Disfarçámo-nos de clientes e fomos ao assalto. Em cinco minutos a regra era fácil: Levar tudo o que conseguíssemos. só com as mãos.
Há muitas outras coisas que a necessidade aguça para lá do engenho e da arte. Uma delas é o músculo dos braços, quando tomado de uma insondável força física que se vai buscar a um qualquer sítio até então desconhecido (de todo) para que o corpo não vacile com uns quantos bonsais na mão.
Imaginar o cenário crítico não é paisagem bonita de se ver para quem pagou cinquenta euros para poder levar, em apenas cinco minutos, tudo em que tropeçar, por isso a solução é recorrer aos santinhos em busca de protecção divina e chamar à estufa aquilo que imaginamos ser um certo espírito de super-homem em apuros. Esmeram-se técnicas de respiração surpreendentes e cala-se o ‘ai meu Deus que não vai dar’ com o orgulho antecipado pela proeza de peso. Mas não há facilidades nisto de sair bem visto, e com o produto inteiro, quando a terra que se colou à indumentária é quase uma segunda pele. A consolação é que há pelo menos mais dez seres com o mesmo problema, se evitarmos avaliar a discrepância de tamanhos – e, portanto, de capacidade para carregar mais árvores – entre os participantes. Enquanto uns suam as estopinhas e em esforço tentam controlar os braços bamboleantes que dão ares de estarem tentados a roer a corda a qualquer instante, outros parecem carregar leves penas em lugar das verdadeiras florestas que lhes enchem os braços e certamente farão alguma comichão na fronte. Já se percebeu que este assalto não é tarefa fácil para os primeiros, que são levados a pensar – embora jamais se atrevam a confessá-lo em voz alta – que deveria haver uma espécie de segunda liga (mas com igual honra) para os menos aptos a tal serviço. É tudo uma questão de igualdade de oportunidades. Fora isso, é um salve-se-quem-puder versão ligeira (e concentrada no tempo), porque estão postas de parte – pela especificidade do produto em causa e pela largura dos corredores – quaisquer tentativas de dar encontrões severos.
Há uns certos toques de ombro que não parecem ser propositados e uns olhares de revés para ver se as galinhas da vizinha são mesmo melhores do que as minhas. A seguir aos braços, e, convenhamos, a uma certa força de vontade, os olhos são os melhores amigos dos assaltantes destas árvores que terão nascido na China mas florescido no Japão como uma arte e uma moda que há duas décadas começaram a granjear fãs também no Ocidente. E, embora adeptos haja muitos, nem todos se atrevem ao exercício de equilibrismo vaso por vaso. É o caso de uma amiga do 'assaltante repetente' Tiago, que, por pesar 'à volta de 30 quilos', se socorreu dos braços mais capazes do amigo para rechear a casa de bonsais. Ele não a deixou ficar mal. Também porque a prudência tem sido companheira bem-vinda de assalto às plantas.
'Sempre disse que aquilo que não podia acontecer era perder a cabeça e carregar demasiados bonsais ao mesmo tempo para não correr o risco de deixar cair as árvores e de se partirem os vasos, como já vi aqui acontecer.' É preciso conter a ganância e saber parar a tempo de não ver o esforço deitado por terra. Ou por mãos alheias. Tiago sabe bem do que fala porque esta é a terceira vez que corre ao Museu do Bonsai, em Sintra, para aquilo a que o proprietário, Marco Rodrigues, convencionou chamar 'os fins-de-semana loucos', uma campanha de marketing que é também forma de esgotar o stock que engrossou com o fim de um centro de bonsais no Algarve. Os três ‘assaltos’ de Tiago Faneca, 35 anos, renderam duas dezenas de árvores que tem vindo a distribuir pela família. Mas a avidez já não é a mesma. 'É pior na primeira vez: olhamos para o lado e pensamos ‘este se calhar ainda cabia, com esforço se calhar vai lá’, nas seguintes só trazemos aquilo que queremos'.
Daniel Sousa, que se estreou neste encontro, sentiu a mesma sensação de que o repetente fala. 'Com a vontade de tirar o máximo possível no mínimo tempo nem sempre se leva o melhor. O desespero de levar muito em cinco minutos era tanto que no início quando a minha namorada me apontou um que ela achou giro eu não o agarrei por achar muito pesado, mas depois até acabei por levar um ainda mais pesado do que esse.' É importante não subestimar a claque que faz fé do lado de lá da estufa enquanto vai dando indicações. ‘Olha este, olha este, pega antes que venha alguém’, ‘não te esqueças daquele que deixaste ali ao fundo’, são conselhos que, qual banda sonora em película de acção, os acompanhantes vão gritando.
Daniel, um informático, de 21 anos, sofreu do síndrome de confiança excessiva nos adversários. 'Quando entrei achava que tínhamos algum tempo só para ver e deixei de lado uma floresta para levar. De repente comecei a ver toda a gente a pegar nos vasos e já tinham levado aquele que eu queria.' Foi compensado com um bonsai de 392 euros, que acabou por encontrar, e com a tal perda da inocência que lhe desvendou 'uma táctica' certeira, que garante usar da próxima vez.
António Francisco percebeu a técnica logo no jogo de estreia. 'A minha esposa era como o co-piloto que me ia dando indicações. Uma das árvores que trouxe foi graças a ela. O Marco tinha dito para termos cuidado quando deixávamos árvores de lado porque alguém podia vir por trás e roubar e foi precisamente isso que fizemos a alguém. Ela viu um bonsai que uma pessoa tinha guardado perto dela e chamou-me.' Ficámos sem saber se o vaso que este casal de Santarém roubou com mestria e em trabalho de equipa era o tal que Daniel chorou, mas isso não é para aqui chamado. Regras são regras e a regra aqui é assaltar. E também porque, com muita pena nossa, não pudemos comprovar in loco o sucedido. Não é que não estivéssemos lá, o que acontece é que já tínhamos as árvores a tapar-nos a vista e delineávamos a custo a melhor forma de não deitar os quatro bonsais, até aí conquistados, a perder. Enquanto nos congratulávamos com o número conseguido, Filipe, polícia de profissão e curioso de bonsais na arte do lazer, levava os braços atestados de bonsais, em número tão capaz de encher a vista a boa gente como de o candidatar a padroeiro de uma qualquer floresta.
'Consegui sete, mas já distribui alguns. Na altura sentimos aquela adrenalina de ver se dá para carregar mais e tiramos os que parecem mais bonitinhos, mas isso é um erro. Quem perceber daquilo acho que não traz tantos e opta por trazer só os que têm valor.' Os cinco minutos concedidos é que dão para pouco quando o freguês não é peixe na água no ramo. Mas o proprietário é condescendente. Não se aflija por isso quem não tem relógio a dar horas no pulso, porque Marco Rodrigues capricha no grito que avisa os presentes: ‘Atenção, malta, só faltam dois minutos’. E garantimos que a tentação é para perguntar ‘ainda falta tanto?’, em vez de ‘já falta tão pouco?’, porque os braços começam a ameaçar ceder e não parecem dispostos a conceder 120 segundos a quem os tenta controlar. É com pena que não aguentamos a pressão e saímos a tempo de poisar a mercadoria em local seguro, um minuto e meio antes do limite, mas em boa hora para não sermos encharcados com o sistema de rega automático – castigo para quem não cumpre o tempo estabelecido. A caminho da saída cedemos à tentação de levar mais um. Porque a necessidade aguça realmente os músculos. Só não impede que doam no dia seguinte.
CONSEGUIREMOS 252,50 EUROS EM BONSAIS
Pode ter sido sorte de principiante mas o resultado está à vista e traduz-se em euros: 252,50 €. Os bonsais que conseguimos roubar: Acer Buergerianum (Acer Tridente) é de 1984 e o valor comercial é 150 euros; Hibiscus (Rosa da China), de 1993, vale 45 euros; Ulmeiro, de 2000, 10 euros; Ulmeiro, igual ao anterior mas com valor superior por causa do tronco principal em ‘S’, é de 1998 e vale 25,00; Cuphea é de 2005 e vale 22,50. No final, alguns repetentes espreitaram a fila da ‘Domingo’ mas não perderam tempo a gabá-la.
CONSEGUIRAM ENCHER A MALA
As irmãs Ana Morais e Elsa Caseiro foram pela adrenalina "dos 5 minutos". A enfermeira, de 35 anos, e a secretária de direcção, de 32, estrearam-se neste assalto mas já estão a pensar voltar. "Não tinha nenhuma planta em casa e agora tenho seis", graceja Elsa, que em poucos dias até já aprendeu a podar. A irmã, fã "desta arte bonita", decidiu "juntar o útil ao agradável" e sente que fez "uma boa colheita". Acompanhadas por Mário e Filipe, encheram a mala do carro que os trouxe a Sintra.
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