o problema e, já agora, colocar uma pedra sobre os receios da esposa. Uma delas é o prolongamento do rail numa extensão adicional de 50 metros, até ao entroncamento seguinte. A solução radical, no entanto, visa limitar a velocidade naquele troço do IC8 aos legais 50 km/hora dentro das localidades. “Isto só se resolve com semáforos”, explica, enquanto o som dos motores em aceleração teima imparável. O caminho para lá chegar pode ser uma exposição, na forma de carta, dirigida ao Instituto de Estradas. Mas nessa guerra Rogério Martins não entra sozinho: “Só se o povo se unir”.
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