Primeira-ministra social-democrata Mette Frederiksen, empossada pela rainha Beatriz II, em 2019, tem vindo a executar políticas contra os estrangeiros que vivem no país.
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Antes de Donald Trump proclamar que pretendia anexar o território autónomo da Gronelândia, o Reino da Dinamarca era famoso por ser o país “mais feliz do mundo”. Agora, também o é pelas políticas “musculadas” de imigração defendidas e executadas por um Governo de… esquerda.
A primeira-ministra social-democrata Mette Frederiksen, que assumiu o cargo, em junho de 2019, com apenas 41 anos (nasceu a 19 de novembro de 1977), anunciou que o “objetivo final” da Dinamarca é ter “zero requerentes de asilo”. Numa sua biografia, lê-se: “Para mim, está-se a tornar cada vez mais claro que o preço da globalização desregulamentada, da imigração em massa e da livre circulação de mão de obra é pago pelas classes mais baixas.”
Aquele país nórdico tem um elevado padrão de vida, sendo gratuitos os sistemas de ensino (99% da população, acima dos 15 anos, é alfabetizada) e de saúde, ambos universais para todos os residentes – incluindo imigrantes e seus descendentes. Entretanto, sendo menos de 6 milhões de habitantes, a questão identitária tornou-se premente num país que era visto como liberal e aberto – foi, por exemplo, o primeiro a reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
A Dinamarca, refere Katya Adler, a editora para a Europa da BBC, numa peça publicada no passado dia 5 de junho, é agora pioneira “em políticas migratórias restritivas” no Velho Continente, tanto no que diz respeito a requerentes de asilo quanto a imigrantes económicos, como lhe explicou Marie Sandberg, diretora do Centro de Estudos Avançados de Migração da Universidade de Copenhaga.
Guinada à direita
Há vários motivos para os dinamarqueses terem perdido a paciência, mas o ponto de viragem foi a vaga migratória de 2015,que teve a simpatia da (então) chanceler alemã Angela Merkel, quando um milhão de refugiados, que atravessavam o Mediterrâneo ou fugiam de conflitos mais a Leste, entraram na Europa. Ora, a Dinamarca situa-se a norte da Alemanha, com a qual partilha fronteira, e era um dos destinos ricos em que os deslocados procuravam fixar-se – o que deu origem a slogans como “Dinamarqueses Primeiro”. “Quando entrevistei apoiantes do Partido Popular Dinamarquês (PPD), de extrema-direita e anti-imigração, naquele ano, eles disseram-me: ‘Não nos consideramos racistas, mas sentimos que estamos a perder o nosso país’”, conta Katya Adler.
O que terá alterado tudo foi a mudança de líder no Partido Social-Democrata, em 2015, e a “guinada à direita” protagonizada por Mette Frederiksen (após a derrota eleitoral do governo da sua antecessora, Helle Thorning-Schmidt), que, ainda na oposição ao governodosconservadores, viabilizava quase todas as medidas anti-imigração – não se distinguindo, neste domínio, do PPD, que era, então, o segundo maior grupo parlamentar.
Afuturagovernante apoiou a mudança, preconizada pelos populistas de direita, de trocar a política de integração pela de repatriação. Apelou para o estabelecimento de um limite para os imigrantes não ocidentais e defendeu a expulsão dos requerentes de asilo para um centro de acolhimento no Norte de África. Votou a favor de uma lei que proíbe as islâmicas de usarem burca ou ‘niqab’, com pesadas multas para quem vestir tais indumentárias.
Paralelo com nazis
Uma das medidas que suscitou mais indignação externa foi a decisão do Governo de Copenhaga confiscar, durante a grande migração de 2015, dinheiro e objetos de valor aos que pretendiam entrar no país. A “Dinamarca quer apreender joias e dinheiro de refugiados”, titulava o ‘Washington Post’, a 18 de dezembro de 2015 – oito dias depois de o projeto de lei ser apresentado no parlamento.
A justificação para a polícia poder “revistar roupas e bagagens dos requerentes de asilo – e outros migrantes sem autorização de permanência na Dinamarca – [tinha] o objetivo de encontrar bens que possam cobrir as despesas” da sua permanência no país. O Ministério da Integração ressalvava que “a nova regra” permitia, contudo, que os forasteiros pudessem ficar com os “bens necessários para manter um padrão de vida modesto, como relógios e telemóveis”.
Não era apenas o diário norte-americano a lembrar que esta foi “uma das práticas do regime de Hitler em relação aos judeus”. O diploma foi duramente condenado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU e houve muitas comparações com o tratamento dado aos judeus na Europa ocupada pelos nazis, durante a II Guerra Mundial. Zachary Whyte, investigador da Universidade de Copenhaga, disse que perante aquela proposta, “rotulada como mesquinha e cruel”, houve opositores a questionar “se o governo também retiraria as obturações de ouro”, extraídas dos dentes, numa alusão ao que os hitlerianos faziam às vítimas dos campos de extermínio.
Mas, em janeiro de 2016, os sociais-democratas também votaram a favor desta controversa lei de “linha dura” sobre política de asilo.
Islamofobia alastra
Depois, a islamofobia cresceu até atingir um “clima hostil” aos que rezam a Alá. Uma muçulmana que vivia, desde os 18 anos, em Holbæk, perante esta súbita mudança da opinião pública, afirmava que, aos 36 anos, admitia voltar para a sua Somália natal – o perigoso país dos “senhores da guerra”.
O preconceito racial e religioso terá sido agravado pelas reações às caricaturas sobre o profeta Maomé publicadas, em 2005, no jornal ‘Jyllands-Posten’; e, também, às notícias dos 150 cidadãos dinamarqueses que foram para a Síria combater nas fileiras do Estado Islâmico – levantando a suspeita de haver núcleos de terroristas naquele país escandinavo. Em setembro de 2015, noticiava o ‘The Washington Post’, “as autoridades publicaram um anúncio em jornais libaneses com uma mensagem clara para os estrangeiros que possam estar a pensar procurar asilo: ‘Não venham para a Dinamarca’”.
Frederiksen referiu-se ao Islão como uma “barreira à integração”, argumentando que alguns muçulmanos “não respeitam o sistema judicial dinamarquês” e há mulheres que se recusam a trabalhar por razões religiosas. Na mesma altura, apelou ao encerramento das escolas muçulmanas – opiniões pouco diferentes, por exemplo, das do húngaro Viktor Orbán.
Em absoluto contraste com as políticas dinamarquesas, o primeiro-ministro socialista espanhol, Pedro Sánchez, quer aproveitar a vaga de imigrantes para suprir as lacunas no mercado de trabalho, manter o crescimento económico (como sublinha a reportagem da BBC, “adora destacar que a economia espanhola foi a que mais cresceu entre os países ricos”, no ano passado), contrariar o rápido envelhecimento da população (“quase metade das nossas cidades correm o risco do despovoamento”) e garantir, com a receita tributária extra dos imigrantes, a cobertura das futuras pensões.
Qual é a melhor solução?, questionam-se políticos, académicos, ativistas, investigadores.Num mundo em crise e em mudança, ninguém pode prever as consequências dos próximos fluxos migratórios e que setores profissionais serão “arrasados” pela robótica e pela Inteligência Artificial.
Sem usar burca e a ter de comer porco
Jornalista inglês a viver na Suécia, Richard Orange foi até à pequena cidade costeira dinamarquesa de Holbæk, em 2018. As conversas com cidadãos e políticos locais serviram-lhe para o “retrato” que traçou no ‘The Guardian’ (“Dinamarca vira à direita na imigração – e os muçulmanos sentem-se sitiados”). “Bap, bap, bap”, uma dinamarquesa anti-imigração tenta imitar, “com as mãos, pessoas balbuciando numa língua estrangeira”, referindo-se ao “gueto” de Agervang, conjunto habitacional com muitos islâmicos. Já a filha de um casal que chegou da Turquia quando eram ambos ainda crianças, e morou naquele bairro durante os seus 30 anos de vida, contrapõe: “Sabe quantos advogados, médicos e engenheiros saíram desses blocos?” E “não somos bons só porque não comemos carne de porco”. Nada que não tenha solução. “Agora, o Partido Popular Dinamarquês está a dizer que todas as escolas e jardins de infância deviam servir carne de porco uma vez por semana”, comenta um dirigente local do Partido Social Liberal – “é uma loucura”. E estranha a obsessão de proibir a burca, que devia ser envergada, em todo o país, por umas 40 mulheres.
“O nosso governo está a criar leis para apenas 40 pessoas!”
Só ‘nuestros hermanos’ abrem as portas
Há três décadas, 1,6% da população total de Espanha correspondia a pessoas nascidas fora do país. Hoje em dia, esse número aumentou nove vezes, e corresponde a 14% da população. Ainda assim, o envelhecimento demográfico e o despovoamento são os argumentos que sustentam a política do socialista Pedro Sánchez, hoje em dia em contraciclo. O novo Regulamento de Estrangeiros espanhol entrou em vigor este mês, para regularizar até 900 mil imigrantes em três anos.
Há 10 anos, na crise migratória, quando milhões de pessoas tentaram chegar à Europa, a chanceler Angela Merkel, da CDU, defendeu que a UE devia ser solidária, e abriu a porta a um milhão. Em 2024, um ataque do Estado Islâmico (EI) serviu ao governo alemão para apresentar um pacote de medidas restritivas. As políticas adotadas pelos governos da Hungria, Eslováquia, Suécia, Países Baixos, Alemanha e França mostram que a questão é, hoje em dia, menos político-partidária.
Itália, que naquele 2015 recebeu 150 mil pessoas, continua a ser pressionada por fluxos migratórios, devido à sua posição geográfica. Eleita a extrema-direita, Meloni investiu milhões de euros na construção de ‘centros de retenção’ na Albânia. Desde há vários anos que a própria UE adota políticas para diminuir o impacto das migrações, através de acordos com a Turquia e com estados do Magreb , que incluem formação de guardas de fronteira e de equipas de vigilância, campos de retenção, drones e tecnologia biométrica. Em maio do ano passado, a comunidade adotou um novo pacto que prevê maior proteção e partilha de responsabilidades entre os estados-membros.
Mesmo o Reino Unido, que viu fracassado o acordo com o Ruanda, considerado ilegal pelo Supremo Tribunal, continua a negociar com outros Estados para a construção daquilo a que chama ‘centro de retorno’.
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