O carismático professor quer terminar as suas memórias. Diz que as oposições só servem para criticar e que os portugueses são dotados de uma enorme preguiça mental.
Aos 84 anos José Hermano Saraiva mantém a vivacidade de um jovem. Grava semanalmente o programa ‘A Alma e a Gente’, transmitido no canal dois da RTP e na RTP Internacional e está envolvido em vários projectos. Contudo, o que mais deseja é terminar as suas memórias, espalhadas em singelas folhas de papel e escritas ao ritmo das emoções. O professor acredita que o povo português tem sede de cultura e por essa razão, louva iniciativas que existem no sentido da cultura ir ao encontro das massas. E mais do que apoiar, seleccionou dez clássicos da Literatura Portuguesa que o ‘Correio da Manhã’ disponibiliza aos seus leitores a partir de domingo, dia 19.
ENTREVISTA
As obras que seleccionou começam em Garrett e terminam em Alves Redol. Existe algum fio condutor na sua escolha?
Os nossos primeiros poetas remontam ao século XIII. Um bom manual de História da Literatura faz a recensão de mais de mil nomes desde essa altura. Ora, escolher dez entre milhares não foi fácil. Nem sequer posso dizer que tenha escolhido os dez maiores porque isso depende do critério de cada um.
Nesse caso o seu critério foi começar com os românticos?
Não poderia incluir escritores com os quais o leitor se confrontasse com barreiras linguísticas. Falo, por exemplo, do Garcia de Resende. Por isso – e indo ao alcance do leitor da classe média – comecei com os grandes escritores da literatura moderna, nomeadamente com o Garrett e o Herculano, que introduziram o romantismo em Portugal.
E a colecção começa precisamente com o ‘Frei Luís de Sousa’…
Para mim, o maior livro que Garrett escreveu foi ‘As Viagens da Minha Terra’ mas é uma obra muito extensa e com um simbolismo que ainda é clássico, não é do nosso tempo. Por isso, optei pelo livro mais famoso de todos do Garrett: ‘Frei Luis de Sousa’ que é um drama actual e na minha opinião verídico. O drama é um dos pontos em que a literatura portuguesa atingiu a forma perfeita, é um diamante lapidado.
O Herculano também foi uma decisão difícil?
Foi complicado escolher entre a sua vasta obra um livro que o leitor leia com interesse. Preferi uma selecção de lendas e narrativas escritas em várias épocas. São histórias simples e que representam modelos de prosa romântica. É uma prosa desataviada e que hoje já não se usa. A prosa é como as mulheres: hoje já não se pintam.
Está a comparar a prosa romântica às mulheres?
Repare: há 40 anos era impensável uma mulher aparecer na rua sem ter o rosto completamente pintado. Isso já não se usa, e ainda bem, porque a natureza vale mais do que qualquer artifício.
Aconteceu o mesmo com a prosa: as pessoas de idade avançada como eu já têm dificuldade em escrever porque está-nos sempre a fugir a caneta para o bonitão, para o esplendor, para o reflexo estilístico, hoje fora de moda.
Se essa prosa caiu em desuso, como é que se pode seduzir as faixas etárias mais jovens a apreciarem os clássicos?
Considero estas obras uma espécie de modelo que não se usa mas que todos admiramos. Hoje, já não se usam os hermafroditas lindíssimos da escultura grega porque um manequim é homem ou mulher; todavia nós admiramos a arte clássica. Com esta selecção de livros acontece a mesma coisa: parece mal não conhecer. Não fica bem a uma pessoa de cultura média dizer que nunca leu qualquer das narrativas escolhidas.
E é curioso que tenha escolhido ‘A Queda de Um Anjo’ de Camilo Castelo Branco…
Sei que o seu livro mais famoso é o ‘Amor de Perdição’ mas é ultra-romântico, o que a juventude aceitaria mal. ‘A Queda de Um Anjo’ é a história de um deputado que, em Lisboa, deixou de ser anjo. A história continua a ser oportuna pelas semelhanças que tem com alguns casos nossos conhecidos…
Porque é que os jovens aceitariam mal o ‘Amor de Perdição’?
Hoje já se ninguém perde por uma mulher; a mulher aceitou entrar no comércio corrente como um artigo trivial, deixou de ser preciosa, já não vale a pena morrer por ela.
Ao reivindicar a igualdade a mulher perdeu toda a sua cotação no mercado dos valores sentimentais. Era um anjo e agora é uma companheira de trabalho, é igual em direitos e em deveres.
O professor já tinha mencionado que gostava de ver concretizada uma colecção com obras recentes…
Depois de Fernando Pessoa há em Portugal imensos vultos literários. Gostaria de ver numa colecção de leitura o Vergílio Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues, Eugénio de Andrade, José Saramago, Agustina Bessa-Luís, Graça Pina de Morais, Artur Portela, Lídia Jorge, Lobo Antunes, Fernando Dacosta, Clara Pinto Correia. Citei-lhe uma dúzia, mas podia citar uma centena.
Voltando às mulheres. Não deixa de ser curioso que os indicadores estatísticos portugueses apontem as mulheres como as grandes leitoras...
Não fazia ideia, mas considero um dado positivo. As mulheres têm uma curiosidade cultural superior à dos homens e hoje não têm muito tempo para ler.
O professor continua a receber cartas dos seus telespectadores?
Os meus programas são transmitidos na RTPi e estima-se que tenham uma audiência de 10 milhões de pessoas. Recebo muitas cartas e, infelizmente, não consigo responder a todas.
Entretanto, lançou ‘A História Essencial de Portugal’ em seis DVD…
É o essencial sobre a História de Portugal contado nos próprios locais onde aconteceu. As pedras falam, só que não têm voz; se tivessem era isso que diriam. Este ‘livro’ está a suscitar um grande interesse em várias universidades estrangeiras onde há a cadeira de Língua Portuguesa e onde o texto que os professores estão a dar é este. Dizem-me que é um português articulado palavra a palavra, não tanto pela informação histórica mas mais pelo lado linguístico. Eu falo ainda uma língua em que não engulo as consoantes nem as vogais. O português começa a abandalhar cada vez mais o idioma.
A que atribui esse facto?
É uma moda que veio de França, no Maio de 68, e que ainda persiste em Portugal. Como sabe, as modas chegam a Portugal com um certo atraso. Passaram quase 40 anos, é o tempo normal do atraso.
Penso que a contra-moda vai chegar. Aliás, se calhar está a chegar. As pessoas começam a ter saudades de falar um português que se possa ouvir e que seja tão belo como aquele que falou o padre António Vieira.
Mas o professor gosta do nosso povo?
Gosto, claro, faço parte dele! Todavia devo dizer que somos dos povos mais conservadores do mundo e isto é terrível; faz com que não consigamos desprender-nos de velhas rotinas, velhos hábitos mentais. Temos uma grande preguiça e evitamos pensar. O português gosta da papa feita, do pronto-a-vestir e isto é muito mau!
Como lida com a popularidade?
Gosto dos meus fãs. Se lhe dissesse o contrário, era mentira. Mesmo quando eles me dizem coisas curiosas. Uma vez, numa praça em Ovar, uma vendedora chamou-me, lambusou-me todo com um beijo e disse: “Sabe, eu não percebo uma palavrinha do que o senhor diz mas quanto menos percebo, mais gosto”. Isto é comovente. Gosto disso porque chego ao coração do povo.
Gostava de ter voltado à política?
Não. A política foi das piores coisas que fiz na vida. E já reparou o que é a política hoje? Os políticos chamam-se todos os nomes uns aos outros e isso sim, é uma vergonha. Esquecem-se que quando eles estiverem no poder vai ser a mesma coisa.
Esta forma de lidarem uns com os outros desacredita o próprio exercício do poder.
A política portuguesa tem-se caracterizado por uma coisa simples: há uma ‘situação’ e uma ‘oposição’. A ‘oposição’ – qualquer uma delas – limita-se a chamar burros aos que estão no poder. Em vez de dar alternativas.
Além do seu programa na RTP, em que projectos está envolvido?
Estou a fazer um livro chamado ‘Os Lugares Históricos de Portugal’; estou também envolvido num projecto sobre as moedas portuguesas de ouro ao longo da História, estou a organizar as minhas memórias e tenho receio de não ter tempo…
Com certeza que consegue concluir as suas memórias…
São muitas! Estou a terminar a minha sétima dúzia de anos mas estou prestes a sair dela e a entrar na oitava dúzia. Isto é uma longa vida, eu sou testemunha de um século. Assisti a muita coisa e (ainda) tenho muito para contar.
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