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JOÃO DA SUNGA - O POLÍTICO DE TANGA

Já imaginou Santana Lopes a assinar protocolos de fato-de-banho? João Carlos de Paula, ex-prefeito de Porto Seguro, fê-lo quatro anos. Das poucas vezes que se vestiu foi para receber Mário Soares.

12 de outubro de 2003 às 16:31

Quando decidiu candidatar-se às eleições de 1992 tinha um só objectivo: salvar os seus investimentos, em construção desde os 16 anos quando o pai lhe entregou uma parcela de terra para gerir. "Quem ganharia acordava ao meio-dia. Se não avançasse corria o risco de perder tudo. Foi quase uma decisão de sobrevivência, porque de política pouco ou nada percebia."

O Partido Democrático Social deu-lhe uma oportunidade e João Carlos Mattos de Paula, 65 anos, aprendeu depressa. Ganhou e foi prefeito da cidade brasileira de Porto Seguro - sul da Bahia -, entre 1992 e 1996. Para contornar a inexperiência, aplicou os métodos com que geria os seus hóteis e fazendas. E nem da farda abdicou. Despachou, reuniu e discursou de sunga, ou seja, de calção de banho, e durante os quatro anos de mandato, foram raros os dias em que se vestiu. Excepções só em cerimónias de Estado, celebrações religiosas ou na recepção a altas individualidades, como Mário Soares, que enquanto Presidente da República visitou Porto Seguro, a 25 de Março de 1994. Nesse dia, ‘João da Sunga’ – como é conhecido – ‘botou’ umas calças e um pólo. "Mas só durante as cerimónias", frisa.

A VOZ DE ÁLVARES CABRAL

De Soares guarda "óptimas recordações", sobretudo da boa sua disposição. "Na visita pela cidade, levei-o a uma fonte e disse-lhe que a água era milagrosa, que mantinha o homem viril para sempre. E ele, de imediato, exclamou: Pô, me dá um garrafão!", conta, imitando a voz do ex-Presidente da República. "Se resultou, não sei, mas mandei entregar um para ele", brinca.

A visita de Mário Soares foi apenas mais um nó na relação que ‘João da Sunga’ quis estabelecer com Portugal. Foi ele quem mitificou Pedro Álvares Cabral como símbolo turístico de Porto Seguro, o primeiro local visitado por portugueses aquando da descoberta do Brasil em 1500. A ponto de, politicamente, evocar a importância do navegador. Num comício em 1994, ao lado do então futuro Presidente Fernando Henrique Cardoso, até fingiu estar possuído por ele: "Era preciso salvar o comício, marcado inexplicavelmente para um domingo à noite. Foi então que decidi imitar a voz de Cabral e dizer que ele me tinha contado que o real ia ser a redenção do Brasil."

Além da História, ‘João da Sunga’ geminou Porto Seguro com Fafe, distrito de Braga, fundou a Casa da Cultura Portuguesa e tudo fez para conquistar os turistas portugueses, mais adeptos do Nordeste brasileiro. Apesar de muito orgulhoso por ter - com o turismo como prioridade - dado uma nova dimensão à cidade, ‘João da Sunga’ tem poucas saudades da política. "Quando era prefeito bebia uma garrafa de cachaça até às três e uma de uísque depois. O que ganhei com a prefeitura foi isto: ia perdendo a minha perna devido à diabetes", desabafa, apontando para uma longa cicatriz.

A partir de então leva uma vida bem mais recatada. Mas, seja Inverno ou Verão, mantém os hábitos antigos de só vestir sunga e de levantar-se todos os dias cedo. O mais tardar, às 07h00 está de saída do Porto Seguro Praia Hotel - onde vive lado a lado com os turistas - em direcção a uma das suas fartas fazendas, de coco, cacau e manga. Uma delas tem a extensão de seis quilómetros, que correspondem a outro tanto de praia privada.

SER ENTERRADO DE PÉ

Durante a viagem, faz inúmeras paragens para dar boleia. Na maioria das quais já nem fala. Pára, as pessoas cumprimentam-no e sobem para a caixa aberta da moderna Mitsubishi L400. Quilómetros à frente, volta a parar, os viajantes despedem-se e ele arranca, até ao próximo apeado, numa rotina repetida todos os dias. "Não me custa nada e para eles são muitos quilómetros poupados às pernas", explica, pouco antes de parar junto de um grupo de crianças, por quem distribui os rebuçados com que anda sempre no porta-luvas do carro para esse efeito.

Primogénito de um merceeiro e uma doméstica - que já ajudou à missa e conduziu camiões de longo percurso um dia chegou prefeito, João da Sunga foi o primeiro a pousar de jacto no aeroporto de Belmonte. Hoje, é patrão de mais de quatro centenas de pessoas e ambiciona ser "o maior produtor de cacau do Mundo". Superada a praga da vassoura de bruxa – fungo que, no início da década de 90, conduziu a um choque económico na região da Bahia – tem dois milhões de pés plantados e investe forte para chegar aos cinco milhões. "É um sonho..."

À tarde, é obrigatória a passagem pelo bar da piscina do hotel, o primeiro a ser construído em Porto Seguro, há 33 anos. É nessa altura ao balcão, que aproveita para fazer alguns telefonemas para se inteirar do quotidiano das fazendas que nesse dia não visitou ou dos apoios políticos para o filho mais velho, que espera possa vir a ser o futuro prefeito de Porto Seguro.

Quando recorda, com orgulho, o seu percurso de sucesso não esquece uma ajuda essencial: a do Perventin. "Durante muito tempo, para trabalhar mais horas, quase não dormia. Bastava tomar o Perventin" - anfetamina que, pelos seus efeitos, é hoje comparada à cocaína e ao Viagra. Largou as ampolas, mas mantém o desejo de se manter acordado para sempre. "Já comprei um túmulo especial, para ser enterrado de pé. Porque se eu deitar, eu durmo."

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