Já imaginou Santana Lopes a assinar protocolos de fato-de-banho? João Carlos de Paula, ex-prefeito de Porto Seguro, fê-lo quatro anos. Das poucas vezes que se vestiu foi para receber Mário Soares.
Quando decidiu candidatar-se às eleições de 1992 tinha um só objectivo: salvar os seus investimentos, em construção desde os 16 anos quando o pai lhe entregou uma parcela de terra para gerir. "Quem ganharia acordava ao meio-dia. Se não avançasse corria o risco de perder tudo. Foi quase uma decisão de sobrevivência, porque de política pouco ou nada percebia."
O Partido Democrático Social deu-lhe uma oportunidade e João Carlos Mattos de Paula, 65 anos, aprendeu depressa. Ganhou e foi prefeito da cidade brasileira de Porto Seguro - sul da Bahia -, entre 1992 e 1996. Para contornar a inexperiência, aplicou os métodos com que geria os seus hóteis e fazendas. E nem da farda abdicou. Despachou, reuniu e discursou de sunga, ou seja, de calção de banho, e durante os quatro anos de mandato, foram raros os dias em que se vestiu. Excepções só em cerimónias de Estado, celebrações religiosas ou na recepção a altas individualidades, como Mário Soares, que enquanto Presidente da República visitou Porto Seguro, a 25 de Março de 1994. Nesse dia, ‘João da Sunga’ – como é conhecido – ‘botou’ umas calças e um pólo. "Mas só durante as cerimónias", frisa.
A VOZ DE ÁLVARES CABRAL
De Soares guarda "óptimas recordações", sobretudo da boa sua disposição. "Na visita pela cidade, levei-o a uma fonte e disse-lhe que a água era milagrosa, que mantinha o homem viril para sempre. E ele, de imediato, exclamou: Pô, me dá um garrafão!", conta, imitando a voz do ex-Presidente da República. "Se resultou, não sei, mas mandei entregar um para ele", brinca.
A visita de Mário Soares foi apenas mais um nó na relação que ‘João da Sunga’ quis estabelecer com Portugal. Foi ele quem mitificou Pedro Álvares Cabral como símbolo turístico de Porto Seguro, o primeiro local visitado por portugueses aquando da descoberta do Brasil em 1500. A ponto de, politicamente, evocar a importância do navegador. Num comício em 1994, ao lado do então futuro Presidente Fernando Henrique Cardoso, até fingiu estar possuído por ele: "Era preciso salvar o comício, marcado inexplicavelmente para um domingo à noite. Foi então que decidi imitar a voz de Cabral e dizer que ele me tinha contado que o real ia ser a redenção do Brasil."
Além da História, ‘João da Sunga’ geminou Porto Seguro com Fafe, distrito de Braga, fundou a Casa da Cultura Portuguesa e tudo fez para conquistar os turistas portugueses, mais adeptos do Nordeste brasileiro. Apesar de muito orgulhoso por ter - com o turismo como prioridade - dado uma nova dimensão à cidade, ‘João da Sunga’ tem poucas saudades da política. "Quando era prefeito bebia uma garrafa de cachaça até às três e uma de uísque depois. O que ganhei com a prefeitura foi isto: ia perdendo a minha perna devido à diabetes", desabafa, apontando para uma longa cicatriz.
A partir de então leva uma vida bem mais recatada. Mas, seja Inverno ou Verão, mantém os hábitos antigos de só vestir sunga e de levantar-se todos os dias cedo. O mais tardar, às 07h00 está de saída do Porto Seguro Praia Hotel - onde vive lado a lado com os turistas - em direcção a uma das suas fartas fazendas, de coco, cacau e manga. Uma delas tem a extensão de seis quilómetros, que correspondem a outro tanto de praia privada.
SER ENTERRADO DE PÉ
Durante a viagem, faz inúmeras paragens para dar boleia. Na maioria das quais já nem fala. Pára, as pessoas cumprimentam-no e sobem para a caixa aberta da moderna Mitsubishi L400. Quilómetros à frente, volta a parar, os viajantes despedem-se e ele arranca, até ao próximo apeado, numa rotina repetida todos os dias. "Não me custa nada e para eles são muitos quilómetros poupados às pernas", explica, pouco antes de parar junto de um grupo de crianças, por quem distribui os rebuçados com que anda sempre no porta-luvas do carro para esse efeito.
Primogénito de um merceeiro e uma doméstica - que já ajudou à missa e conduziu camiões de longo percurso um dia chegou prefeito, João da Sunga foi o primeiro a pousar de jacto no aeroporto de Belmonte. Hoje, é patrão de mais de quatro centenas de pessoas e ambiciona ser "o maior produtor de cacau do Mundo". Superada a praga da vassoura de bruxa – fungo que, no início da década de 90, conduziu a um choque económico na região da Bahia – tem dois milhões de pés plantados e investe forte para chegar aos cinco milhões. "É um sonho..."
À tarde, é obrigatória a passagem pelo bar da piscina do hotel, o primeiro a ser construído em Porto Seguro, há 33 anos. É nessa altura ao balcão, que aproveita para fazer alguns telefonemas para se inteirar do quotidiano das fazendas que nesse dia não visitou ou dos apoios políticos para o filho mais velho, que espera possa vir a ser o futuro prefeito de Porto Seguro.
Quando recorda, com orgulho, o seu percurso de sucesso não esquece uma ajuda essencial: a do Perventin. "Durante muito tempo, para trabalhar mais horas, quase não dormia. Bastava tomar o Perventin" - anfetamina que, pelos seus efeitos, é hoje comparada à cocaína e ao Viagra. Largou as ampolas, mas mantém o desejo de se manter acordado para sempre. "Já comprei um túmulo especial, para ser enterrado de pé. Porque se eu deitar, eu durmo."
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt
o que achou desta notícia?
concordam consigo
A redação do CM irá fazer uma avaliação e remover o comentário caso não respeite as Regras desta Comunidade.
O seu comentário contem palavras ou expressões que não cumprem as regras definidas para este espaço. Por favor reescreva o seu comentário.
O CM relembra a proibição de comentários de cariz obsceno, ofensivo, difamatório gerador de responsabilidade civil ou de comentários com conteúdo comercial.
O Correio da Manhã incentiva todos os Leitores a interagirem através de comentários às notícias publicadas no seu site, de uma maneira respeitadora com o cumprimento dos princípios legais e constitucionais. Assim são totalmente ilegítimos comentários de cariz ofensivo e indevidos/inadequados. Promovemos o pluralismo, a ética, a independência, a liberdade, a democracia, a coragem, a inquietude e a proximidade.
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza expressamente o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes ou formatos actualmente existentes ou que venham a existir.
O propósito da Política de Comentários do Correio da Manhã é apoiar o leitor, oferecendo uma plataforma de debate, seguindo as seguintes regras:
Recomendações:
- Os comentários não são uma carta. Não devem ser utilizadas cortesias nem agradecimentos;
Sanções:
- Se algum leitor não respeitar as regras referidas anteriormente (pontos 1 a 11), está automaticamente sujeito às seguintes sanções:
- O Correio da Manhã tem o direito de bloquear ou remover a conta de qualquer utilizador, ou qualquer comentário, a seu exclusivo critério, sempre que este viole, de algum modo, as regras previstas na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, a Lei, a Constituição da República Portuguesa, ou que destabilize a comunidade;
- A existência de uma assinatura não justifica nem serve de fundamento para a quebra de alguma regra prevista na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, da Lei ou da Constituição da República Portuguesa, seguindo a sanção referida no ponto anterior;
- O Correio da Manhã reserva-se na disponibilidade de monitorizar ou pré-visualizar os comentários antes de serem publicados.
Se surgir alguma dúvida não hesite a contactar-nos internetgeral@medialivre.pt ou para 210 494 000
O Correio da Manhã oferece nos seus artigos um espaço de comentário, que considera essencial para reflexão, debate e livre veiculação de opiniões e ideias e apela aos Leitores que sigam as regras básicas de uma convivência sã e de respeito pelos outros, promovendo um ambiente de respeito e fair-play.
Só após a atenta leitura das regras abaixo e posterior aceitação expressa será possível efectuar comentários às notícias publicados no Correio da Manhã.
A possibilidade de efetuar comentários neste espaço está limitada a Leitores registados e Leitores assinantes do Correio da Manhã Premium (“Leitor”).
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes disponíveis.
O Leitor permanecerá o proprietário dos conteúdos que submeta ao Correio da Manhã e ao enviar tais conteúdos concede ao Correio da Manhã uma licença, gratuita, irrevogável, transmissível, exclusiva e perpétua para a utilização dos referidos conteúdos, em qualquer suporte ou formato atualmente existente no mercado ou que venha a surgir.
O Leitor obriga-se a garantir que os conteúdos que submete nos espaços de comentários do Correio da Manhã não são obscenos, ofensivos ou geradores de responsabilidade civil ou criminal e não violam o direito de propriedade intelectual de terceiros. O Leitor compromete-se, nomeadamente, a não utilizar os espaços de comentários do Correio da Manhã para: (i) fins comerciais, nomeadamente, difundindo mensagens publicitárias nos comentários ou em outros espaços, fora daqueles especificamente destinados à publicidade contratada nos termos adequados; (ii) difundir conteúdos de ódio, racismo, xenofobia ou discriminação ou que, de um modo geral, incentivem a violência ou a prática de atos ilícitos; (iii) difundir conteúdos que, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, tenham como objetivo, finalidade, resultado, consequência ou intenção, humilhar, denegrir ou atingir o bom-nome e reputação de terceiros.
O Leitor reconhece expressamente que é exclusivamente responsável pelo pagamento de quaisquer coimas, custas, encargos, multas, penalizações, indemnizações ou outros montantes que advenham da publicação dos seus comentários nos espaços de comentários do Correio da Manhã.
O Leitor reconhece que o Correio da Manhã não está obrigado a monitorizar, editar ou pré-visualizar os conteúdos ou comentários que são partilhados pelos Leitores nos seus espaços de comentário. No entanto, a redação do Correio da Manhã, reserva-se o direito de fazer uma pré-avaliação e não publicar comentários que não respeitem as presentes Regras.
Todos os comentários ou conteúdos que venham a ser partilhados pelo Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã constituem a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição do Correio da Manhã ou de terceiros. O facto de um conteúdo ter sido difundido por um Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã não pressupõe, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, que o Correio da Manhã teve qualquer conhecimento prévio do mesmo e muito menos que concorde, valide ou suporte o seu conteúdo.
ComportamentoO Correio da Manhã pode, em caso de violação das presentes Regras, suspender por tempo determinado, indeterminado ou mesmo proibir permanentemente a possibilidade de comentar, independentemente de ser assinante do Correio da Manhã Premium ou da sua classificação.
O Correio da Manhã reserva-se ao direito de apagar de imediato e sem qualquer aviso ou notificação prévia os comentários dos Leitores que não cumpram estas regras.
O Correio da Manhã ocultará de forma automática todos os comentários uma semana após a publicação dos mesmos.
Para usar esta funcionalidade deverá efetuar login.
Caso não esteja registado no site do Correio da Manhã, efetue o seu registo gratuito.
Escrever um comentário no CM é um convite ao respeito mútuo e à civilidade. Nunca censuramos posições políticas, mas somos inflexiveis com quaisquer agressões. Conheça as
Inicie sessão ou registe-se para comentar.