A ‘Domingo’ falou com dois militares que viveram, anónima mas apaixonadamente, o dia de todas as decisões.
Ramalho Eanes, Otelo Saraiva de Carvalho, Vasco Lourenço, Jaime Neves. Têm em comum o facto de serem militares e de terem sido protagonistas do 25 de Novembro de 1975. Agora que se assinalam – nesta quarta-feira – os 40 anos sobre a data, fomos descobrir dois heróis escondidos desse importante episódio histórico. Os ‘anónimos’ Filipe Rodrigues e João Andrade da Silva viveram esses dias conturbados em lados opostos da barricada mas guardam boas memórias de um período tão vivo da nossa História recente. E ambos concordam, pelo menos, numa coisa: foi o bom senso das forças militares que impediu que rebentasse uma guerra civil em Portugal. E que nem de uma nem de outra parte houve intenção de fazer jorrar sangue de civis pelas ruas.
Certo é que a data assinalou o fim do chamado ‘Verão Quente’ e do confronto – aceso – entre as forças moderadas e os radicais que queriam que Portugal se tornasse num "País de tipo socialista". Expressão que deixava muita gente desconfortável. Afinal, a democracia tinha chegado havia apenas um ano… Muitos temiam o fim da liberdade recém-conquistada.
Na madrugada de 25 de novembro de 1975, tropas paraquedistas ocuparam várias bases aéreas, supostamente à espera do apoio do COPCON (Comando Operacional do Continente, afeto à extrema--esquerda). Outras movimentações incluíram a ocupação da RTP (pela forças da Escola Prática de Administração Militar) e da Emissora Nacional (pela Polícia Militar). Um grupo operacional de militares, sob a égide do Presidente da República, Costa Gomes, e sob comando de Vasco Lourenço e de Ramalho Eanes, fez-lhes frente.
Filipe Rodrigues, que estivera em África e tinha 24 anos em 1975, era comando e recebeu a convocatória para se apresentar no Quartel da Amadora, onde chegou dia 7 de novembro. "Eu tinha regressado do Ultramar em outubro de 74 e mandaram-me chamar – a mim e aos outros – porque o País se encontrava instável", recorda. "Temia-se a formação de um governo revolucionário extremista e fomos chamados a defender os valores da democracia", recorda, ele que esteve envolvido no cerco ao Emissor de Monsanto sob as ordens de Jaime Neves. Lá chegado, recorda que tudo se passou de forma mais ou menos pacífica. "Muitos dos paraquedistas que lá estavam eram nossos conhecidos. Tinham estado em África e tinham feito operações connosco", lembra. "Perceberam que vínhamos em paz." Não chegou a haver troca de tiros, embora Filipe Rodrigues garanta que estava pronto para fazer o que fosse preciso. "Eu era casado e já tinha duas filhas na altura. O que sentia era que estava, pela segunda vez, a abandonar a família para servir o País mas, caso tivessem disparado do lado de lá, nós teríamos aberto fogo. Isso é certo. Até porque sentia que tínhamos a razão do nosso lado: se estávamos ali, era porque o senhor Presidente da República nos tinha chamado."
O ex-comando Filipe Rodrigues
O ex-comando Filipe RodriguesDO OUTRO LADO
No dia 25 de Novembro, João Andrade da Silva, que pertencia ao MFA (Movimento das Forças Armadas), tinha a categoria de capitão – colocado no Quartel de Évora. Estava diretamente na linha de comando do general Carlos Fabião, chefe do Estado- -Maior do Exército. E aquele que parecia um dia igual aos outros acabou por se revelar inesperado. Tudo começou com uma visita ao quartel. "O senhor Pinto Sá vem ter comigo e diz-me: ‘Olhe, está em curso um movimento contrarrevolucionário, os seus camaradas da Escola Prática de Artilharia [EPA] já foram presos e o senhor vai a seguir." Foi o suficiente para que Andrade da Silva se dirigisse à EPA para verificar o que se passava. Encontrou "tudo estático, na expectativa".
Quando regressou ao seu posto, "o País já estava em estado de sítio". Entretanto, recebeu um telefonema de um civil do Vimieiro: "Dizia que vinha uma coluna de carros de combate de Estremoz em direção a Lisboa." Telefonou ao COPCON a avisar da situação ("nem sei se a chamada chegou"), o que mais tarde viria a ser usado contra ele num processo movido pelos vitoriosos, que o quiseram prender "por estar do lado daqueles que era preciso abater". Ou seja, dos considerados radicais. "Da minha parte, fui sempre e somente um delegado do MFA eleito, sem ligação a qualquer força partidária", afirma, garantindo que nunca, "por prova feita e conhecimento direto", alguém de "esquerda tenha sido contactado para qualquer ação de golpe militar".
O coronel reformado, que nunca esteve fora da hierarquia militar, diz que na altura considerou a ocupação das bases "um problema disciplinar" e hoje está convencido de que o 25 de Novembro foi um plano arquitetado entre americanos e alguns setores nacionais "para manter o País como está, obediente".
O tenente-coronel Andrade da Silva
Foi Ramalho Eanes quem o salvou da cadeia, no rescaldo do golpe. Os generais Carlos Fabião e Otelo Saraiva de Carvalho (que era comandante do COPCON) foram destituídos dos cargos, Ramalho Eanes substituiu o primeiro à frente do Estado- -Maior do Exército, e vários foram presos. "Traziam uma lista e começaram a prender os meus camaradas de modo indigno, arbitrário e totalitário. Eu também estava na lista, mas o Ramalho Eanes disse que não havia provas suficientes contra mim", recorda.
Hoje, na iminência de termos em Portugal um governo de esquerda, tanto Andrade da Silva como Filipe Rodrigues, reformado da GNR, reconhecem que voltou a haver "uma certa crispação" entre esquerda e direita na nossa sociedade. Mas tudo "muito mais pacífico" e nada que os preocupe. Andrade da Silva diz que não vai celebrar o 25 de Novembro, que considera "o progenitor dos abusos que se têm cometido contra Portugal e os portugueses". Filipe Rodrigues, sim, vai celebrar. Juntamente com outros comandos de Pombal, diz que vai contar às crianças como foram aqueles dias em que parecia que Portugal ia mudar e nunca mais voltaria a ser o mesmo.
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