No meio da floresta, no cimo de penhascos ou no fundo do mar. A comer traças, a afastar os tubarões e a rezar por um final feliz.
Quando olhou para cima e viu o helicóptero, Amanda Eller – que tinha desaparecido nas florestas densas de Maui, no Havai, 17 dias antes – permitiu-se finalmente chorar. A instrutora de ioga de 35 anos estava entre duas quedas de água a acenar para o helicóptero, que já sobrevoava aquela zona há duas horas e estava quase a ter de regressar por falta de combustível, numa altura em que eram poucas as esperanças de encontrá-la com vida.
Manteve-se viva ao comer framboesas selvagens, um fruto chamado araçá e até traças. Conseguiu água doce vinda de uma cascata que a mantinha hidratada e à noite, para se proteger do frio, dormia sobre lama, coberta com plantas da reserva de 847 hectares (aproximadamente o mesmo número de campos de futebol).
Esta é a mais recente história de sobrevivência em condições extremas, mas a História está cheia delas. Humanos comuns que encurralados entre a vida e a morte escapam à segunda hipótese contra todas as probabilidades. Como os mineiros chilenos que, em agosto de 2010, ficaram soterrados numa mina a 700 metros de profundidade e sem qualquer contacto com o exterior.
Foram localizados com vida 17 dias depois e viriam a ser resgatados – numa operação que colou o Mundo ao ecrã – apenas 70 dias após o acidente. O período de 17 dias de isolamento foi o mais difícil: para sobreviver, os mineiros comiam apenas duas colheres de atum em lata e meio copo de leite por dia.
A água era retirada de máquinas de refrigeração e dormiam espalhados em túneis num refúgio de 52 metros quadrados, com temperatura de 35 graus e 85 por cento de humidade do ar. Havia pouca ventilação, muita poeira e ausência de luz solar, pelo que eram grandes os riscos de contraírem infeções respiratórias.
Hollywood gosta de histórias de sobrevivência, daquelas que fazem suar o espectador até aparecer a palavra ‘fim’, e por isso, cinco anos depois do resgate, a história dos mineiros que comoveu o Mundo chegou ao grande ecrã com Antonio Banderas como ator principal.
Já o papel de Louis Zamperini, um veterano da Segunda Guerra Mundial que, numa missão, foi resgatar um avião com problemas e acabou no Oceano Pacífico a lutar pela vida, foi interpretado por Jack O’Connell na longa metragem ‘Invencível’ (‘Unbroken’), realizada pela atriz Angelina Jolie.
O atleta olímpico Zamperini e dois companheiros ficaram 47 dias à deriva no mar, quase enlouquecidos pelo sol, pela fome e pelo medo. Com remos, batiam nos tubarões que rondavam os botes, para sobreviver pescavam e caçavam pássaros com as mãos e bebiam água da chuva. Viriam a ser resgatados por um navio japonês e transformados em prisioneiros, mas isso daria para outra história que não esta que estamos a contar.
A gruta tailandesa
As 12 crianças e o seu treinador acabaram assim encurralados a mil metros de profundidade e a dois quilómetros da entrada, rodeados de água por todos os lados. Foram encontrados vivos ao fim de dez dias. Durante esse tempo mantiveram-se hidratados a beber água das estalactites (gotas que caíam das paredes da caverna), mas sem ingerir qualquer tipo de alimento.
Estavam, acima de tudo, determinados a conseguir sobreviver. O grupo usou pedras para cavar um buraco de cinco metros onde pudessem ficar juntos e aquecidos e o treinador, um antigo monge budista, ensinou aos rapazes técnicas de meditação para os ajudar não só a ficarem calmos como a usarem o mínimo de ar possível. Pediu-lhes também que ficassem parados para pouparem forças. Apesar das dificuldades, houve fatores que ajudaram: estava escuro, mas eles tinham lanternas. Também havia oxigénio suficiente porque as rochas porosas permitiam a entrada de ar.
"Eles ficaram sentados num pedaço de rocha, num espaço reduzido, durante quase 10 dias, então isso é realmente um milagre", disse na altura o médico holandês Ben Reymenants, membro da equipa internacional de resgate à BBC, revelando que o ser humano pode ficar sem comer por um período de 30 a 45 dias, mas que não resiste sem água.
"Nosso Senhor Jesus Cristo esteve 40 dias sem comer, mas é variável", exemplifica o médico Duarte Nuno Vieira, antigo presidente do Instituto de Medicina Legal. "No tempo em que na Irlanda se lutava pela independência, aquelas greves de fome dos anos 70, houve gente que resistiu um tempo muito significativo, 15 dias a três semanas, sem comer, enquanto houve pessoas que ao fim de seis dias já precisavam de assistência médica.
Mas tem de haver sempre um mínimo de hidratação, porque mais problemático do que a fome em si é a falta de água, porque nós somos essencialmente constituídos por água e por isso a hidratação é mais fundamental. Se a pessoa tiver boa reserva de alimentos, enquanto o organismo tiver gordura vai lá buscá-la para se alimentar, água é que não tem de reserva e essa é que vai precisar de ir tendo", continua.
"Depois há a influência das condições externas, quando está muito calor há mais desidratação e, por isso, maior necessidade de beber água. Veja-se o que aconteceu aos comandos [em setembro do ano passado, cinco militares foram hospitalizados depois do chamado exercício psicofísico do curso de Comandos na Figueira da Foz], que num treino de duas ou três horas foram-se abaixo, mas estavam em esforço físico violento, com temperaturas violentas e o que deu cabo deles foi a desidratação, que é uma das coisas mais perigosas porque faz os rins entrarem em colapso e quando os rins entram em colapso vem tudo atrás: vem o fígado, vem o coração e as consequências podem mesmo ser fatais", acrescenta Duarte Nuno Vieira, rematando que "o ser humano resiste em condições brutais".
"A capacidade de resistência é fantástica, embora muito variável dependendo das condições prévias de saúde, do próprio hábito de resistir a condições adversas e depois daquilo que o ambiente também proporciona. Há histórias incríveis de condições em que pensaríamos que um ser humano não conseguiria resistir e ele consegue sobreviver", conclui.
Como o caso de Aron Ralston, o alpinista que, em 2003, ficou preso entre a vida e a morte num penhasco isolado, nas montanhas do Utah, EUA, e cuja história inspirou o filme ‘127 horas’, o tempo que lutou contra a morte. Rallston tinha o braço preso debaixo de uma rocha e conseguiu sobreviver durante cinco dias, com os meios de que ainda dispunha – água e algumas barras energéticas que acabaram ao fim de três dias – mas durante esse tempo e a ver cada vez mais reduzidas as hipóteses de ser encontrado, o espírito de sobrevivência levou Aron a optar por amputar o braço com o canivete para conseguir libertar-se e procurar ajuda.
Dez anos depois o Mundo ficou a conhecer a história de Harrison Okene, de 29 anos, que o próprio considerou um milagre. O cozinheiro nigeriano sobreviveu ao naufrágio do barco em que trabalhava e durante dois dias e meio escapou à morte graças a uma bolha de ar.
Vestindo apenas umas cuecas, Okene sobreviveu na água gelada da casa de banho, de cerca de 1,20 metros, agarrado ao lavatório para manter a cabeça fora de água no barco virado ao contrário. Esteve nisto cerca de 24 horas. A dada altura ganhou coragem e nadou para a cabine do oficial e tentou tirar painéis da parede do quarto para usar como uma jangada que o mantivesse acima do nível da água.
Enquanto isso, ouvia os peixes a comer os seus onze companheiros, que não sobreviveram, e rezava para ser salvo. "Estava esfomeado, mas principalmente tinha sede. A água salgada levou-me a pele da língua", recordou Okene numa entrevista.
No mesmo ano, Gene Penaflor, um caçador de 72 anos, foi encontrado na floresta após ter andado perdido durante 18 dias. Penaflor tinha ido caçar veados com um amigo no Parque Nacional de Mendocino, na Califórnia, mas perdeu-se do parceiro, caiu, bateu com a cabeça e quando acordou não sabia onde estava. Sobreviveu a comer lagartos, esquilos e sapos, fez fogueiras e usou folhas para se cobrir durante a noite.
Daniel Flores García, 32 anos, estudante de psicologia, foi encontrado vivo após ter ficado 20 dias perdido numa floresta do sul do Chile. Saiu do parque de campismo com apenas calção de banho e t-shirt, uma garrafa de água, uma máquina fotográfica e o telemóvel, que rapidamente ficou sem rede.
A necessidade aguça o engenho e Garcia resolveu replicar o que vira em filmes: partiu a máquina fotográfica para fazer uma faca improvisada, cortou bambus e outras plantas para se alimentar e cobrir o corpo com as folhas. O universitário, que perdeu 15 quilos na sua luta pela sobrevivência, bebia água em riachos ou charcos criados pela chuva, abundante na região, mas nos últimos dias já quase não conseguia andar devido às feridas causadas pela vegetação e pelas picadas de insetos, que infetaram.
E que dizer de Reg Foggerdy, de 62 anos, que em 2015 sobreviveu a comer formigas pretas e a dormir debaixo de uma árvore, ele que tinha desaparecido no deserto, numa parte remota da Austrália Ocidental durante uma viagem de caça? Foi encontrado vivo seis dias depois, graças aos pedaços de roupa que foi deixando ao longo do caminho. Anos antes, um casal canadiano sofreu um acidente perto de Nevada, nos Estados Unidos, quando se dirigia para Las Vegas por um caminho alternativo – uma estrada rural que se transforma em pântano nos meses de inverno.
A carrinha onde seguiam ficou presa na lama no meio do nada e, depois de três dias sem avistar ninguém, Albert Chretien, o marido, foi procurar ajuda, enquanto Rita permaneceu dentro do veículo durante 49 dias (sete semanas), a comer rebuçados e frutos secos e a beber água de um riacho perto do acidente.
Quando a mulher de 56 anos foi encontrada por um grupo de caçadores estava quase morta e tinha perdido cerca de 14 quilos. O marido nunca mais voltou e os seus restos mortais só foram encontrados 18 meses mais tarde.
Descalça e queimada
"O que é relevante para mim nesta história não é conseguir manter os níveis de glicose, proteínas, sódio e potássio no organismo, porque é relativamente fácil obter alguns desses elementos comendo plantas. Agora o que não é fácil é ter força de vontade para resistir ao sofrimento psicológico que é estar sozinho e perdido, o medo é terrível e chega a ser paralisante", esclarece Pedro Amorim, médico do ultramaratonista Carlos Sá e por isso com larga experiência em adversidades.
"É fácil perder a esperança", disse Amanda. "O nosso medidor de esperança diminui um pouco a cada dia. E quando o sol começa a descer, pensamos: ‘Outra noite sozinha, como me vou aquecer, como vou continuar viva? Mas a única opção que tinha era a vida ou a morte, por isso, em vez de me sentar à espera da morte, eu decidi escolher a vida. Ouvi várias vezes uma voz que disse: ‘Se queres viver, continua.’"
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