A Sucateira Godinho já fechou. Hoje, o empresário é dono de um império cuja verdadeira dimensão está ocultada em off-shores na Suíça.
Em Ovar, terra onde nasceu, o empresário das sucatas é conhecido como o padrinho dos pobres. No País, a avaliar pelas inúmeras escutas com figuras de relevo na política nacional, é o afilhado do PS. Filho de um sucateiro, Godinho fez o oculto milagre da multiplicação dos euros. Do empresário modesto passou a milionário.
A partir do pequeno negócio familiar das sucatas, o empresário de Ovar construiu um império financeiro, rodeado de influências que chegam até aos políticos no poder. A troco de subornos e presentes fez uma fortuna incalculável, a maioria oculta em off-shores na Suíça que impedem que se tenha a noção exacta da sua dimensão.
O nome de código de operação ‘Face Oculta’ assenta como uma luva na vida de Manuel Godinho. Até há cerca de duas semanas, Godinho era um desconhecido empresário do distrito de Aveiro, com cíclicos problemas fiscais, mas um estranho para a grande maioria dos portugueses. A face oculta de Manuel Godinho, 57 anos, casado e pai de dois rapazes, ficou visível no dia 28 de Outubro quando entrou na Polícia Judiciária de Aveiro, como o líder de uma rede de corrupção que acabara de cair nas malhas da Justiça.
Os vizinhos de sempre, na rua da fonte, em Esmoriz, nunca imaginaram que o senhor Godinho tivesse relações privilegiadas com os amigos do primeiro-ministro José Sócrates. Viram-no enriquecer e agora viram-no a ir para a prisão, indiciado por 30 crimes, entre os quais tráfico de influências e corrupção, furto, burla e associação criminosa. Ficaram também a saber que os negócios corriam muito bem graças aos esquemas junto das grandes empresas públicas.
Mas na pacata rua da fonte são poucos os que acreditam que o vizinho enriqueceu de forma menos clara. Ou pelo menos recusam aceitar esse entendimento, optando por ver o lado humano do empresário. 'Não acredito, nem pensar. O homem trabalha muito e é muito boa pessoa. É rico, mas também ajuda quem lhe for bater à porta', disse à Domingo Maria Ofélia, para quem Godinho é quase um santo, agora sacrificado pela Justiça.
Em Ovar contam-se histórias de Godinho, como se fosse o pai do pobres. Dá donativos a quase todas as colectividades do concelho. 'Até já deu uma cadeira de rodas a um paralítico', dizem em Esmoriz. Outros viram oferecer dádivas de elevadas quantias. 'Uma vez um pobre homem que às vezes ia pedir esmola às Sucatas Godinho mostrou-me os dez contos que ele lhe deu. Isto foi ainda no tempo dos escudos e era muito dinheiro. Dava esmolas de cinco ou dez contos', contou Manuel Alves, de 70 anos. Este homem mora em frente às antigas sucatas e afirma que sempre foi assim: 'Muitos foram lá bater à porta, todos foram ajudados'.
'Onde há fumo há fogo', dizem outros mais desconfiados da fortuna que viram crescer na rua da fonte, onde ainda existe a modesta casa de Artur Godinho, pai de Manuel, já falecido. 'Foi ele que começou com as Sucatas Godinho e depois o filho ficou com o negócio', conta um vizinho. Depois da mãe falecer foi Manuel José Godinho que ficou à frente das sucatas a partir das quais faria o império. Já o irmão optou por outras actividades industriais.
Das Sucatas Godinho, em Arada, Ovar, restam as fachadas com o nome e as siglas nos portões de ferro que já não abrem. O terreno e as instalações estão abandonados. Apenas um carro velho faz lembrar os mais de 15 anos de actividade. Um incêndio há cerca de cinco anos acabou por ditar o encerramento do espaço, numa altura em que Godinho tinha outras empresas que se dedicavam à remoção, demolição e reciclagem de resíduos sólidos.
O que antes era a tradicional sucata passou a ser uma actividade amiga do ambiente e do enriquecimento da família. Paulo e João, filhos do empresário, bem como o sobrinho Hugo (agora obrigado a prestar uma caução de 50 mil euros e proibido de falar com os familiares), passaram a trabalhar nas empresas e a envolver-se no universo dos negócios dos grandes concursos públicos das empresas do Estado.
A ferroviária REFER e a Rede Energética Nacional, os estaleiros navais, a Petrogal e a EDP são algumas das empresas que, fruto da evolução tecnológica e envelhecimentos de estruturas ou instalações, têm que dar destino a carris, a material velho, a limpeza de espaços, entre outras sucatas que agora se chamam resíduos sólidos. Um negócio do século XXI regulamentado, tal como o abate do parque automóvel, outra fonte de riqueza para as empresas de Godinho. Mas para tal era preciso ganhar os concursos públicos que valem milhões.
Foi com este objectivo que nasceu o que a PJ chama hoje de ‘rede tentacular’. Com os dois filhos, o sobrinho e meia dúzia de colaboradores fiéis, Godinho montou um núcleo duro onde o dinheiro marcava presença. Primeiro começaram por conquistar os funcionários das empresas, depois os quadros superiores até chegarem aos administradores. Sempre a troco de compartidas de bens ou dinheiro, conseguiram informações privilegiadas para saber os termos dos concursos, concorrentes e até ter as garantias dos gestores de que os contratos lhes seriam adjudicados.
Foi neste universo de gente influente que Godinho conheceu Armando Vara, Lopes Barreira e Paulo Penedos, homens do PS bem colocados e muito próximos de Sócrates. O sentimento de poder e impunidade terá chegado ao ponto de montar operações para roubar ou adulterar material das empresas. Tudo lucro e muitas vezes sem impostos. Aliás, quando uma das suas empresas foi alvo de um processo fiscal de 200 mil euros, Godinho conseguiu o arquivamento do mesmo, pagando ao chefe do serviço de finanças de São João da Madeira. Mário Pinho recebeu pelo menos 37 500 euros para arquivar o processo.
E assim correu bem a vida de Manuel Godinho durante os últimos anos, criando várias empresas, a maioria para fachadas de negócios ocultos. Os sinais exteriores da fortuna também estão bem à vista. Na rua da fonte, a uns metros da casa onde nasceu, construiu uma grande moradia. Mais à frente, uma outra mais moderna para o filho João, quase em frente à vivenda do primo Hugo. Paulo, o filho mais velho, está mais dedicado a viagens pela ilha da Madeira. Aí, construiu o seu império e é com deputados da ilha que normalmente é visto no continente.
O património não acaba. Há ainda a moradia do Furadouro, também em Ovar, e a poucos quilómetros da empresa O2.
Era lá que entravam alguns gestores de empresas e saíam ao volante de automóveis na ordem dos 50 mil euros. Ofertas de Godinho, a troco de favores. Todos são agora arguidos, os carros estão apreendidos e a investigação tenta apurar diferentes graus de culpa. Godinho é o único que está na cadeia.
FISCO TENTOU SEM ÊXITO APANHÁ-LO
Godinho é um velho ‘cliente’ das Finanças. Facturava abaixo da dimensão das empresas, comprava a firmas cujos números de contribuinte não existiam, fazia empréstimos às sociedades a nível individual e declarava rendimentos baixos.
As suspeitas cresceram nos últimos anos, mas Godinho conseguiu sempre levar a melhor. Sabe-se agora como: dominando uma máquina infernal que permitia comprar tudo e todos. Desde o cabo da GNR até ao governante de topo.
NEGÓCIO DA SUCATA EXPLICADO PELOS PRÓPRIOS OPERADORES
O mercado da sucata quebrou para um terço da ordem de valores desde a Primavera de 2008. Antes, os cerca de dez grandes operadores nacionais vendiam à Siderurgia o ferro-velho por 380 euros a tonelada e, hoje, não conseguem ir além dos 140. Mas o que parece mau, nem sempre assim é na realidade. 'Se pudermos adquirir o ferro-velho em baixa e esperar pela subida do seu valor de mercado, rentabilizamos ao máximo o investimento. Quem não puder armazenar, só obtém o lucro do dia', explica fonte do Centro de Reciclagem de Palmela. Nesta fórmula, a última regra para o lucro é respeitar o ambiente. No Centro de Palmela, por exemplo, a sucata não pode ‘crescer’ acima dos seis metros de altura, o que equivale à cobertura arbórea.
Estes desmanteladores têm sempre a mesma margem de lucro. Compram no máximo por 110 euros a tonelada de ferro-velho – mais do que os 850 kg de peso médio de citadinos do tipo Renault Clio – e vendem por 140 (embora muitas peças sejam repostas no mercado). Quanto mais processarem, mais ganham. Empresas idênticas à O2, de Manuel Godinho, descontaminam e reciclam sucata para vender à Siderurgia (que a transforma em aço) na ordem das 10 a 12 toneladas por mês, como a Batistas, no Carregado, ou o dobro, como a Reciclagem de Palmela.
'Para nós, o ferro é que nos deixa mais lucro. Se iniciarem duas ou três obras públicas, haverá maior procura de aço', avalia a mesma fonte do sector.
Para os sucateiros interessa-lhes recolher os seus resíduos industriais banais já que as indústrias são os maiores geradores de ferro-velho. 'Os nossos associados adquirem esses resíduos, fazem a sua separação, preparam-nos de acordo com as normas e encaminham-nos para transformadores', explica Fernando Martins, da Anarepre (Associação Nacional dos Recuperadores de Produtos Recicláveis), que integra a entidade gestora de veículos em fim de vida, Valorcar. Mas se forem em grandes quantidades ou empresas públicas a venda está sujeita a concurso.
'Aí entra o caso do Godinho. Indicia-se que deveria haver alguém que o informaria das condições que os seus concorrentes ofereciam e ele ofereceria mais', presume Fernando Martins. Outro caso que está a ser agora julgado, pelo Tribunal de Gondomar, envolve 58 arguidos acusados de lesarem o Estado em 105 milhões de euros por emitirem facturas falsas.
Com este mercado sujeito a flutuações (in)constantes, os pequenos sucateiros é que ficam pior. Que o diga José (nome fictício). 'Há mais de três semanas que não vou buscar um carro. Este ano, ninguém me quer dar carros. Se eu tiver que pagar 25 euros por cada um, mais as despesas de transporte e mão-de-obra, ganho muito pouco.' Com o negócio do ferro-velho parado, o empresário de 57 anos investiu na electrónica. Compra computadores por 2,5 euros a unidade, desmonta-os, separa as peças e vende tudo por 4,5 euros para reciclar desde ouro a alumínio. Com a crise, até o cartão ficou fora de moda: 'Vendi agora uma tonelada por 20 euros. Sabe o que custa transportar isso?' – lamenta José.
SECTOR GERA 663 MILHÕES
O Ministério do Ambiente iniciou entre 2007 e 2008 a erradicação de depósitos ilegais de veículos em fim de vida. Havia 783 depósitos por erradicar, num sector que tinha um volume de negócios de 663 milhões de euros. Em Setembro, 73% dos casos estavam resolvidos ou em resolução.
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